Um trecho do artigo que preciso terminar até segunda-feira para o doutorado:
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A palestra da escritora americana Flannery O’Connor, transcrita no livro "Mistery and Manners", foi recomendado pelo prof. Jean-Claude Bernardet no segundo ano de graduação e assumiu de forma simbólica minhas preocupações essenciais:
“Uma história é uma ação dramática completa - e em boas histórias, os personagens se mostram pela ação e a ação é controlada pelos personagens, e o resultado disso é o significado, que provém de toda a experiência apresentada. (...)
Eu mesma prefiro dizer que uma história é um evento dramático que envolve uma pessoa porque ela é uma pessoa, e uma pessoa em particular - isto é, porque ela partilha da condição humana geral, e de uma condição humana específica. (...)
Agora: este é um lugar bem humilde pra se começar, e a maioria das pessoas que acham que querem escrever histórias não querem começar daí. Elas querem escrever sobre problemas, não pessoas; ou sobre questões abstratas, não situações concretas. (...)
Nada disso significa que ao escrever uma história você tenha que esquecer ou desistir das posições morais que tiver. Suas crenças serão a luz através da qual você vê - mas elas não serão aquilo que você vê, nem serão substituto de ver. Para o escritor de ficção, tudo tem seu ponto-chave no olho, e o olho é um órgão que envolve toda a personalidade, e todo o mundo que couber nele. (...)
A ficção opera através dos sentidos, e eu acho que uma das razões de pensarem que escrever histórias é difícil, é por esquecerem quanto tempo e paciência são necessários pra convencer pelos sentidos. O leitor que não vivenciar realmente, que não puder sentir a história, não vai acreditar em nada que o escritor simplesmente disser a ele. A primeira e mais óbvia característica da ficção é que ela lida com a realidade através do que pode ser visto, ouvido, cheirado, saboreado ou tocado.”
Somando às idéias de O’Connor algumas outras, será mais fácil esclarecer minha abordagem: se a ficção opera pela reconstrução do tempo e do espaço; se as questões abstratas, na ficção, estão vinculadas à instância antropomórfica a que chamamos personagem; se o narrador também é um personagem e o interesse da boa ficção está nos conflitos e contradições, por que isso seria incompatível com a pesquisa acadêmica? Talvez exista alguma honestidade em assumir que o pesquisador é um narrador e ele mesmo um personagem. Que seu objeto de estudo demanda a reconstituição do tempo, do espaço e dos persoangens envolvidos, e que nisso está incluída sua própria situação de pesquisador. E que as questões abstratas só fazem sentido quando vinculadas a esse quadro narrativo.
2 comentários:
Esta é a mesma entrevista que vc me mandou no início do ano? Nunca mais fui a mesma. rs.
Beijos.
é muito bom ler essas coisas... dá vontade de escrever mais e melhor...
beijim
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