terça-feira, 27 de outubro de 2015

Eles merecem castigo - 1

"Além dos textos no blog, Olivia também fazia vídeos vestida e maquiada como Caroline Cólera. Base clara no rosto, delineador escuro, lentes de contato azul, batom vermelho e uma peruca de cabelos negros, repicados e cheios. Ela procurou na internet instruções de maquiagem para suas maçãs do rosto parecerem mais altas. Treinou sua voz para soar um pouco mais grave e rouca. Visitou brechós e sites até encontrar uma malha justa e negra com bolinhas brancas, de decote cavado, e costurou uma gola branca para ficar igual ao figurino da personagem.

Seu canal começou com uma série chamada "Eles merecem castigo". Foram dez vídeos em que ela contou em capítulos um desentendimento que teve com sua melhor amiga, depois que começou a namorar. No início de cada vídeo, como introdução, ela narrava alguma notícia estranha de punição a adolescentes, que encontrava na internet. Olivia não era uma garota violenta. No dia a dia, era tímida e estudiosa.

"Eles merecem castigo - 1", por Caroline Cólera, em 17 de agosto de 2009


"No dia 13 de março, na cidade de Boynton Beach, na Flórida, o pai de um garoto chamado Michael Thomas obrigou ele a ficar três horas em pé, na esquina da avenida principal da cidade, segurando um cartaz que dizia: 'Eu sou o idiota da escola. Estou na sétima série e reprovei em quatro matérias'.

A notícia saiu no jornal e na televisão. A mãe de uma garota em outra cidade da Flórida achou a ideia legal, e fez a filha dela ficar na calçada segurando um outro cartaz, que dizia: 'Fui expulsa da escola pela segunda vez.'

Eu também acho essa ideia muito legal. Eu acho que eu mesma vou ficar parada numa esquina segurando um cartaz. Eu vou escrever: 'Minha melhor amiga é uma invejosa e traidora'. Na verdade, eu acho que eu vou ficar bem na frente da casa dela. Ou melhor: eu vou ficar na frente da escola de inglês dela, bem na hora em que ela estiver saindo, pra todos os amigos dela verem.

Talvez eu escreva o nome dela bem grande no cartaz.

Talvez eu faça um folheto, explicando em detalhes tudo o que ela fez comigo, pra distribuir pra todos os amigos dela que estiverem saindo daquela escola de inglês.

Eu não vou dizer agora o que ela fez comigo. Ela sabe muito bem o que ela fez.

Na verdade é uma história comprida, e não adianta contar de uma vez só. Eu não quero dizer que eu estou certa e pronto, eu quero explicar todos os detalhes, porque são os detalhes que mostram, os fatos são fatos. Isso não é uma questão de opinião. A inveja é uma coisa muito concreta. Às vezes a gente demora pra perceber, mas depois dá pra ver direitinho quem tá sacaneando contigo."

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Caroline Cólera

"Na casa da rua Perdigão havia um jardim de inverno desde 1997, ano em que morreu Rafaela, filha de Inês e mãe da pequena Olivia, de quatro anos de idade. Inês tinha quarenta e sete anos e Rafaela, aos vinte e dois, afogou-se enquanto surfava com amigos em Maresias. O mar estava agitado, ela tombou numa onda de um metro, a praia estava sem salva-vidas. Um amigo viu e correu para resgatá-la, mas a ambulância demorou demais e ela não sobreviveu. O pai de Olivia era australiano e seguia sua vida em algum lugar do mundo. Depois do afogamento, Inês assumiu a neta e fez o possível para criá-la sem a sombra dessa tragédia. Doou as roupas da filha e esvaziou a edícula no fundo de sua casa na Granja Viana, onde Rafaela e Olivia moravam (pois quando engravidou, aos dezoito anos, Rafaela ainda estava no primeiro ano da faculdade). Sem mudar de escolinha, com mínimas alterações em sua rotina, Olívia voltou para a casa principal, e Inês transformou a edícula num jardim de inverno.

A casa tinha 248 m2 de área construída e valia 850 mil reais no início de 2010, quando Inês decidiu vendê-la e mudar-se para um apartamento na zona oeste de São Paulo. Olivia começaria em fevereiro a faculdade na Avenida Paulista e Inês pensou que as duas seriam mais felizes morando na cidade, num bairro agradável, perto do metrô. Olivia iria para a aula e Inês ao cinema e exposições. As duas começariam uma vida nova, mais leve, mais móvel e mais urbana. Inês sentiu-se aliviada de poder finalmente deixar para trás a vida afastada e silenciosa na natureza, que idealizara quando Rafaela era pequena, e que trouxera tantas dificuldades e tristezas.

Em janeiro, depois do ano novo, Inês e Olivia passaram alguns dias numa praia perto de Florianópolis. Depois voltaram para a Granja Viana, Inês começou os contatos com imobiliárias para vender o imóvel e comprar o novo apartamento. Olivia ficava em seu quarto aguardando o início das aulas, assistindo seriados de TV, lendo quadrinhos e escrevendo em seu blog. No último ano do colégio, ela havia rompido com seu namorado e sua melhor amiga. Ela não queria mais se apegar a ninguém na Granja e esperava ansiosa conhecer os novos colegas na faculdade de Comunicação. Embora, nessa fase de sua vida, andasse resistente e desdenhosa com os jovens de sua idade. Suas melhores relações eram virtuais, três garotas de outras cidades que escreviam e comentavam seus textos no blog e também odiavam a sociedade e as pessoas comuns.

Olivia escrevia com pseudônimo para que sua avó e colegas da escola não a identificassem. Usava o nome Caroline Cólera, uma personagem de quadrinhos adultos franceses da década de 1970, escrita por Danie Dubos e ilustrada por George Pichard. Ela se identificava com os corpos sinuosos desenhados por Pichard e acreditava que as imagens justificavam seu próprio corpo, que não era magro como ambicionavam para si mesmas as garotas da escola. Olivia escolheu o nome de Caroline porque lhe soava melhor em português, mas suas personagens preferidas de Pichard eram Blanche Épiphanie, que tentava defender sua virtude num mundo de vilões sádicos, e Paulette, que herdou uma fortuna, tornou-se comunista e foi raptada por sujos capitalistas. Olívia também seria herdeira (do patrimônio de sua avó) e, enquanto esse tempo não chegava, tentava defender sua virtude espiritual, ignorando a culpa que talvez devesse sentir quando à noite se masturbava deitada em sua cama, no escuro, visualizando de olhos fechados as cenas de tortura sexual e imaginando-se no papel do velho sádico dos quadrinhos."

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Entrevista para Rádio Gazeta Universitária


Entrevista para o programa "Tudo em família", da Rádio Gazeta Universitária, realizada pelo meu aluno Matheus Schunemann.

Na entrevista falo sobre meus livros, vida privada, vida de professora e a profissão de roteirista.

http://www.gazetaam.com/tudo-em-familia-16/