terça-feira, 28 de junho de 2011

Tolstói por Gorki

Estou lendo um lindo livro (perdoem a aliteração). Três russos e Como me tornei um escritor, de Máximo Gorki. O volume reúne três perfis de escritores, e mais uma palestra que começa assim: "Camaradas! Em todas as cidades onde tive a oportunidade de conversar com vocês, muitos me perguntaram pessoalmente ou por bilhetinhos: como me tornei escritor".

A palestra parece atraente pelo título, mas não me empolgou. Tem um bê-a-bá meio chatinho sobre técnicas e funções do escritor.

Já os perfis de Tchékhov e Tolstói são lindos. Especialmente este último. Como ele explica no início, são anotações fragmentárias que escreveu quando morava em Oleiz, povoado da Criméia, perto de uma estação terapêutica onde Tolstói se tratava: "Achava perdidas essas anotações, escritas com descuido em pedacinhos de papel."

Em passagens curtas e numeradas, Gorki descreve conversas com o outro, mestre e celebridade literária a que recorrem jovens escritores. Tolstói é às vezes messiânico, outras mundano; agressivo com uns, tolerante demais com outros.

Há várias agressões de Tolstói ao próprio Gorki. Curioso como este relata as críticas e suas reações.

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XXXIII

Li para ele cenas da peça Albergue noturno. Ele ouviu atentamente e depois perguntou:

- Para que você escreve isso?

- Expliquei como pude.

- Em suas obras notam-se ataques de um galo de briga. E outra: você sempre quer cobrir todas as ranhuras e rachaduras com sua tinta. Lembre-se do que disse Andersen: "A douradura gastar-se-á e o couro de porco permanecerá"; mas os nossos mujiques dizem: "Tudo passará, só a verdade permancecerá". É melhor não cobrir, porque mais tarde é você quem vai se dar mal. Além disso, a linguagem é ágil demais, com truques, isso não é o certo. É preciso escrever de forma mais simples, o povo fala de maneira simples, até parece não ter nexo, mas fala bem. O mujique não perguntaria: "Por que um terço é maior do que um quarto, se quatro é sempre maior do que três?", como pergunta uma moça estudada. Não precisa de truques.

Ele falava com descontentamento, pois, pelo visto, não havia gostado nada do que li. Depois de um silêncio, disse, sem olhar para mim, em tom sombrio:

- Seu velho é antipático, não se acredita na bondade dele. O ator... é bom. Conhece Os frutos da civilização? Lá, meu cozinheiro se parece com seu ator. É difícil escrever peças. E sua prostituta ficou bem, deve haver desse tipo. Viu algumas assim?

- Vi.

- Sim, percebe-se. A verdade sempre se deixa reconhecer onde quer que esteja. Você fala muito à sua própria maneira, por isso não há personagens típicas e todas têm a mesma cara. Você, provavelmente, não compreende as mulheres, elas não saem bem, nenhuma. Não ficam na memória.

Entrou a mulher de A.L. (Andrei Lvóvitch, filho de Tolstói) e convidou-nos a tomar chá; ele se levantou e saiu muito depressa, como se tivesse ficado feliz em encerrar a conversa.

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(Ed. Martins Fontes, 2006. Tradução Klara Gourianova, revisão Graziela Schneider)

sábado, 18 de junho de 2011

Francis Bacon: vida de artista



Financiamento.
O pinto Francis Bacon (1909-1992) poderia ter sido diretor de cinema. O russo Eisenstein era referência. O desejo foi tolhido pelo modo de financiamento da criação cinematográfica. Desperdiçaria muita energia para levantar as condições materiais exigidas. Ao final da vida, comenta: "Já é preciso lutar tanto com o que se quer fazer, então buscar dinheiro, batalhar por ele..." - deixa a frase em suspenso. Na Irlanda, nada obrigava o pai a ajudar os filhos financeiramente. Jovem, Bacon viaja a Londres, a Berlim e de volta a Londres. Aceita diferentes bicos. Foi decorardor. Detesta a pintura que tende à decoração. "Quando se é jovem, tenho a impressão de que sempre se podem encontrar pessoas que se interessam por você e pelo que faz." Nos anos 1920, Bacon conhece um senhor que mora em Chelsea com a mulher e dois filhos. Um dia, ele procura o pintor. Interessa-se por sua pintura. A partir daquela data e por quinze anos, o senhor o ajuda financeiramente, sem nunca falhar. Tem confiança no artista, acompanha seu desenvolvimento. Jamais intervém. Ele é quem doa o tríptico da Crucificação (c. 1944) para a Tate Gallery. O museu londrino o recusa. Tem de insistir para que seja a primeira peça de Bacon a ser aceita. Marchands não sustentam o pintor no início da carreira.

(...)

Fonte. Entre outubro de 1991 e abril de 1992, Francis Bacon concede entrevistas a Michel Archimbaud (Gallimard, 1996). O artista morre logo depois, no dia 28 de abril.

(Silviano Santiago, OESP, 11 jun. 2011)

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Pondé na Dinamarca

No dicionário Houaiss, há algumas explicações sobre a palavra orgulho.

1 - Sentimento de prazer, de grande satisfação sobre algo que é visto como alto, honrável, creditável de valor e honra; dignidade pessoal, altivez

2 -
Atitude moral ou psíquica que afasta o indivíduo de práticas desonestas ou desonrosas

3 -
Atitude prepotente ou de desprezo com relação aos outros; vaidade, insolência

É comum, nos debates ideológicos, que as pessoas sintam uma mistura de 2 e 3 pelo seu contrário. Por exemplo, se acho que o sr. Pondé demonstra uma misoginia antiquada, e considero isso uma "prática desonesta ou desonrosa", assumo "atitude de desprezo" em relação a ele.

(pensando bem, a misoginia do sr. Pondé não é desonesta; pelo contrário, é bastante clara)

Às vezes sou levada por esse tipo de orgulho, mas nem tanto. Para a versão adulta da criança educada como atéia desde muito pequena (eu) - com conhecimentos superficiais da filosofia ligada ao cristianismo - confesso que vejo muita verdade em certo pensamento cristão. Embora seja constrangedor admiti-lo, pois minha formação escolar associava o cristianismo à igreja católica e sua violenta história de poder, e as práticas políticas atuais demostram que o nome de Jesus Cristo é quase sempre usado pra justificar posições opressivas, egoístas e conservadoras.

Sr. Pondé hoje, na Folha de São Paulo:

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LUIZ FELIPE PONDÉ

Meu irmão Kierkegaard


Somos um nada que ama. Tanto a angústia como o amor são "virtudes práticas" que demandam coragem

QUANDO VOCÊ estiver lendo esta coluna, estarei em Copenhague, Dinamarca, terra do filósofo Soren Kierkegaard (1813-1855), pai do existencialismo. Ao falarmos em existencialismo, pensamos em gente como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, tomando vinho em Paris, dizendo que a vida não tem sentido, fumando cigarros Gitanes.

O ancestral é Pascal, francês do século 17, para quem a alma vive numa luta entre o "ennui" (angústia, tédio) e o "divertissement" (divertimento, distração, este, um termo kierkegaardiano).
O filósofo dinamarquês afirma que nós somos "feitos de angústia" devido ao nada que nos constitui e à liberdade infinita que nos assusta.

A ideia é que a existência precede a essência, ou seja, tudo o que constitui nossa vida em termos de significado (a essência) é precedido pelo fato que existimos sem nenhum sentido a priori.
Como as pedras, existimos apenas. A diferença é que vivemos essa falta de sentido como "condenação à liberdade", justamente por sabermos que somos um nada que fala. A liberdade está enraizada tanto na indiferença da pedra, que nos banha a todos, quanto no infinito do nosso espírito diante de um Deus que não precisa de nós.

O filósofo alemão Kant (século 18) se encantava com o fato da existência de duas leis. A primeira, da mecânica newtoniana, por manter os corpos celestes em ordem no universo, e a segunda, a lei moral (para Kant, a moral é passível de ser justificada pela razão), por manter a ordem entre os seres humanos.

Eu, que sou uma alma mais sombria e mais cética, me encanto mais com outras duas "leis": o nada que nos constitui (na tradição do filósofo dinamarquês) e o amor de que somos capazes.
Somos um nada que ama.

A filosofia da existência é uma educação pela angústia. Uma vez que paramos de mentir sobre nosso vazio e encontramos nossa "verdade", ainda que dolorosa, nos abrimos para uma existência autêntica.

Deste "solo da existência" (o nada), tal como afirma o dinamarquês em seu livro "A Repetição", é possível brotar o verdadeiro amor, algo diferente da mera banalidade.

É conhecida sua teoria dos três estágios como modos de enfrentamento desta experiência do nada. O primeiro, o estético, é quando fugimos do nada buscando sensações de prazer. Fracassamos. O segundo, o ético, quando fugimos nos alienando na certeza de uma vida "correta" (pura hipocrisia). Fracassamos. O terceiro, o religioso, quando "saltamos na fé", sem garantias de salvação. Mas existe também o "abismo do amor".

Sua filosofia do amor é menos conhecida do que sua filosofia da angústia e do desespero, mas nem por isso é menos contundente.

Seu livro "As Obras do Amor, Algumas Considerações Cristãs em Forma de Discursos" (ed. Vozes), traduzido pelo querido colega Álvaro Valls, maior especialista no filósofo dinamarquês no Brasil, é um dos livros mais belos que conheço.

A ideia que abre o livro é que o amor "só se conhece pelos frutos". Vê-se assim o caráter misterioso do amor, seguido de sua "visibilidade" apenas prática.
Angústia e amor são "virtudes práticas" que demandam coragem.

Kierkegaard desconfia profundamente das pessoas que são dadas à felicidade fácil porque, para ele, toda forma de autoconhecimento começa com um profundo entristecimento consigo mesmo.
Numa tradição que reúne Freud, Nietzsche e Dostoiévski (e que se afasta da banalidade contemporânea que busca a felicidade como "lei da alma"), o dinamarquês acredita que o amor pela vida deita raízes na dor e na tristeza, afetos que marcam o encontro consigo mesmo.
Deixo com você, caro leitor, uma de suas pérolas:

"Não, o amor sabe tanto quanto qualquer um, ciente de tudo aquilo que a desconfiança sabe, mas sem ser desconfiado; ele sabe tudo o que a experiência sabe, mas ele sabe ao mesmo tempo que o que chamamos de experiência é propriamente aquela mistura de desconfiança e amor... Apenas os espíritos muito confusos e com pouca experiência acham que podem julgar outra pessoa graças ao saber."

(FPS, 13 jun. 2011)

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Mas não resisto a comentar: sr. Pondé vai para a Dinamarca. Bem poderia ficar por lá.

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Ou também: sr. Pondé vai para a Dinamarca. Como dizia Shakespeare, sobre esse reino...

domingo, 12 de junho de 2011

Juventude transviada em Curitiba

Já comentei sobre o texto de Flexões Lésbicas no meu Blog do B. Reforço a indicação, pois adoro esse texto engraçado, ao mesmo tempo simples e surpreendente, cheio de comentários marginais e efeitos gráficos.

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Drama Lésbico Episódio 01: Nunca falei com ela

Muitas, muitas, muitas lésbicas/até-então-heteros/bissexuais/ladyfuckers desde o post “Estou apaixonada por uma mulher, e agora?” aparecem no Flexões pedindo conselhos para seus relacionamentos.

Acontece que as histórias sempre se repetem over and over and over e, apesar da minha extreeeema boa-vontade em tentar resolver todos os dramas lésbicos do universo (já que minha vida amorosa anda parada de dramas), eu não agüento mais me repetir over and over and over (e eu não quis criar respostas padrões para dar control c control v).

Não que eu seja lááá um grandes exemplo de lésbica bem sucedida amorosamente para ficar ditando planos infalíveis para você ir para cama dar uns pegas se envolver amorosamente com uma mulher. Se eu soubesse uma frase mágica para pegar mulheres vocês acham que eu teria um blog?





Entretando como se diz por aí “quem não sabe, ensina”, vou tentar fazer alguns post sobre os principais dramas vividos pelas lésbicas (algo me diz que eu nunca vou chegar no fim da série). Por favor, tentem encaixar as situações e os conselhos do post na sua história.

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O texto continua aqui. No blog original, recomendo as fotos com legendas engraçadas, que não consegui copiar aqui.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Marido sincero

Um amigo mostrou essa música no Facebook. Linda e terrível. Abaixo, uma tradução aproximada da letra.

O título Tu t'laisses aller é repetido três vezes, com sentidos diferentes. Literalmente, a expressão significa "deixar ir". Em português seria "deixar levar". Mas, conforme o contexto, traduzi por "descuidar" e "soltar". Perde o efeito de refrão, infelizmente.




É engraçado olhar pra você
você está lá, você espera, você faz aquela cara
e eu tenho vontade de rir
é o àlcool que sobe à minha cabeça
todo o álcool que bebi esta noite
para ter coragem
de confessar que me cansei
de você e das suas fofocas
e de teu corpo que me deixa consciente
e que me tira toda esperança

Eu já me enchi, é melhor que eu te diga
você me irrita, você me tiraniza
eu suporto tua personalidade horrível
sem ousar dizer que você exagera
sim, você exagera, você o sabe agora
às vezes eu queria te estrangular
deus, como você mudou em cinco anos
você se descuida, você se descuida

Ah, é bonito de te olhar
teus (?) caindo sobre teus sapatos
e teu velho penhoar mal fechado
e teus bobes, que visual
eu me pergunto todo dia
como você conseguiu me agradar
como eu pude te cortejar
e te entregar minha vida inteira
assim você parece tua mãe
que não tem nada que inspire amor

Em frente aos meus amigos, que catástrofe
você me contradiz, você me ironiza
com teu veneno e teu rancor
você derrubaria uma montanha
ah, eu tirei o grande prêmio
no dia em que te encontrei
se você ficasse quieta, seria ótimo
mas não... você se solta, você se solta

Você é uma besta e um tirano
você não tem coração nem alma
e mesmo assim eu penso frequentemente
que apesar de tudo você é minha mulher
se você quisesse fazer um esforço
você poderia recuperar seu lugar
fazer um pouco de esporte para emagrecer
te arrumar na frente do espelho
colocar um sorriso no rosto
maquiar teu coração e teu corpo

Em vez de pensar que eu te detesto
e de me fugir como da peste
tente se mostrar gentil
volte a ser minha garota
que me deu tanta alegria
e às vezes como no passado
e eu adoraria que apesar de tudo isso
você se deixasse levar


Tu t'laisses aller

C'est drôl' c'que t'es drôle à r'garder
T'es là, t'attends, tu fais la tête
Et moi j'ai envie d'rigoler
C'est l'alcool qui monte en ma tête
Tout l'alcool que j'ai pris ce soir
Afin d'y puiser le courage
De t'avouer que j'en ai marr'
De toi et de tes commérages
De ton corps qui me laisse sage
Et qui m'enlève tout espoir

J'en ai assez faut bien qu'j'te l'dise
Tu m'exaspèr's, tu m'tyrannises
Je subis ton sal'caractèr'
Sans oser dir' que t'exagèr's
Oui t'exagèr's, tu l'sais maint'nant
Parfois je voudrais t'étrangler
Dieu que t'as changé en cinq ans
Tu l'laisses aller, Tu l'laisses aller

Ah ! tu es belle à regarder
Tes bas tombant sur tes chaussures
Et ton vieux peignoir mal fermé
Et tes bigoudis quelle allure
Je me demande chaque jour
Comment as-tu fait pour me plaire
Comment ai-j' pu te faire la cour
Et t'aliéner ma vie entière
Comm' ça tu ressembles à ta mère
Qu'a rien pour inspirer l'amour

D'vant mes amis quell' catastroph'
Tu m'contredis, tu m'apostrophes
Avec ton venin et ta hargne
Tu ferais battre des montagnes
Ah ! j'ai décroché le gros lot
Le jour où je t'ai rencontrée
Si tu t'taisais, ce s'rait trop beau
Tu l'laisses aller, Tu l'laisses aller

Tu es un'brute et un tyran
Tu n'as pas de cœur et pas d'âme
Pourtant je pense bien souvent
Que malgré tout tu es ma femme
Si tu voulais faire un effort
Tout pourrait reprendre sa place
Pour maigrir fais un peu de sport
arranges-toi devant ta glace
Accroche un sourire à ta face
Maquille ton cœur et ton corps

Au lieu d'penser que j'te déteste
Et de me fuir comme la peste
Essaie de te montrer gentille
Redeviens la petite fille
Qui m'a donné tant de bonheur
Et parfois comm' par le passé
J'aim'rais que tout contre mon cœur
Tu l'laisses aller, Tu l'laisses aller