Estou estupefata com a facilidade com que encontrei, paguei e recebi em casa - pelo site "Estante virtual" - um livro que era quase um mito pra mim, a tradução editada pela Brasiliense em 1988 de "Wunschloses Ungluck", do Peter Handke.
Estou sem tempo para comentar mais, apenas segue um trecho:
- - -
"Além disso parto de mim mesmo e da minha própria bagagem, liberto-me cada vez mais disso tudo, à medida que avança o processo da escrita, e, por fim, concedo acesso a mim mesmo e à minha bagagem, enquanto produto de trabalho e mercadoria em oferta - dessa feita, porém, sendo apenas o que descreve e não podendo também assumir o papel do que é descrito, não logro com a tomada de distância resultado nenhum."
- - -
E a primeira frase de "O medo do goleiro diante do pênalti", do mesmo tradutor, Zé Pedro Antunes, na mesma edição:
- - -
"Ao montador Joseph Bloch, que antes havia sido um goleiro famoso, foi ao apresentar-se para o trabalho pela manhã, comunicado que estava despedido."
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Simplesmente imitá-la
Além do que segue abaixo, o livro era inspirado em "Infância", de Nathalie Sarraute. As primeiras (melhor em inglês, "the very first") linhas que escrevi eram assim:
- - -
"- Desculpe... eu achei que pudesse... achei que era possível...
- Você veria problema em simplesmente imitá-la? Simplesmente fazer como ela fez?
- E não tentar outra coisa? Quer dizer, simplesmente.
- Você sabe, você não tem conseguido.
- Isso tem me feito mal.
- Você parou de acreditar.
- Minha garganta está doendo hoje. Na semana passada, algo estragado me fez vomitar. Não tenho feito exercícios. Minha garganta dói.
- Você está se enganando. Tem mais tempo do que diz.
- Ontem vi minha amiga na rua. Ela estava com os cabelos molhados e conversava com um rapaz de bicicleta. Um rapaz parado, apoiado na bicicleta. Se ela me olhasse, por um instante pensei, poderia cumprimentá-la.
- Você a magoou muito.
- Era ela ou eu.
- Vi suas anotações. Você se engana com elas. Finge que trabalha, elas não são nada.
- Eu quase esqueci.
- Eu... se pudesse... cuidar da casa... limpar os vidros... tirar o pó do chão... dobrar as roupas...
- Fazer exercício... cuidar do meu corpo... me sentir saudável...
- Você está tossindo.
- Minha saúde piora.
- Por favor, pare com isso. Apenas comece a contar.
- Vou usar o mesmo título.
- Está bem. Apenas comece.
(segue) ..."
- - -
"- Desculpe... eu achei que pudesse... achei que era possível...
- Você veria problema em simplesmente imitá-la? Simplesmente fazer como ela fez?
- E não tentar outra coisa? Quer dizer, simplesmente.
- Você sabe, você não tem conseguido.
- Isso tem me feito mal.
- Você parou de acreditar.
- Minha garganta está doendo hoje. Na semana passada, algo estragado me fez vomitar. Não tenho feito exercícios. Minha garganta dói.
- Você está se enganando. Tem mais tempo do que diz.
- Ontem vi minha amiga na rua. Ela estava com os cabelos molhados e conversava com um rapaz de bicicleta. Um rapaz parado, apoiado na bicicleta. Se ela me olhasse, por um instante pensei, poderia cumprimentá-la.
- Você a magoou muito.
- Era ela ou eu.
- Vi suas anotações. Você se engana com elas. Finge que trabalha, elas não são nada.
- Eu quase esqueci.
- Eu... se pudesse... cuidar da casa... limpar os vidros... tirar o pó do chão... dobrar as roupas...
- Fazer exercício... cuidar do meu corpo... me sentir saudável...
- Você está tossindo.
- Minha saúde piora.
- Por favor, pare com isso. Apenas comece a contar.
- Vou usar o mesmo título.
- Está bem. Apenas comece.
(segue) ..."
Mas não era metalinguagem...
No meu site antigo, estão os primeiros capítulos da primeira versão de "O afeto", que comecei a escrever em 2002.
Lendo, hoje, sinto que algo ali era melhor que o resultado final. Mais reflexivo, menos limpo, menos ágil. E realmente não era metalinguagem, apenas um relato direto sem forjar um "narrador" literário.
Enfim... o começo era assim:
- - -
"Será talvez uma maneira simplória de apresentar as coisas, sem moldá-las num conjunto que torne enigmática a relação entre os fatos, mas depois de várias tentativas de organização, sem nenhum resultado que continuasse estimulante depois de alguns dias, me ocorreu que seria melhor assumir, em minha própria voz, este ponto de partida. Há uma história que desejo escrever, a partir de lembranças de quando tinha doze anos. Esta história tem algumas cenas que me parecem tão importantes; os pés de minha amiga Paula no vestiário da aula de natação; as mãos viradas dela, num gesto vaidoso de melodrama que me irritou quando ensaiávamos a peça na escola; o apoio de Aramis quando meu cachorro morreu; sua agressividade quando entramos na sétima série. São cenas que eu tinha perdido na memória, ofuscadas por alguns fatos que aconteceram mais tarde e deixaram minha lembrança turva, presa num mecanismo viciado de obsessões afetivas e carências crônicas. Quando me vi libertada desta angústia, depois de sofrimentos autoinfligidos e períodos de isolamento profundo, aos poucos foram voltando à minha mente imagens curiosas, relações insuspeitas que mantive em minha infância, e desenhariam uma visão de mim mesma que eu nem imaginava, pois andava iludida por esta outra figura entristecida, que finalmente consegui desmembrar."
Lendo, hoje, sinto que algo ali era melhor que o resultado final. Mais reflexivo, menos limpo, menos ágil. E realmente não era metalinguagem, apenas um relato direto sem forjar um "narrador" literário.
Enfim... o começo era assim:
- - -
"Será talvez uma maneira simplória de apresentar as coisas, sem moldá-las num conjunto que torne enigmática a relação entre os fatos, mas depois de várias tentativas de organização, sem nenhum resultado que continuasse estimulante depois de alguns dias, me ocorreu que seria melhor assumir, em minha própria voz, este ponto de partida. Há uma história que desejo escrever, a partir de lembranças de quando tinha doze anos. Esta história tem algumas cenas que me parecem tão importantes; os pés de minha amiga Paula no vestiário da aula de natação; as mãos viradas dela, num gesto vaidoso de melodrama que me irritou quando ensaiávamos a peça na escola; o apoio de Aramis quando meu cachorro morreu; sua agressividade quando entramos na sétima série. São cenas que eu tinha perdido na memória, ofuscadas por alguns fatos que aconteceram mais tarde e deixaram minha lembrança turva, presa num mecanismo viciado de obsessões afetivas e carências crônicas. Quando me vi libertada desta angústia, depois de sofrimentos autoinfligidos e períodos de isolamento profundo, aos poucos foram voltando à minha mente imagens curiosas, relações insuspeitas que mantive em minha infância, e desenhariam uma visão de mim mesma que eu nem imaginava, pois andava iludida por esta outra figura entristecida, que finalmente consegui desmembrar."
domingo, 23 de novembro de 2008
Pelo beijo da mãe
Agora que terminei "O afeto", começo a pensar no que fazer em seguida. Até janeiro tenho planos mais ou menos claros:
1 - Esperar a resposta da Heloisa até o início de fevereiro. Dois meses é um prazo razoável para ela ler o livro, espero, ela trabalha demais e tenho dó de insistir muito. Ela ficou de me dizer se vale reapresentar o texto à Cia. das Letras, que já o recusou duas vezes. Como mexi bastante, do ponto de vista técnico, espero que ela diga que sim, vale a pena. Eu sei que o livro desperta a simpatia de muitas pessoas, mas a editora recusou na primeira vez porque tinha metalinguagem, e eles não gostam disso. Tirei a metalinguagem e eles avaliaram que "estava faltando alguma coisa" e que a perversidade no subtexto só podia ser compreendida por quem me conhece e tivesse a intenção programática de ler o subtexto.
As alterações principais que fiz, meio tecnica meio psicanaliticamente, foram as seguintes:
- Inseri uma "moldura". Li essa expressão num texto de Décio de Almeida Prado, acho. Ele chama "peças de moldura" os textos que começam com uma cena qualquer que remete a um flashback, depois ao fim voltam à cena inicial. Nessa moldura aproveitei parágrafos de que gostava, na primeira versão que pecava por "metalinguagem". Não era exatamente, mas ok, disfarcei e agora coloquei na voz da personagem.
- Criei uma segunda trama, além da briga das amigas de 11 anos. Agora também há um mistério, digamos assim. Os pais da narradora estão se separando e ela não sabe. Quando isso se revela, fiz uma cena com imagens fortes para criar um climax (trocadilho péssimo!).
- Aumentei o número de cenas em que a narradora está insatisfeita ou cruel. Havia capítulos longos e melancólicos que quebrei ao meio, mudando a atitude da personagem (em vez de lembrar com saudade da amiga, lembra com impaciência).
- Trouxe várias informações do subtexto para a superfície. Por exemplo:
"Lendo alguns artigos sobre psicologia no jornal, pensando às vezes, percebo a relação entre algumas coisas. Como não reconhecer? Não seria apenas um encontro extraconjugal, uma tarde num hotel, que iria me afetar dessa maneira. Causaria talvez uma pequena angústia. Que poderia ficar maior se o homem falasse de uma filha. E ainda maior se eu a visse, como realmente vi, uma garota que tinha a minha idade quando tudo aconteceu."
- - -
Esse último passo foi talvez o mais difícil, porque envolve uma compreensão do que é "literatura" e do que são "livros". Em teoria, na boa literatura há muita informação no subtexto. Nos meus livros e filmes preferidos não há quase nada na superfície, tudo precisa ser descoberto, por interpretação, abaixo da superfície.
Mas se eu escrevesse assim o público dos meus livros seria numericamente parecido ao numero de fãs dos filmes de Ozu, o que talvez não interesse a editora. E talvez nem a mim, para ser honesta.
Ultimamente tenho pensando muito nisso: no quanto existe de sublimação no desejo de se fazer grande-literatura-que-não-será-entendida-hoje-mas-virará-obra-prima-na-posteridade.
Isso talvez signifique, numa interpretação psicológica rasteira, que a pessoa considere que sua própria vida não pode ser compreendida nem melhorada no presente, e o máximo que ela pode fazer é registrar suas angústias para que talvez alguém no futuro entenda.
Mas isso não é o mesmo que acreditar no mito cristão da vida eterna?
Não é também uma certa preguiça de tentar entender o mundo como é e agir de fato, em vez de se esconder num quarto cheio de livros?
Não é também medo de olhar para os próprios traumas e somente disfarçá-los em subtextos ocultos até para nós mesmos?
Porque honestamente, olhando esses grandes traumas de frente, não sobra quase nada. O mistério se reduz a uma dorzinha pequena como a de todas as outras pessoas; a grande literatura se resume à tristeza comum de uma criança com pais rigorosos que não lhe faziam tantos carinhos como ela queria.
Nem preciso explicar muito, é o começo do livro do Proust. A ânsia pelo beijo da mãe, e o medo da bronca do pai no corredor.
1 - Esperar a resposta da Heloisa até o início de fevereiro. Dois meses é um prazo razoável para ela ler o livro, espero, ela trabalha demais e tenho dó de insistir muito. Ela ficou de me dizer se vale reapresentar o texto à Cia. das Letras, que já o recusou duas vezes. Como mexi bastante, do ponto de vista técnico, espero que ela diga que sim, vale a pena. Eu sei que o livro desperta a simpatia de muitas pessoas, mas a editora recusou na primeira vez porque tinha metalinguagem, e eles não gostam disso. Tirei a metalinguagem e eles avaliaram que "estava faltando alguma coisa" e que a perversidade no subtexto só podia ser compreendida por quem me conhece e tivesse a intenção programática de ler o subtexto.
As alterações principais que fiz, meio tecnica meio psicanaliticamente, foram as seguintes:
- Inseri uma "moldura". Li essa expressão num texto de Décio de Almeida Prado, acho. Ele chama "peças de moldura" os textos que começam com uma cena qualquer que remete a um flashback, depois ao fim voltam à cena inicial. Nessa moldura aproveitei parágrafos de que gostava, na primeira versão que pecava por "metalinguagem". Não era exatamente, mas ok, disfarcei e agora coloquei na voz da personagem.
- Criei uma segunda trama, além da briga das amigas de 11 anos. Agora também há um mistério, digamos assim. Os pais da narradora estão se separando e ela não sabe. Quando isso se revela, fiz uma cena com imagens fortes para criar um climax (trocadilho péssimo!).
- Aumentei o número de cenas em que a narradora está insatisfeita ou cruel. Havia capítulos longos e melancólicos que quebrei ao meio, mudando a atitude da personagem (em vez de lembrar com saudade da amiga, lembra com impaciência).
- Trouxe várias informações do subtexto para a superfície. Por exemplo:
"Lendo alguns artigos sobre psicologia no jornal, pensando às vezes, percebo a relação entre algumas coisas. Como não reconhecer? Não seria apenas um encontro extraconjugal, uma tarde num hotel, que iria me afetar dessa maneira. Causaria talvez uma pequena angústia. Que poderia ficar maior se o homem falasse de uma filha. E ainda maior se eu a visse, como realmente vi, uma garota que tinha a minha idade quando tudo aconteceu."
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Esse último passo foi talvez o mais difícil, porque envolve uma compreensão do que é "literatura" e do que são "livros". Em teoria, na boa literatura há muita informação no subtexto. Nos meus livros e filmes preferidos não há quase nada na superfície, tudo precisa ser descoberto, por interpretação, abaixo da superfície.
Mas se eu escrevesse assim o público dos meus livros seria numericamente parecido ao numero de fãs dos filmes de Ozu, o que talvez não interesse a editora. E talvez nem a mim, para ser honesta.
Ultimamente tenho pensando muito nisso: no quanto existe de sublimação no desejo de se fazer grande-literatura-que-não-será-entendida-hoje-mas-virará-obra-prima-na-posteridade.
Isso talvez signifique, numa interpretação psicológica rasteira, que a pessoa considere que sua própria vida não pode ser compreendida nem melhorada no presente, e o máximo que ela pode fazer é registrar suas angústias para que talvez alguém no futuro entenda.
Mas isso não é o mesmo que acreditar no mito cristão da vida eterna?
Não é também uma certa preguiça de tentar entender o mundo como é e agir de fato, em vez de se esconder num quarto cheio de livros?
Não é também medo de olhar para os próprios traumas e somente disfarçá-los em subtextos ocultos até para nós mesmos?
Porque honestamente, olhando esses grandes traumas de frente, não sobra quase nada. O mistério se reduz a uma dorzinha pequena como a de todas as outras pessoas; a grande literatura se resume à tristeza comum de uma criança com pais rigorosos que não lhe faziam tantos carinhos como ela queria.
Nem preciso explicar muito, é o começo do livro do Proust. A ânsia pelo beijo da mãe, e o medo da bronca do pai no corredor.
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Coisas estranhas da internet
Ando meio cansada pelo excesso de trabalho, então me lembrei da frase preferida de meu irmão, de um autor de auto-ajuda: "everyone you meet is carrying a heavy load".
Não lembrava o nome do autor e fiz uma busca no Altavista. Encontrei vários sites com essa citação; o homem se chama Brian Tracy.
O mais curioso foi ver a frase num site muito estranho, http://elan.org, que não funcionou aqui em casa. Não achei nenhum link e foi impossível navegar.
Mas numa página havia a frase e duas fotos do mesmo rapaz:
Depois desse rostinho de bebê, a imagem abaixo:
Juro que não entendi.
Não lembrava o nome do autor e fiz uma busca no Altavista. Encontrei vários sites com essa citação; o homem se chama Brian Tracy.
O mais curioso foi ver a frase num site muito estranho, http://elan.org, que não funcionou aqui em casa. Não achei nenhum link e foi impossível navegar.
Mas numa página havia a frase e duas fotos do mesmo rapaz:
Depois desse rostinho de bebê, a imagem abaixo:
Juro que não entendi.
terça-feira, 18 de novembro de 2008
Prego de aço
Inventei um porta-recados para pendurar as contas a pagar que não cabiam na escrivaninha.
Pus um prego na parede, em que amarrei clipes com fio de bordado. Ficam os clipes pendurados, onde prendi as contas.
Não muito bonito, mas barato e adequado às minhas necessidades.
Mas tive que enfrentar meu trauma: tenho medo de pregos, quando comecei a morar sozinha nunca acertava, a pintura da parede descascava e o prego não prendia.
Com o tempo aprendi três truques mas o trauma não passou:
1 - comprar pregos de aço, que não entortam
2 - colocar uma fita-crepe na parede antes de bater; evita que a pintura lasque
3 - se o prego não entrar nas primeiras marteladas, é porque tem uma viga; então desista
Pus um prego na parede, em que amarrei clipes com fio de bordado. Ficam os clipes pendurados, onde prendi as contas.
Não muito bonito, mas barato e adequado às minhas necessidades.
Mas tive que enfrentar meu trauma: tenho medo de pregos, quando comecei a morar sozinha nunca acertava, a pintura da parede descascava e o prego não prendia.
Com o tempo aprendi três truques mas o trauma não passou:
1 - comprar pregos de aço, que não entortam
2 - colocar uma fita-crepe na parede antes de bater; evita que a pintura lasque
3 - se o prego não entrar nas primeiras marteladas, é porque tem uma viga; então desista
domingo, 16 de novembro de 2008
O afeto
Terminei o livro hoje. Fiquei surpresa, porque consegui até juntar umas pontas soltas sem muita importância, o que talvez cause aquele efeito tudo-amarradinho de um dos meus filmes preferidos do Almodovar, "De salto alto".
(obs: meu outro preferido é "A flor do meu segredo", por motivos óbvios)
Mudei detalhes nesse parágrafo conforme as sugestões do Paulo:
- - -
"Eu mudei de Curitiba logo depois de terminar a faculdade. Vim fazer residência em São Paulo, depois casei e continuei morando aqui. Paula casou mais cedo. Formou-se em pedagogia mas nunca trabalhou; engravidou sem planejar no último ano da faculdade, o namorado quis casar e ela aceitou. Depois decidiu ter o segundo filho logo, para "resolver de vez o assunto", mas nasceram gêmeos e o assunto não se resolveu tão facilmente. Escolheram gastar mais com escolas melhores, por isso não têm empregada, Paula cuida de tudo sozinha. Os três meninos têm uma energia assustadora, nenhum dos avós se arrisca a ficar com eles no fim-de-semana, "não tenho mais ouvido para tanta gritaria", a sogra diz. O marido não os leva passear se ela não for junto: "saem correndo sem avisar, vou acabar perdendo algum", é o que argumenta. Todos sempre prometem ajudar "quando eles ficarem maiorzinhos", mas Alexandre, o mais velho, tem oito anos. Os pequenos têm seis, e essa fase "maiorzinha" parece nunca chegar. Às vezes Paula consegue distribuí-los entre as mães dos colegas de escola e me liga orgulhosa: "consegui despachar os três". Nesses momentos conversamos."
(obs: meu outro preferido é "A flor do meu segredo", por motivos óbvios)
Mudei detalhes nesse parágrafo conforme as sugestões do Paulo:
- - -
"Eu mudei de Curitiba logo depois de terminar a faculdade. Vim fazer residência em São Paulo, depois casei e continuei morando aqui. Paula casou mais cedo. Formou-se em pedagogia mas nunca trabalhou; engravidou sem planejar no último ano da faculdade, o namorado quis casar e ela aceitou. Depois decidiu ter o segundo filho logo, para "resolver de vez o assunto", mas nasceram gêmeos e o assunto não se resolveu tão facilmente. Escolheram gastar mais com escolas melhores, por isso não têm empregada, Paula cuida de tudo sozinha. Os três meninos têm uma energia assustadora, nenhum dos avós se arrisca a ficar com eles no fim-de-semana, "não tenho mais ouvido para tanta gritaria", a sogra diz. O marido não os leva passear se ela não for junto: "saem correndo sem avisar, vou acabar perdendo algum", é o que argumenta. Todos sempre prometem ajudar "quando eles ficarem maiorzinhos", mas Alexandre, o mais velho, tem oito anos. Os pequenos têm seis, e essa fase "maiorzinha" parece nunca chegar. Às vezes Paula consegue distribuí-los entre as mães dos colegas de escola e me liga orgulhosa: "consegui despachar os três". Nesses momentos conversamos."
sábado, 15 de novembro de 2008
Dona Vera tricotando
Essa história de casamento me fez lembrar da maravilhosa música de Luiz Gonzaga, cantada pela Marlene:
Dona Vera tricotando
Dona Vera, quando moça
Foi bonita, foi dengosa, foi catita
Mas não soube aproveitar
Levava a vida em casa
Tricotando, tricotando
Tricotando, tricotando
Sem sair pra namorar
Mas passou a primavera
E ficou a Dona Vera
Solteirona toda a vida sem casar
E agora sem dinheiro
Tá difícil, Dona Vera
Com esta cara só se a sorte lhe ajudar
Dá pena, ora se dá
Dá pena, mas dá raiva também
Muié véia sem vintém
Ai, querendo se casar
Dona Vera tricotando
Dona Vera, quando moça
Foi bonita, foi dengosa, foi catita
Mas não soube aproveitar
Levava a vida em casa
Tricotando, tricotando
Tricotando, tricotando
Sem sair pra namorar
Mas passou a primavera
E ficou a Dona Vera
Solteirona toda a vida sem casar
E agora sem dinheiro
Tá difícil, Dona Vera
Com esta cara só se a sorte lhe ajudar
Dá pena, ora se dá
Dá pena, mas dá raiva também
Muié véia sem vintém
Ai, querendo se casar
terça-feira, 11 de novembro de 2008
Women's health
Hoje estou enrolando mesmo, porque preciso trabalhar e não estou nem um pouco a fim.
Então resolvi comentar um texto de minha aluna Silmara Ni Iizuka, que escreveu um projeto de série, um Sex & The City paulista, e ficou muito bacana mesmo. Na introdução ao trabalho, ela comentou o seguinte:
- - -
"O projeto foi concebido a partir de uma inquietação minha, que dia após dia ouvia as amigas reclamarem das atitudes dos homens ou da falta delas. A partir de então, comecei a ler revistas femininas, como Nova, Gloss, Marie Claire, Claudia e Vogue. Nenhuma delas conseguia me explicar o porquê dos homens não ligarem no dia seguinte, pedir o telefone e não ligar de volta ou não atenderem as trinta ligações de uma mulher. Pode até soar infantil, mas eu realmente buscava respostas nestas revistas, que nunca conseguiram desvendar o que e como fazer e, principalmente, como manter o homem interessado em nós.
Não sei como e por que um dia vi a série Sex & The City, que até então eu só conhecia pelo nome. Coincidentemente, vi o episódio em que Miranda se perguntava por que os homens não ligavam e, no final, Carrie e Miranda chegaram à conclusão que os homens não ligam no dia seguinte ou nunca mais porque simplesmente não estão interessados. Achei a mensagem tão simples e direta!
No entanto, o ápice de minha busca veio quando, por um acaso, eu li uma revista masculina, Men’s Health, que além de ser rica em conteúdo, detalhava aos seus leitores o que, quando, onde e, principalmente, como manter a mulher interessada neles. Cada linha, cada matéria, cada página era tão meticulosamente detalhada que parecia o “mapa da mina”, literalmente. Fiquei surpresa ao perceber que uma revista masculina conseguia passar aos seus leitores informações precisas e objetivas sobre as mulheres, mas as femininas não conseguiam sequer dar uma tacada certeira sobre como agir com os homens. O mais engraçado é que nós, mulheres, sempre fomos tidas como complexas e confusas, mas imagino que indecifráveis não, pois a Men’s Health, pelo menos, tinha decodificado cada atitude e cada manha da mulher moderna."
- - -
Bem, pensando nisso, já que sou uma mulher experiente e casada, resolvi fazer uma lista com dicas precisas e objetivas para ajudar:
1 - Se você quer só transar, as dicas da revista Nova funcionam. Mas não reclame depois, porque ele não mesmo vai te ligar. Como diziam antigamente, "pra que comprar a vaca se já bebi o leite?"
2 - Se você quer casar, entenda algumas coisas:
a) Você NÃO quer casar. Você quer alguma coisa fantasiosa que assistiu numa comédia romântica; casar é conviver com um homem real, e isso dá MUITO trabalho.
b) Se mesmo assim você quer enfrentar o pepino (trocadilho horrível) e casar ou namorar firme, as dicas são:
- Continue agindo com quem não quer casar. Cuide da sua vida, trabalhe, se divirta, e fique prestando atenção à sua volta... se você estiver feliz e se divertindo, algum homem vai gostar disso.
- Provavelmente esse homem não parece o Rodrigo Santoro nem o George Clooney; escolha, entre os interessados, aquele que te agrada mais. Leve em conta aspectos físicos, financeiros, familiares e organizacionais. Marido é pacote completo, não adianta casar com um endividado cronico e achar que isso vai se consertar depois. Mesmo que seja possível consertar, vai dar TANTO trabalho que não vale a pena.
- Quanto à aparência, confie mais no cheiro e nos feromônios do que numa imagem ideal que você tirou de algum filme ou programa de TV.
- Por mais moderno que o mundo aparente esteja, algumas coisas não mudaram. a) é ELE quem deve dizer que quer ficar com você; você pode insinuar, muito sutilmente, mas é ELE quem tem que morder a isca e dizer textualmente. Um cara que não tem coragem de dizer o que quer provavelmente é muito traumatizado por sabe-se lá que origem familiar e vai te dar muito trabalho.
- Se o cara vale a pena, às vezes a mulher pode dar uma ajudinha, traduzindo o que ele quer dizer mas não tem coragem. Precisa ter alguma sensibilidade pra isso, algum bom senso e trato humano. Uma pessoa razoavelmente normal consegue, é só ficar tranquila, não tem nenhum grande mistério. A neura é que atrapalha.
- Você pode controlar o ritmo do relacionamento, sem estressar. Se vocês estão namorando e você quer casar, e o cara está enrolando, você pode dar umas diretas sutis: tipo sossegadamente dizer: "eu quero casar, se você não quer mesmo, então se prepara porque vou pensar num plano B". Só que isso tem que ser honesto, não pode ser chantagem emocional. Entenda que o cara pode realmente não querer, e você vai passar realmente para o plano B, e paciência. Não adianta jogar um verde, depois fazer um drama porque o cara não mordeu a isca.
- - -
- Enfim, depois prepare-se porque os cientistas têm toda razão quando falam das fases da paixão. Depois de 3 anos esfria um pouco, depois de 7 anos esfria muito, o primeiro filho pode ser uma alegria mas normalmente traz à tona traumas que você nem sabia que tinha. Em qualquer crise maior, a dica é sempre voltar para o estágio 1: "Cuide da sua vida, trabalhe, se divirta, e fique prestando atenção à sua volta... se você estiver feliz e se divertindo, algum homem vai gostar disso."
Então resolvi comentar um texto de minha aluna Silmara Ni Iizuka, que escreveu um projeto de série, um Sex & The City paulista, e ficou muito bacana mesmo. Na introdução ao trabalho, ela comentou o seguinte:
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"O projeto foi concebido a partir de uma inquietação minha, que dia após dia ouvia as amigas reclamarem das atitudes dos homens ou da falta delas. A partir de então, comecei a ler revistas femininas, como Nova, Gloss, Marie Claire, Claudia e Vogue. Nenhuma delas conseguia me explicar o porquê dos homens não ligarem no dia seguinte, pedir o telefone e não ligar de volta ou não atenderem as trinta ligações de uma mulher. Pode até soar infantil, mas eu realmente buscava respostas nestas revistas, que nunca conseguiram desvendar o que e como fazer e, principalmente, como manter o homem interessado em nós.
Não sei como e por que um dia vi a série Sex & The City, que até então eu só conhecia pelo nome. Coincidentemente, vi o episódio em que Miranda se perguntava por que os homens não ligavam e, no final, Carrie e Miranda chegaram à conclusão que os homens não ligam no dia seguinte ou nunca mais porque simplesmente não estão interessados. Achei a mensagem tão simples e direta!
No entanto, o ápice de minha busca veio quando, por um acaso, eu li uma revista masculina, Men’s Health, que além de ser rica em conteúdo, detalhava aos seus leitores o que, quando, onde e, principalmente, como manter a mulher interessada neles. Cada linha, cada matéria, cada página era tão meticulosamente detalhada que parecia o “mapa da mina”, literalmente. Fiquei surpresa ao perceber que uma revista masculina conseguia passar aos seus leitores informações precisas e objetivas sobre as mulheres, mas as femininas não conseguiam sequer dar uma tacada certeira sobre como agir com os homens. O mais engraçado é que nós, mulheres, sempre fomos tidas como complexas e confusas, mas imagino que indecifráveis não, pois a Men’s Health, pelo menos, tinha decodificado cada atitude e cada manha da mulher moderna."
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Bem, pensando nisso, já que sou uma mulher experiente e casada, resolvi fazer uma lista com dicas precisas e objetivas para ajudar:
1 - Se você quer só transar, as dicas da revista Nova funcionam. Mas não reclame depois, porque ele não mesmo vai te ligar. Como diziam antigamente, "pra que comprar a vaca se já bebi o leite?"
2 - Se você quer casar, entenda algumas coisas:
a) Você NÃO quer casar. Você quer alguma coisa fantasiosa que assistiu numa comédia romântica; casar é conviver com um homem real, e isso dá MUITO trabalho.
b) Se mesmo assim você quer enfrentar o pepino (trocadilho horrível) e casar ou namorar firme, as dicas são:
- Continue agindo com quem não quer casar. Cuide da sua vida, trabalhe, se divirta, e fique prestando atenção à sua volta... se você estiver feliz e se divertindo, algum homem vai gostar disso.
- Provavelmente esse homem não parece o Rodrigo Santoro nem o George Clooney; escolha, entre os interessados, aquele que te agrada mais. Leve em conta aspectos físicos, financeiros, familiares e organizacionais. Marido é pacote completo, não adianta casar com um endividado cronico e achar que isso vai se consertar depois. Mesmo que seja possível consertar, vai dar TANTO trabalho que não vale a pena.
- Quanto à aparência, confie mais no cheiro e nos feromônios do que numa imagem ideal que você tirou de algum filme ou programa de TV.
- Por mais moderno que o mundo aparente esteja, algumas coisas não mudaram. a) é ELE quem deve dizer que quer ficar com você; você pode insinuar, muito sutilmente, mas é ELE quem tem que morder a isca e dizer textualmente. Um cara que não tem coragem de dizer o que quer provavelmente é muito traumatizado por sabe-se lá que origem familiar e vai te dar muito trabalho.
- Se o cara vale a pena, às vezes a mulher pode dar uma ajudinha, traduzindo o que ele quer dizer mas não tem coragem. Precisa ter alguma sensibilidade pra isso, algum bom senso e trato humano. Uma pessoa razoavelmente normal consegue, é só ficar tranquila, não tem nenhum grande mistério. A neura é que atrapalha.
- Você pode controlar o ritmo do relacionamento, sem estressar. Se vocês estão namorando e você quer casar, e o cara está enrolando, você pode dar umas diretas sutis: tipo sossegadamente dizer: "eu quero casar, se você não quer mesmo, então se prepara porque vou pensar num plano B". Só que isso tem que ser honesto, não pode ser chantagem emocional. Entenda que o cara pode realmente não querer, e você vai passar realmente para o plano B, e paciência. Não adianta jogar um verde, depois fazer um drama porque o cara não mordeu a isca.
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- Enfim, depois prepare-se porque os cientistas têm toda razão quando falam das fases da paixão. Depois de 3 anos esfria um pouco, depois de 7 anos esfria muito, o primeiro filho pode ser uma alegria mas normalmente traz à tona traumas que você nem sabia que tinha. Em qualquer crise maior, a dica é sempre voltar para o estágio 1: "Cuide da sua vida, trabalhe, se divirta, e fique prestando atenção à sua volta... se você estiver feliz e se divertindo, algum homem vai gostar disso."
As resenhas são necessárias?
O fim de ano anda corrido e não consigo ler meus blogs preferidos, estou triste. Uso meu pouco tempo livre para escrever alguma coisa aqui e escapar da terrível depressão de operário: "não acredito que passo a semana inteira trabalhando e não faço o que gosto de fazer!"
Por isso talvez eu ande remexendo minhas gavetas. Pra lembrar que as coisas que escrevi estão lá, já que a memória é uma coisa estranha e apaga nossa personalidade ideal quando somos forçados a enfrentar o mundo real por tempo demais.
Então lembrei de um texto que escrevi faz um tempo para a Folha, era pra ser uma resenha do livro "Os homens são necessários?". Mandaram o livro porque eu pedi: "ah, vai, manda alguma coisinha pra eu resenhar...". Só que aparentemente estou classificada nessa equipe da Ilustrada como especialista em comportamento feminino, não exatamente uma escritora que sabe falar de literatura. Por isso todas as resenhas que me pediram eram sobre 02 Neurônico, os destinos de Harry Potter, pornografia americana, enfim... aquelas coisas.
No caso desse livro "Os homens...?", aconteceu ainda de eu não estar no melhor momento, psiquiatricamente falando. Raciocínio acelerado, perdendo o bom senso. Não consegui ler o livro inteiro porque meu pensamento disparava a cada frase, e escrevi uma resenha com várias referências espontâneas numa coesão maníaca, se é que posso usar a expressão médica para a um texto escrito.
Um amigo me aconselhou a não enviar para o jornal. Grifou as partes que ele considerava fugirem ao tema, preocupado que eu queimasse meu filme e perdesse espaço na imprensa. Conselhos sábios que obviamente eu não tinha capacidade de seguir. Apenas mandei o texto à jornalista dizendo "foi o que consegui fazer, você publica se quiser".
Eles publicaram até com certo destaque, com uma foto colorida ao lado. Acho que era Dia da Mulher ou algo assim. Encontrei outro amigo no cinema, algum tempo depois, e ele disse rindo: "adoro essas resenhas em que você debocha das merdas que devia resenhar".
Eu não estava debochando, na verdade, mas naturalmente não concordava com o livro pelo pouco que li.
Curioso foi que, alguns meses atrás, fiz uma busca no orkut pelo título do meu livro (gosto de ler os comentários), e encontrei dois garotos esculachando o tal texto, dizendo "olha o nível a que a imprensa chegou", "como uma pessoa dessas pode escrever para um jornal" e etc. Até fiquei com vontade de entrar no Fórum e explicar a situação, mas os tipos tinham um jeitinho cricri e achei que não valia a pena.
Enfim, segue o texto:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1811200613.htm
Por isso talvez eu ande remexendo minhas gavetas. Pra lembrar que as coisas que escrevi estão lá, já que a memória é uma coisa estranha e apaga nossa personalidade ideal quando somos forçados a enfrentar o mundo real por tempo demais.
Então lembrei de um texto que escrevi faz um tempo para a Folha, era pra ser uma resenha do livro "Os homens são necessários?". Mandaram o livro porque eu pedi: "ah, vai, manda alguma coisinha pra eu resenhar...". Só que aparentemente estou classificada nessa equipe da Ilustrada como especialista em comportamento feminino, não exatamente uma escritora que sabe falar de literatura. Por isso todas as resenhas que me pediram eram sobre 02 Neurônico, os destinos de Harry Potter, pornografia americana, enfim... aquelas coisas.
No caso desse livro "Os homens...?", aconteceu ainda de eu não estar no melhor momento, psiquiatricamente falando. Raciocínio acelerado, perdendo o bom senso. Não consegui ler o livro inteiro porque meu pensamento disparava a cada frase, e escrevi uma resenha com várias referências espontâneas numa coesão maníaca, se é que posso usar a expressão médica para a um texto escrito.
Um amigo me aconselhou a não enviar para o jornal. Grifou as partes que ele considerava fugirem ao tema, preocupado que eu queimasse meu filme e perdesse espaço na imprensa. Conselhos sábios que obviamente eu não tinha capacidade de seguir. Apenas mandei o texto à jornalista dizendo "foi o que consegui fazer, você publica se quiser".
Eles publicaram até com certo destaque, com uma foto colorida ao lado. Acho que era Dia da Mulher ou algo assim. Encontrei outro amigo no cinema, algum tempo depois, e ele disse rindo: "adoro essas resenhas em que você debocha das merdas que devia resenhar".
Eu não estava debochando, na verdade, mas naturalmente não concordava com o livro pelo pouco que li.
Curioso foi que, alguns meses atrás, fiz uma busca no orkut pelo título do meu livro (gosto de ler os comentários), e encontrei dois garotos esculachando o tal texto, dizendo "olha o nível a que a imprensa chegou", "como uma pessoa dessas pode escrever para um jornal" e etc. Até fiquei com vontade de entrar no Fórum e explicar a situação, mas os tipos tinham um jeitinho cricri e achei que não valia a pena.
Enfim, segue o texto:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1811200613.htm
Os homens são necessários?
(texto referente ao post acima)
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"O livro da autora americana Maureen Dowd, apesar do título aparentemente agressivo, é engraçado e generoso, e além disso dedicado aos homens, como consta em itálico na página de dedicatórias. A tradução tem poucos erros de plural do infinitivo pessoal, mas isso não é importante. O tema do livro também não é inédito no Brasil. Poder-se-ia citar como exemplo o título “O que é pênis?”, de José Ângelo Gaiarsa. Mas não sei se é fácil conseguir um exemplar dessa obra em sebos. Quase certamente não existem volumes novos.
O livro de Dowd é gentil e leve, embora o excesso de informações sugira uma leitura lenta. Sobre gentileza, um agradável texto complementar chama-se “Idéias para ajudar escritores aspirantes”, de autoria do autor inglês já falecido Roald Dahl. Provavelmente não existe outra tradução no Brasil além da que tentei fazer em 2003 para auxiliar meus alunos/as interessados/as na carreira de escritor/a. Mas não tenho certeza disso.
Para compreender a obra de Dowd, seria importante, também, ler o capítulo “Leveza”, da obra “Seis propostas para o próximo milênio”, de Italo Calvino. Este livro sim, acredito, ainda está disponível em muitas livrarias do país.
A questão do gênero é muito importante em situações que infelizmente ainda hoje ocorrem: mulheres, pobres ou ricas, que engravidam por circunstâncias acima de sua vontade, porque não têm coragem de pedir que seus companheiros (permanentes ou passageiros) usem camisinha. A escritora brasileira Stella Florence, que realiza trabalho voluntário com adolescentes nessa situação, conversou sobre isso com o público presente em palestra ocorrida na Casa das Rosas há cerca de dois meses. Aparentemente trata-se de um problema de auto-estima e afeto. Mas, acredito, o prejuízo maior desses nascimentos indesejados seja da sociedade, e não das meninas.
Voltando ao livro “Os homens são necessários?”, acho interessante ressaltar que a mãe da autora americana, mencionada na primeira linha de agradecimentos, sugeriu antes de falecer o título “Por que os homens são necessários?”. Imagino que a exclusão do “por que” no título original americano tenha se dado por questões estéticas quanto ao desenho da capa.
Seria importante também relembrar a interessantíssima biografia sobre as biografias escritas a partir da morte de Sylvia Plath. É um livro já traduzido no Brasil, intitulado “A mulher calada”, da americana Janet Malcom. Entretanto, percebo que não há espaço nesta resenha para discutir a questão feminina “no eixo” EUA - Reino Unido.
Finalizando, me parece que o mais importante seja relembrar os versos de Fernando Pessoa: “O amor é essencial / o sexo é só um acidente / pode ser igual / ou diferente / o homem não é um animal / é carne inteligente / embora às vezes doente”. Adoro esse poema por causa das rimas. Elas me fazem lembrar minha professora da segunda série do primário, tia Zélia."
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"O livro da autora americana Maureen Dowd, apesar do título aparentemente agressivo, é engraçado e generoso, e além disso dedicado aos homens, como consta em itálico na página de dedicatórias. A tradução tem poucos erros de plural do infinitivo pessoal, mas isso não é importante. O tema do livro também não é inédito no Brasil. Poder-se-ia citar como exemplo o título “O que é pênis?”, de José Ângelo Gaiarsa. Mas não sei se é fácil conseguir um exemplar dessa obra em sebos. Quase certamente não existem volumes novos.
O livro de Dowd é gentil e leve, embora o excesso de informações sugira uma leitura lenta. Sobre gentileza, um agradável texto complementar chama-se “Idéias para ajudar escritores aspirantes”, de autoria do autor inglês já falecido Roald Dahl. Provavelmente não existe outra tradução no Brasil além da que tentei fazer em 2003 para auxiliar meus alunos/as interessados/as na carreira de escritor/a. Mas não tenho certeza disso.
Para compreender a obra de Dowd, seria importante, também, ler o capítulo “Leveza”, da obra “Seis propostas para o próximo milênio”, de Italo Calvino. Este livro sim, acredito, ainda está disponível em muitas livrarias do país.
A questão do gênero é muito importante em situações que infelizmente ainda hoje ocorrem: mulheres, pobres ou ricas, que engravidam por circunstâncias acima de sua vontade, porque não têm coragem de pedir que seus companheiros (permanentes ou passageiros) usem camisinha. A escritora brasileira Stella Florence, que realiza trabalho voluntário com adolescentes nessa situação, conversou sobre isso com o público presente em palestra ocorrida na Casa das Rosas há cerca de dois meses. Aparentemente trata-se de um problema de auto-estima e afeto. Mas, acredito, o prejuízo maior desses nascimentos indesejados seja da sociedade, e não das meninas.
Voltando ao livro “Os homens são necessários?”, acho interessante ressaltar que a mãe da autora americana, mencionada na primeira linha de agradecimentos, sugeriu antes de falecer o título “Por que os homens são necessários?”. Imagino que a exclusão do “por que” no título original americano tenha se dado por questões estéticas quanto ao desenho da capa.
Seria importante também relembrar a interessantíssima biografia sobre as biografias escritas a partir da morte de Sylvia Plath. É um livro já traduzido no Brasil, intitulado “A mulher calada”, da americana Janet Malcom. Entretanto, percebo que não há espaço nesta resenha para discutir a questão feminina “no eixo” EUA - Reino Unido.
Finalizando, me parece que o mais importante seja relembrar os versos de Fernando Pessoa: “O amor é essencial / o sexo é só um acidente / pode ser igual / ou diferente / o homem não é um animal / é carne inteligente / embora às vezes doente”. Adoro esse poema por causa das rimas. Elas me fazem lembrar minha professora da segunda série do primário, tia Zélia."
sábado, 8 de novembro de 2008
Teu destino
Gabriel era um uruguaio da nossa turma da faculdade em 93. Era visivelmente diferente de nós, porque já tinha 24 anos (um adulto), vestia botas de couro, calças jeans justas e desbotadas, camisa xadrez, fumava... o Lucky Luke materializado. Eu não estava apaixonada por ele: estava encantada num sentido mágico, hipnotizada por essa imagem inacreditável de Homem.
Ele simpatizava comigo e várias noites rodamos pela cidade com nossa amiga Carol, numa arranjo meio adolescente em que ela me ajudava a tentar de seduzi-lo, nos levando de carro para beber, oferecendo o whisky da mãe dela, já que éramos dois duros e estrangeiros na cidade. Conversávamos e conversávamos, e num desses momentos ele disse algo simpático sobre mim.
Não sei se disse exatamente isso, mas entendi assim: que, espontaneamente, eu começava a cantar algum trecho de música quando saíamos com a turma, e os versos tinham relação com o que acontecia no momento. Bem observado, bonito e inteligente, a história com o Gabriel termina agora para adiantar uns anos e dizer que isso me acontece até hoje, a mim e alguns amigos: você passa dias brigando com uma pessoa, e de repente acorda cantando Ataulfo Alves: "vai, vai mesmo... eu não quero você mais..."
A memória espontânea te traduz pra você mesmo e aqui caberia dizer "Freud explica", porque ele realmente o faz na "Psicopatologia da vida cotidiana".
- - -
Pulo ainda várias informações para chegar ao seguinte: ouvi muita música caipira na infância e adolescência, porque era uma paixão comum de dois homens importantes na minha formação: meu pai e meu avô materno. Duas personalidades que eu tinha dificuldade para entender, porque minha visão era mediada pelos comentários de minha mãe e minhas tias. No caso do meu avô, dizendo para ele ir ao médico, tomar remédio, parar de beber, um excesso de cuidados que ele recusava, brincalhão, fugindo para mexer em sua horta. Sua personalidade só aparecia nas brechas, em piadas e "causos acontecidos" que ele contava, nos objetos estranhos que montava na garagem. Quando tentei entrevistá-lo, ao lado de minha avó, ele não quis dizer nada. Só ria, meio fugindo, como se fosse uma brincadeira.
- - -
Por muitos anos lembrei de dois versos que ele cantava, de passagem pela cozinha, sempre os mesmos, nunca a música inteira: "na fazenda do lajeado... conheci um boi malhado".
Isso foi há uns vinte anos, mas em Brasília comentei com meu pai, e ele conhecia a música. Era uma canção famosa de Tonico e Tinoco. Encontrei uma gravação no You Tube.
Se os versos espontâneos querem dizer alguma coisa, talvez seja triste concluir.
- - -
"Na manguera da fazenda do Lajeado
Conheci um boi maiado descaído como quê
Tempo de moço quando eu era candiero
Boi Maiado era ligero trabaiava com você.
Boi de carro hoje véio rejeitado
Seu congote calejado da canga que te prendeu
Boi de carro eu ainda sô teu cumpanheiro
Eu to véio sem dinheiro teu destino é iguá o meu
Boi de carro sem valia tá afrontado
De puxá carro pesado costume que os patrão fais
Eu trabaiei trinta ano e fui quebrado
Do lugá foi despachado diz que eu já não presto mais.
Boi de carro seu oiá triste parado
Ruminando já cansado cô desprezo do patrão
Boi de carro eu também to ruminando
Essa mágoa vô levando dos home sem coração.
Boi de carro o seu dia tá marcado
Pro corte foi negociado prá matá no fim do méis
Adeus maiado meu sentimento é profundo
Vou andando pelo mundo esperando a minha veis."
- - -
Este é o vídeo.
Ele simpatizava comigo e várias noites rodamos pela cidade com nossa amiga Carol, numa arranjo meio adolescente em que ela me ajudava a tentar de seduzi-lo, nos levando de carro para beber, oferecendo o whisky da mãe dela, já que éramos dois duros e estrangeiros na cidade. Conversávamos e conversávamos, e num desses momentos ele disse algo simpático sobre mim.
Não sei se disse exatamente isso, mas entendi assim: que, espontaneamente, eu começava a cantar algum trecho de música quando saíamos com a turma, e os versos tinham relação com o que acontecia no momento. Bem observado, bonito e inteligente, a história com o Gabriel termina agora para adiantar uns anos e dizer que isso me acontece até hoje, a mim e alguns amigos: você passa dias brigando com uma pessoa, e de repente acorda cantando Ataulfo Alves: "vai, vai mesmo... eu não quero você mais..."
A memória espontânea te traduz pra você mesmo e aqui caberia dizer "Freud explica", porque ele realmente o faz na "Psicopatologia da vida cotidiana".
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Pulo ainda várias informações para chegar ao seguinte: ouvi muita música caipira na infância e adolescência, porque era uma paixão comum de dois homens importantes na minha formação: meu pai e meu avô materno. Duas personalidades que eu tinha dificuldade para entender, porque minha visão era mediada pelos comentários de minha mãe e minhas tias. No caso do meu avô, dizendo para ele ir ao médico, tomar remédio, parar de beber, um excesso de cuidados que ele recusava, brincalhão, fugindo para mexer em sua horta. Sua personalidade só aparecia nas brechas, em piadas e "causos acontecidos" que ele contava, nos objetos estranhos que montava na garagem. Quando tentei entrevistá-lo, ao lado de minha avó, ele não quis dizer nada. Só ria, meio fugindo, como se fosse uma brincadeira.
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Por muitos anos lembrei de dois versos que ele cantava, de passagem pela cozinha, sempre os mesmos, nunca a música inteira: "na fazenda do lajeado... conheci um boi malhado".
Isso foi há uns vinte anos, mas em Brasília comentei com meu pai, e ele conhecia a música. Era uma canção famosa de Tonico e Tinoco. Encontrei uma gravação no You Tube.
Se os versos espontâneos querem dizer alguma coisa, talvez seja triste concluir.
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"Na manguera da fazenda do Lajeado
Conheci um boi maiado descaído como quê
Tempo de moço quando eu era candiero
Boi Maiado era ligero trabaiava com você.
Boi de carro hoje véio rejeitado
Seu congote calejado da canga que te prendeu
Boi de carro eu ainda sô teu cumpanheiro
Eu to véio sem dinheiro teu destino é iguá o meu
Boi de carro sem valia tá afrontado
De puxá carro pesado costume que os patrão fais
Eu trabaiei trinta ano e fui quebrado
Do lugá foi despachado diz que eu já não presto mais.
Boi de carro seu oiá triste parado
Ruminando já cansado cô desprezo do patrão
Boi de carro eu também to ruminando
Essa mágoa vô levando dos home sem coração.
Boi de carro o seu dia tá marcado
Pro corte foi negociado prá matá no fim do méis
Adeus maiado meu sentimento é profundo
Vou andando pelo mundo esperando a minha veis."
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Este é o vídeo.
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
Instância antropomórfica
Um trecho do artigo que preciso terminar até segunda-feira para o doutorado:
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A palestra da escritora americana Flannery O’Connor, transcrita no livro "Mistery and Manners", foi recomendado pelo prof. Jean-Claude Bernardet no segundo ano de graduação e assumiu de forma simbólica minhas preocupações essenciais:
“Uma história é uma ação dramática completa - e em boas histórias, os personagens se mostram pela ação e a ação é controlada pelos personagens, e o resultado disso é o significado, que provém de toda a experiência apresentada. (...)
Eu mesma prefiro dizer que uma história é um evento dramático que envolve uma pessoa porque ela é uma pessoa, e uma pessoa em particular - isto é, porque ela partilha da condição humana geral, e de uma condição humana específica. (...)
Agora: este é um lugar bem humilde pra se começar, e a maioria das pessoas que acham que querem escrever histórias não querem começar daí. Elas querem escrever sobre problemas, não pessoas; ou sobre questões abstratas, não situações concretas. (...)
Nada disso significa que ao escrever uma história você tenha que esquecer ou desistir das posições morais que tiver. Suas crenças serão a luz através da qual você vê - mas elas não serão aquilo que você vê, nem serão substituto de ver. Para o escritor de ficção, tudo tem seu ponto-chave no olho, e o olho é um órgão que envolve toda a personalidade, e todo o mundo que couber nele. (...)
A ficção opera através dos sentidos, e eu acho que uma das razões de pensarem que escrever histórias é difícil, é por esquecerem quanto tempo e paciência são necessários pra convencer pelos sentidos. O leitor que não vivenciar realmente, que não puder sentir a história, não vai acreditar em nada que o escritor simplesmente disser a ele. A primeira e mais óbvia característica da ficção é que ela lida com a realidade através do que pode ser visto, ouvido, cheirado, saboreado ou tocado.”
Somando às idéias de O’Connor algumas outras, será mais fácil esclarecer minha abordagem: se a ficção opera pela reconstrução do tempo e do espaço; se as questões abstratas, na ficção, estão vinculadas à instância antropomórfica a que chamamos personagem; se o narrador também é um personagem e o interesse da boa ficção está nos conflitos e contradições, por que isso seria incompatível com a pesquisa acadêmica? Talvez exista alguma honestidade em assumir que o pesquisador é um narrador e ele mesmo um personagem. Que seu objeto de estudo demanda a reconstituição do tempo, do espaço e dos persoangens envolvidos, e que nisso está incluída sua própria situação de pesquisador. E que as questões abstratas só fazem sentido quando vinculadas a esse quadro narrativo.
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A palestra da escritora americana Flannery O’Connor, transcrita no livro "Mistery and Manners", foi recomendado pelo prof. Jean-Claude Bernardet no segundo ano de graduação e assumiu de forma simbólica minhas preocupações essenciais:
“Uma história é uma ação dramática completa - e em boas histórias, os personagens se mostram pela ação e a ação é controlada pelos personagens, e o resultado disso é o significado, que provém de toda a experiência apresentada. (...)
Eu mesma prefiro dizer que uma história é um evento dramático que envolve uma pessoa porque ela é uma pessoa, e uma pessoa em particular - isto é, porque ela partilha da condição humana geral, e de uma condição humana específica. (...)
Agora: este é um lugar bem humilde pra se começar, e a maioria das pessoas que acham que querem escrever histórias não querem começar daí. Elas querem escrever sobre problemas, não pessoas; ou sobre questões abstratas, não situações concretas. (...)
Nada disso significa que ao escrever uma história você tenha que esquecer ou desistir das posições morais que tiver. Suas crenças serão a luz através da qual você vê - mas elas não serão aquilo que você vê, nem serão substituto de ver. Para o escritor de ficção, tudo tem seu ponto-chave no olho, e o olho é um órgão que envolve toda a personalidade, e todo o mundo que couber nele. (...)
A ficção opera através dos sentidos, e eu acho que uma das razões de pensarem que escrever histórias é difícil, é por esquecerem quanto tempo e paciência são necessários pra convencer pelos sentidos. O leitor que não vivenciar realmente, que não puder sentir a história, não vai acreditar em nada que o escritor simplesmente disser a ele. A primeira e mais óbvia característica da ficção é que ela lida com a realidade através do que pode ser visto, ouvido, cheirado, saboreado ou tocado.”
Somando às idéias de O’Connor algumas outras, será mais fácil esclarecer minha abordagem: se a ficção opera pela reconstrução do tempo e do espaço; se as questões abstratas, na ficção, estão vinculadas à instância antropomórfica a que chamamos personagem; se o narrador também é um personagem e o interesse da boa ficção está nos conflitos e contradições, por que isso seria incompatível com a pesquisa acadêmica? Talvez exista alguma honestidade em assumir que o pesquisador é um narrador e ele mesmo um personagem. Que seu objeto de estudo demanda a reconstituição do tempo, do espaço e dos persoangens envolvidos, e que nisso está incluída sua própria situação de pesquisador. E que as questões abstratas só fazem sentido quando vinculadas a esse quadro narrativo.
terça-feira, 4 de novembro de 2008
Comprei um colchão
Hoje coloquei no Sete Linhas o pedaço de uma crônica recusada pela TPM. Na época eu participava da coluna "Casada / Solteira" e pensei que falar de um namorado, ainda que não fosse marido, era parte da idéia de casar: formar um ninho, como está no texto.
A editora não concordou, e o texto ficou na minha pasta sem leitores. Hoje dei uma olhada e me pareceu simpático, então segue na íntegra:
- - -
"Ele foi meu primeiro namorado, eu achava que lembraria para sempre a data de nosso aniversário, tinha certeza de que não conseguiria sobreviver se ele me deixasse. Mas... um dia o namoro terminou, e hoje não consigo lembrar, por mais que tente, qual era a data em que comemorávamos nosso primeiro “beijo bêbado”. Mas era inverno. Sei disso porque não esqueço o frio da primeira noite em que dormimos juntos. Estávamos namorando fazia um mês, eu tinha um colchão novo mas meu edredom era de solteiro e não conseguia cobrir os dois. Ele dormiu na minha casa porque quis (eu não convidei). Esse era o signo de que estávamos namorando de fato. Foi só depois dessa noite que comprei uma coberta decente nas casas Pernambucanas.
Eu morava de maneira improvisada numa casa de fundos, dividindo o espaço com três amigas para que cada uma tivesse “sua privacidade” (ou seja, um lugar para transar). A casa tinha dois quartos, e como fui a última a chegar na república, sobrou a sala para mim - com chão de lajota, gelado de doer. O inverno foi chegando mas eu tinha meu método todo próprio para a aquisição de bens de cama-mesa-e-banho, que era na verdade minha maneira de construir um ninho. Quando cheguei na casa, dormia em cima de um edredom. Eu sabia que precisava comprar mais coisas, mas o dinheiro era pouco e fiz a seguinte promessa: se o Gabriel (objeto da minha paixão) ficasse comigo, eu comprava um colchão. Comecei a relacionar minhas compras com a evolução do nosso namoro. Se ficasse solteira, eu pensava, preferia usar meu dinheiro com coisas mais importantes, como roupas, cerveja e pizza no bar da esquina. Mas se ele quisesse namorar comigo, então eu podia abrir mão de algumas baladas e comprar um colchão, um travesseiro extra, uma xícara a mais.
O frio este ano me faz lembrar essa história, principalmente quando minhas amigas falam de suas pseudo-terapeutas que só repetem que tudo é sintoma de baixa auto-estima. Também faço terapia e curto o processo, mas essa história de auto-estima me enche a paciência. Ok, eu dormia no chão e só comprei um colchão por causa do Gabriel. Isso significa que eu não gostava de mim mesma? Sinceramente, acho que as coisas não são bem assim."
A editora não concordou, e o texto ficou na minha pasta sem leitores. Hoje dei uma olhada e me pareceu simpático, então segue na íntegra:
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"Ele foi meu primeiro namorado, eu achava que lembraria para sempre a data de nosso aniversário, tinha certeza de que não conseguiria sobreviver se ele me deixasse. Mas... um dia o namoro terminou, e hoje não consigo lembrar, por mais que tente, qual era a data em que comemorávamos nosso primeiro “beijo bêbado”. Mas era inverno. Sei disso porque não esqueço o frio da primeira noite em que dormimos juntos. Estávamos namorando fazia um mês, eu tinha um colchão novo mas meu edredom era de solteiro e não conseguia cobrir os dois. Ele dormiu na minha casa porque quis (eu não convidei). Esse era o signo de que estávamos namorando de fato. Foi só depois dessa noite que comprei uma coberta decente nas casas Pernambucanas.
Eu morava de maneira improvisada numa casa de fundos, dividindo o espaço com três amigas para que cada uma tivesse “sua privacidade” (ou seja, um lugar para transar). A casa tinha dois quartos, e como fui a última a chegar na república, sobrou a sala para mim - com chão de lajota, gelado de doer. O inverno foi chegando mas eu tinha meu método todo próprio para a aquisição de bens de cama-mesa-e-banho, que era na verdade minha maneira de construir um ninho. Quando cheguei na casa, dormia em cima de um edredom. Eu sabia que precisava comprar mais coisas, mas o dinheiro era pouco e fiz a seguinte promessa: se o Gabriel (objeto da minha paixão) ficasse comigo, eu comprava um colchão. Comecei a relacionar minhas compras com a evolução do nosso namoro. Se ficasse solteira, eu pensava, preferia usar meu dinheiro com coisas mais importantes, como roupas, cerveja e pizza no bar da esquina. Mas se ele quisesse namorar comigo, então eu podia abrir mão de algumas baladas e comprar um colchão, um travesseiro extra, uma xícara a mais.
O frio este ano me faz lembrar essa história, principalmente quando minhas amigas falam de suas pseudo-terapeutas que só repetem que tudo é sintoma de baixa auto-estima. Também faço terapia e curto o processo, mas essa história de auto-estima me enche a paciência. Ok, eu dormia no chão e só comprei um colchão por causa do Gabriel. Isso significa que eu não gostava de mim mesma? Sinceramente, acho que as coisas não são bem assim."
domingo, 2 de novembro de 2008
Na garagem
Hoje os cachorros estavam lambendo um filhote de passarinho morto. Devia ser recém-nascido; o corpo do tamanho de uma azeitona pequena, sem penas ainda.
Pode ter caído já morto no quintal, mas não acredito. Os cachorros defendem seu terreno. Pobre filhote.
Pode ter caído já morto no quintal, mas não acredito. Os cachorros defendem seu terreno. Pobre filhote.
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