sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Nossas pernas esfriadas

"Queria falar de um rapaz, quanto tempo que nos encontramos e que nos vimos pela última vez, se tanto é que houve última vez, décadas. Era um menino, como eu. A guerra tinha acabado havia pouco. Meu irmão e eu íamos à escola pela primeira vez, eu tinha quase dez anos, até então tínhamos estudado com uma professora em casa. Não lembro se vestíamos o uniforme do Sainte Barbe* - colégio de surrado trocadilho -, nem sei se havia uniforme, mas usávamos um guarda-pó preto que nos cobria até a fronteira das meias altas que saíam dos sapatos com espessas solas de madeira e subiam pelas nossas pernas esfriadas até o joelho."

- - -

* Ao pé da letra: Santa Barba. Em francês coloquial. "Quelle barbe" (que barba) significa "Que maçada".

- - -

(Aquele rapaz, Jean-Claude Bernardet, 1990)

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Anúncio

Comecei um novo blog.

Auto-explicativo.

Feminismo

Troquei uns emails com o sr. Pondé e ele foi muito atencioso na discussão. Então me senti um pouco culpada pela agressividade aqui no blog e queria me explicar mais um pouco.

Pelo que entendi, ele se preocupa com o excesso de ciência e lógica na vida cotidiana e sua interferência na vida familiar e privada. Ele defende o direito ao mistério, por exemplo. Acho isso compreensível, embora suspeite que o "mistério" dele seja diferente do meu. Gosto de coisas misteriosas porque são turvas e infinitas, e não considero nada impenetrável. Acredito que o mistério sobrevive mesmo depois da investigação lógica e científica, e a poesia da ciência é justamente essa. Aparentemente, o sr. Pondé gosta do mistério ANTES da investigação. Estou supondo, a partir de seus textos na Ilustrada.

Mas isso não quer dizer que ele seja "mal intencionado". Às vezes escrevemos coisas a partir de nossas preocupações pessoais, e não percebemos que nossas palavras ofendem outros, com outras preocupações, simplesmente porque nunca pensamos neles.

Explicando melhor: por causas pessoais e familiares, me precupo muito com o que minha tia chama de "empoderamento de gênero". É uma tradução tosca de "gender empowerment", acho. Signfica, na área médica, dar poder às mulheres de decidir sobre o próprio corpo. Um poder tanto legal quanto emotivo, pois hoje mulheres têm direito reconhecido a reclamar de agressões, estupro, violência moral em casa e no trabalho, e mesmo assim não o fazem, porque essa agressão já está embutida em nossos sentimentos.

Provavelmente o sr. Pondé, preocupado com sua privacidade pessoal, escreveu o que bem quis SEM PERCEBER que estava sendo muito cruel em relação à questão feminina.

Sem perceber em termos, porque várias vezes ele se declarou CONTRA o feminismo. Novemente, apenas irritado com a superfície do feminismo que atinge a ele, sem perceber que essas arestas são apenas detalhes de uma proposta legítima. Agressões sociais à mulher são fato, não ideologia.

- - -

Por aqui, acho melhor encerrar esse assunto. Está ficando pesado e não quero gastar minha paz espiritual com isso.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Ainda sobre educação sexual

Quanto à postagem anterior, queria responder ao comentário da Tata com mais detalhes:

- - -

Acho que ela tem razão sobre os grupos religiosos, desde que sejam escolhas privadas dos grupos ou famílias. Fica perigoso quando esses grupos formam lobbies e tentam influenciar TODO o sistema educacional público.

Acho que o Pondé se referia a isso, na questão da educação sexual. Ele teme algum lobby com a intenção de propor educação sexual a todo o sistema educacional americano.

Vejo a seguinte diferença: informações sobre o sistema reprodutivo são fatos biológicos, não escolhas pessoais. Não dá pra negar que isso existe. E não adianta apenas dizer numa aula de biologia: o corpo funciona assim. Também é necessário explicar sobre todos os métodos de planejamento familiar e prevenção de doenças. Porque mesmo os religiosos adeptos da virgindade antes do casamento estão sujeitos a isso.

Então, ao se colocar CONTRA a educação sexual, sugerindo que ela ensina a gemer e chamando os professores de maníacos, o sr. Pondé não faz distinção do que seja uma boa aula e uma aula ruim. Coloca todos no mesmo saco, no “bando” de maníacos. É isso que me assusta.

Por exemplo, usando o paralelo que ele faz com o ensino de religião. Um grupo pode escolher a crença que quiser e ensiná-la a seus filhos (que podem acreditar ou não). Mas se essa crença assume caráter segregacionista, ferindo direitos humanos básicos – por exemplo, recuperando a idéia intolerável de que negros ou judeus ou índios são geneticamente inferiores aos brancos, posso me colocar CONTRA isso. Eventualmente, se me sentir prejudicada, posso solicitar alguma ação legal. Porque a religião, nesse caso, está interferindo em questões que estão acima do seu alcance.

- - -

Me desculpem os religiosos, mas alguns detalhes de biologia são incontornáveis. Eu consigo imaginar um ou dois indivíduos que, pessoalmente, escolham a castidade. Mas não acredito que numa família religiosa todos escolham a castidade por opção. Aceitam pela opressão dos pais, ou mentem, o que é pior. Fazem o que "não devem" sem se proteger - porque proteger significa aceitar a idéia, o que não existe na mentira.

- - -

O que acho ridículo, nisso tudo, é me ver escrevendo uma justificativa tão antiga, como se estivéssemos na década de 50.

Realmente acredito que meu pai tem razão, e colocaram esse infeliz para falar essas besteiras simplesmente para chamar atenção, e fazer uma média com o "público Veja".

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Educação sexual

Hoje enviei um e-mail educado à Ilustrada, ainda sobre o sr. Pondé. O texto de hoje é inacreditável. De onde desenterraram esse cara?

Dêem uma olhada:

"Como ninguém faz uma daquelas campanhas diárias de repúdio à educação sexual nas escolas? (...) Como não ver que a educação sexual nas escolas é ridícula? Ensina-se o quê? Posições? Gemidos? Aparelhos engraçadinhos? Que tal se meninos e meninas aprendessem a colocar camisinha com a boca?

Neste caso (nos EUA), a intenção da professora seria não fazer distinção de "gênero"? Daríamos Barbies aos meninos para desenvolver neles o "gênero feminino"? Espadas para as meninas? E, se você "gosta" de plantas, tudo bem, porque tudo é natural? Qual teste se faria para checar o conhecimento da professora? Que tal um "prático"? (FSP, 26/01/09)

- - -

Essa foi minha carta:


"À equipe da Ilustrada,

Gostaria de pedir que vocês sugerissem um pouco de moderação, ou ao menos de pesquisa, ao articulista Luiz Felipe Pondé. Sou assinante da Folha e já tentei ignorar os textos que ele escreve, mas compreendam que o jornal chega na minha casa todo dia, e títulos como "Terrorismo sexual" são impossíveis de ignorar.

Não sou pedagoga e nada entendo de educação sexual. Se o sr. Pondé é contra, está em seu direito e pode escrever sobre isso. Mas por que não apresenta um exemplo concreto, um caso específico que possa relatar e criticar, para que o leitor acompanhe sua argumentação com algum embasamento?

Da maneira histérica que escreve, temos a sensação de que ele vive em outro mundo, um mundo maníaco e perverso do qual nunca ouvi falar. Quem são esses "pedagogos maníacos por sexo"? Quem é esse "bando da educação sexual"? De quem este homem está falando, afinal?

Que eu me lembre, as aulas de educação sexual no colégio eram burocráticas e desanimadas, simplesmente informações básicas sobre o sistema reprodutivo. Será que exíste alguma escola no Brasil que coloque "maníacos por sexo" junto a crianças? As escolas particulares normalmente atendem à moralidade média dos pais, que pagam as mensalidades. Duvido que os pais deixariam no emprego algum professor "maníaco por sexo".

Finalmente, gostaria de discordar do sr. Pondé num ponto específico, quando diz que "sexo nos seres humanos é erotismo". Infelizmente não é verdade. Sexo também tem consequências reais, reprodutivas. Adolescentes engravidam prematuramente, muitas vezes por não saber como se prevenir - ou saber, mas pensar que não é importante. Se a escola dá noções básicas de cidadania, ecologia, política, artes e etc, por que não falar um pouco da vida sexual? Qual é o grande problema?"

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Horacio Quiroga: cita con la fatalidad



- - -

http://www.clarin.com/suplementos/cultura/2007/02/24/u-01369071.htm

Móveis de Quiroga

Na cidade de San Ignacio, na Argentina, visitamos a casa de pedra construída por Horacio Quiroga. Foi uma surpresa. Estávamos lá para visitar as ruínas dos jesuítas quando vi a placa indicando: "casa de Quiroga".

Eu sabia que ele tinha morado numa espécie de fazenda, experiência intelectual de voltar à natureza que acabou em sofrimento. Pelo menos é o que aparece nos contos. Mas não sabia onde ficava tal fazenda.

Fotografei os móveis.

Neste site há um conto dele: http://www.releituras.com/hquiroga_menu.asp

- - -

Horacio Quiroga (1878 – 1937), nasceu em Salto, no Uruguai. Sua vida foi marcada por acontecimentos trágicos — a morte violenta do pai, o suicídio do padrasto, o falecimento de dois de seus irmãos, o suicídio da primeira esposa e seu próprio suicídio, com cianureto, ao saber que sofria de um câncer gástrico incurável. Seus três filhos se suicidaram. Conviveu em Paris com Rúben Darío, foi professor de castelhano em Buenos Aires – Argentina, trabalhou como fotógrafo em uma expedição à ruínas jesuíticas de Misiones, onde morou.

- - -







- - -

Nas "Imagens" do Google só aparecem fotos posadas e bem comportadas.

Eu deveria ter fotografado as fotos expostas na casa... magro de assustar, barba longa, machado na mão, olhar fixo.


- - -

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Nem amena nem ausente

Comecei a ler Tradiciones del hogar, de Teresa Lamas.

O nome completo da autora era Teresa Lamas Carísimo de Rodrigues Alcalá. Tantos sobrenomes vêm do costume da família, orgulhosa de sua origem genealógica. Conforme me explicaram, Assunção foi fundada pelos primeiros espanhóis que chegaram no território argentino no século XVI (ou XVII?). Foram quatro navios, atacados e destruídos pelos índios. Os sobreviventes fugiram e alguns, subindo o rio da Prata, acabaram onde hoje está Assunção. Os guaranis ali não eram agressivos. Deixaram os espanhóis fundarem seu povoado.

- - -

Parece que houve uma guerra civil, em 1922-23, contra a capital (os asuncenos). Teresa Lamas foi escolhida entre as mulheres para ser mediadora do conflito. Fez um longo discurso para os rebeldes, pedindo que deixassem as armas: "Compatriotas: nos dirigimos a vosotros en nombre de las damas asuncenas, haciendo una suprema apelación a vuestros sentimientos paraguayos".

Na guerra do Chaco, disputa de território com a Bolívia entre 1932-1935, ela mandou quatro filhos para o combate, costurou para os soldados e trabalhou na Cruz Vermelha, atendendo feridos.

Depois, mais tarde, foi designada presidenta da Ação Católica do Paraguay, "cargo que desempeñará durante largos años, recorrerá regularmente las parroquias de la Arquidiócesis, para fundar nuevos centros y dictar conferencias".

- - -

Em algum momento D. Manuel Gálvez, escritor argentino, escreveu um livro sobre a guerra do Paraguai, Humaitá, dizendo que "por causa del concubinato de Solano López con la Lynch [irlandesa, sua companheira], era casi una ofensa en Paraguay casarse y el gobierno miraba con simpatía los amantes".

Teresa Lamas publica um longo artigo para resgatar "la dignidad ultrajada de la sociedad paraguaya": acusa Gálvez de denegrir propositadamente a honra dos paraguaios, por inveja da bravura de seus soldados, mostrando maldosamente "un estado social despreciable, hasta en su clase representativa más selecta". Afirma que, a despeito do que diz o argentino, "aquella sociedad... no desmerecía un ápice de ninguna otra del Río de la Plata, por la limpieza de sus linajes y el noble decoro de sus costumbres".

- - -

Bem, essa foi a primeira mulher a publicar um livro no Paraguai, "la primera narradora digna de este título, aparecida en el país, desde los tiempos de la problemática Marcelina Almeida y la amena pero ausente Ercilia López de Blomberg".

Orgulho da genealogia, defesa do território, militância católica. Que medo.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Casca queimada

Resolvemos descansar hoje, ficar no hotel, ler e olhar emails. Alguma excitação no balcão do hotel para descobrir se o wireless do laptop funcionaria. Em teoria o computador veio com o sistema embutido, mas eu nunca tinha usado. Bem: funcionou.

De todo modo, sento aqui no saguão vazio do hotel. O cabrito aparece atrás do meu ombro no momento em que estou vendo os comentários do blog. Tenho meus pudores mas mostro os textos sobre a barata no restaurante e o paraguai. Ele ri e tal, só reclama "desse personagem ele", de quem roubo as piadas.

Somos casados em separação de bens MAS comunhão de piadas. Qualquer bobagem que ele diga me pertence meio a meio.

- - -

Ah, relendo o texto da barata percebi que o "gosto de casquinha queimada" pode deixar a impressão de que mordi mesmo a casca da barata. Mas não, deus me livre. Era uma receita de beringela queimada, como babaganuche. Minha teoria é que uma barata pousou sobre a salada pronta, e como era escuro ninguém percebeu. Colocaram na geladeira, a barata morreu, e na hora de servir misturaram com o resto.

Então, em teoria, a barata apenas ENCOSTOU na beringela. Acredito muito nessa teoria para minha sobrevivência emocional.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Dias paraguaios

Chegamos ontem em Assunción. Na estrada me impressionou a paisagem verde, àrvores, nao esperava isso mesmo tento lido no guia.

O ùnico guia que encontramos falando do Paraguai - guia criativo do viajante independente na amèrica do sul. O nome parece piada - guia do mochileiro das galàxias.

Depois de duzentos quilometros tive alguma taquicardia , sensacao estranha de me afastar da civilizacao.

Na estrada, entre fazendas, paramos numa churrascaria e tive medo de pedir mais comida; haveria pouco? Meu regime baseado em proteina e salada faria sentido nesse lugar? Preciso ir numa livraria ou viro a personagem no Cèu que nos Protege, menos bonita que a Debra Winger.

- - -

Os livros seriam importantes no Paraguai?

Sò escrevo isso para nao esconder o òbvio. Arrogancia urbana, quem diria, eu que me acredito tao libertaria e multiculturalista e etc.

Libertaria a ponto de ESCOLHER passar as fèrias no Paraguai.

Mas nao tanto a ponto de SUPORTAR isso.

- - -

Cheguei no hotel e tomei duas cervejas, liguei a tv e tentei lembrar da civilizacao. Nao que a entrada da cidade fosse pior que a chegada no Rio ou em SP. Pelo contrario, era atè mais bonita.

Mas o corpo fìsico tem suas reacoes proprias.

Aos quinze anos tive algo parecido depois de viajar pelo norte do Paranà.

Saudades do asfalto.

- - -

Mas Assunciòn è incrivelmente arborizada e calma. Encontramos uma livraria na praca, comprei um livro de cartas de um escritor paraguaio das dècadas de 30 e 40, tambèm outro da primeira mulher a publicar no pais, em 1921.

E o cafè expresso aqui nessa lan house è melhor que de vàrios restaurantes em sp.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Breves linhas de férias

Reciclo o lixo durante a viagem mas adoro ar condicionado.

Queria beber toda noite mas precisamos acordar cedo para caminhar. Estamos gordos e depois das dez é muito quente.

Amanhã entramos no Paraguai.

Por que isso me assusta?

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Regime é lapa

Estávamos quase em Cascavel, vinte minutos para o meio dia. Ele quis almoçar, achei cedo mas tudo bem, tanto faz. Ele anda dizendo que precisa emagrecer então falou em comida japonesa. Em Cascavel? Difícil, em Mendoza ficamos cinquenta minutos num taxi atrás do único restaurante japonês da cidade, na praça de alimentação de um shopping, mas o sushi era feito com atum enlatado e salmão defumado.

Ligou para seu amigo em São Paulo, a mulher nasceu em Cascavel, deve saber. Demoraram para atender, enquanto isso paramos num hotel, desci e perguntei. A recepcionista indicou, feliz, tinha sim um restaurante japonês. No shopping, sempre. Anotou seu nome num cartão e pediu para avisarmos que ela indicou. Mas voltando ao carro o amigo tinha atendido, o cunhado gostava de um lugar na avendia Tancredo Neves.

Fizemos o retorno - estátua de um polegar no canteiro central - contornamos um monumento medonho e encontramos a avenida. Longa, longa, nada japonês. Oficina mecânica do Zecão - não poderia ser, restaurante japonês do Zecão? Loja de móveis Schumann. Schumann comida japonesa? A avenida acaba e nada - apenas uma churrascaria na última quadra à direita.

Parecia vistosa e paramos. Pedi uma tônica diet mas um velho na outra mesa nos interrompeu, mandando no garçom como se fosse seu mordomo particular. Família grande, a mulher usava um lenço preto na cabeça. O garçom voltou para anotar o pedido e seguimos para o balcão de saladas - regime é foda.

Minha mãe não come berinjela em restaurantes. Não confia que as cozinheiras tirem os bigatos. Eu acho bobagem, bicho de goiaba é goiaba, mas olho enquanto como, se aparecer um bigato eu tiro.

Estávamos na mesa, tônica diet, contra filé ao ponto, os libaneses na outra mesa. Falávamos bobagem - eu devia parar de dizer caralho quando fico brava? Consiguiria dizer apucarana? Apucarana! Haveria uma cidade paranaense para substituir foda? Lapa. Namorada fala palavrão e o homem acha bonito, mas depois de casar reclama. Casar é lapa.

Ainda bem que olho antes de encher o garfo. Comi uma fatia fina de picanha suína, grão de bico sem tempero, puxei um alho frito que decorava a berinjela, quando fui pegar a própria berinjela - gostosa, gostinho de casca queimada - vejo perninhas encolhidas, bem comportada mesmo, pobre barata que morreu ali e alguém misturou na salada escura.

Levanto rápido e grito - o que foi? - meu coração dispara, tem uma barata no meu prato, ele olha, o garçom recolhe rápido, penso em voltar ao normal mas ainda não dá - vamos sair daqui, eu digo. A filha do libanês olha pra mim - tem mechas ruivas no cabelo. Pede uma água com açúcar, ela diz. Melhor a tônica - respondo - é de lata.

Saimos pela recepção, bebo um gole da tônica e cuspo num impulso. Depois penso, melhor bochecar um pouco, tem um resto de comida na minha gengiva. Encho a boca e cuspo no chafariz da entrada, pegamos o carro e vamos embora.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Medo

Depois de postar o texto abaixo, resolvi procurar algo sobre a mulher, Maria Helena Dutra. O primeiro link que apareceu falava da morte dela. Tem uma foto também; cara fechada, medo.

Trabalhando no feriado

Passei todo o feriado de Natal e Ano Novo escrevendo um trabalho para a disciplina do doutorado; entreguei hoje cedo. Já coloquei uns trechos de artigos acadêmicos aqui (sempre pedindo desculpas pela linguagem desinteressante), então segue mais um tantinho sobre O grito:

- - -

O grito estreou em 27 de outubro de 1975, depois do término de Gabriela. Nenhuma novela encontraria terreno fácil depois dessa adaptação, “um dos maiores sucessos da TV Globo... escolhida pela APCA como melhor produção de 1975”. A escolha do texto de Jorge Andrade, nesse momento, parece a crônica de uma morte anunciada. Depois da sensualidade tropical de Sônia Braga, quem se interessaria pela Marta de Glória Menezes, ex-freira, viúva, morando num apartamento pequeno em frente ao Minhocão, mãe de um menino excepcional que grita desesperadamente durante a noite?

De todo modo, Marta sequer aparece no primeiro capítulo. Ela, o filho e o grito são figuras quase metafóricas na trama da novela, que concentra seus personagens num único edifício em São Paulo, o edifício Paraíso, em frente ao elevado Costa e Silva. Os moradores têm seus problemas particulares e dois problemas em comum: o grito insuportável do menino, que não deixa ninguém dormir, e um interceptador que foi roubado da companhia telefônica - alguém está ouvindo as conversas dos outros apartamentos. A hierarquia social é sugerida nos andares: na cobertura fica a família do proprietário original, um “industrial” que mandou construir o prédio no terreno herdado pela esposa, de família tradicional paulista. Entre os moradores há intelectuais, fazendeiros amargurados, secretárias, jovens solteiros, o zelador e sua filha universitária, empregadas domésticas. Há também um criminoso desconhecido. Do outro lado da rua, escondido num apartamento, um delegado vigia o prédio obsessivamente, fotografando os moradores com uma teleobjetiva.

Jorge Andrade tentou costurar suas observações sobre a metrópole num clima policial, mas a tentativa não convenceu. Assim começa a crítica de Maria Helena Dutra na revista Veja, em 12 de novembro de 1975:

“O Edifício Paraíso é quase uma academia filosófica. Apesar de estar localizado no centro da cidade de São Paulo... não é atingido por problemas práticos, mas serve de cenário para discussões teóricas sobre as angústias do ser humano e as neuroses das cidades grandes. De maneira uniforme, seus cinquenta moradores meditam diariamente sobre a vida, e extraem de qualquer tropeção fortuito profundas lições a respeito do estado geral do universo...”

Segundo a crítica, a culpa desse “grito absurdo” seria do autor, que recheia os personagens de “preocupações metafísicas” para esconder sua “impossibilidade... de dar vida própria aos tipos que considera comuns”. Ela volta ao tema no Jornal do Brasil, em maio de 1976 (quando a novela termina), num texto de acidez impensável no jornalismo morno dos dias de hoje. Seu objetivo é esclarecer o público, para que este “não fique confuso, pensando que alto nível tem que significar necessariamente chatice”. Reclama dos tipos “assoados por problemas psíquicos quase intelectuais e amplamente individuais”, “zumbis preocupados com seus umbigos”, discutindo “uma pobre filosofia, digna de qualquer Almanaque Capivarol”. O grande crime, segundo ela, é a opção pela “discussão de idéias, em lugar da ação”.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Algo assim como Paris

Uma mensagem de ano novo, de nosso pau-pra-toda-obra Caetano Veloso:

Diamante verdadeiro

Nesse universo todo de brilhos e bolhas
Muitos beijinhos, muitas rolhas
Disparadas dos pescoços das Chandon
Não cabe um terço do meu berço de menino
Você se chama grã-fino
E eu afino
Tanto quanto desafino do seu tom
Pois francamente, meu amor
Meu ambiente é o que se instaura de repente
Onde quer que eu chegue só por eu chegar
Como pessoa soberana nesse mundo
Eu vou fundo na existência
E para nossa convivência você também tem que saber se inventar
Pois todo toque do que você faz e diz
Só faz fazer de Nova Iorque algo assim como Paris
Enquanto eu invento e desinvento moda
Minha roupa, minha roda
Brinco entre o que deve e o que não deve ser
E pulo sobre as bolhas da champagne que você bebe
E bailo pelo alto da sua montanha de neve
Eu sou primeiro, eu sou mais leve, eu sou mais eu
Do mesmo modo como é verdadeiro
O diamante que você me deu