terça-feira, 12 de março de 2013

"Se um dia", penso

Passagens do diário de Melissa, adaptando trechos antigos deste blog:


"Em novembro de 2001, Só conseguia escrever títulos. Tive muita dificuldade para lidar com a melancolia e a tristeza e o sentimento de abandono e os intervalos de euforia. No começo de 2002 fui a um psiquiatra pela primeira vez. Em agosto desse ano, tomei os primeiros comprimidos. Esse foram os títulos que escrevi em 2001:

- Os loucos são loucos, as mulheres são sempre servis
- Carreirista, filha da puta, e doce, e sincera
- Cuidadosamente evitando o suicídio
- Destruindo os bens da família
- Um queijo no lugar do coração"

"Minha avó faleceu hoje. Não era minha avó preferida (quando eu era pequena). Estava sempre trabalhando e não mimava as crianças. Há algum tempo entendi que mimar nem sempre é o mais importante. A mãe da minha mãe nos mimava muito e isso não ajudou. A avó paterna, agora falecida, provavelmente teria sido uma mãe melhor para nós duas. Entre as poucas coisas que dizia, lembro que repetisse muito: "Mentsh trakht un Got lakht". Somente crescida pedi para meu pai traduzir. O home planeja e deus ri."

"Lendo o estranho romance modernista sobre a Segunda Guerra, do amigo de Cesare Pavese. Os diálogos cheios de repetições são bastante enigmáticos para mim. As idéias repetidas insistentemente e a certeza se dilui enquanto os personagens tentam confirmar. Num encontro, Ene 2 e Lorena se conhecem apenas pelos codinomes, na resistência italiana:

- Eu não quero possuí-la.
- E quem lhe pede para me possuir?
- O que farei para possuí-la, Lorena?
- Não me possua.
- O que lhe daria, Lorena? O que poderia lhe dar?
- Não me possua se não tem vontade de me possuir.
- Não tenho nada para lhe dar, Lorena.
- Por que diz essas coisas? Não diria essas coisas se fosse você.
- Que coisa diria, Lorena?
- Não diria nada. Possuiria você e nada mais.
- Ficaria contente se possuísse você e nada mais, Lorena?
- Ficaria contente.

Um pouco perdida na leitura desse romance estranho, fiquei surpresa ao descobrir a posição em que ele coloca o complemento "ele disse". Muitas vezes ele interrompe as frases quando não há pausa vocal.

- "Mas eu", disse Berta, "não tenho casa".
- "Aquilo pelo qual", o velho disse, "morreram".
- "Posso lhe perguntar", disse-lhe o velho, "por que chora?".
- "Digo que não sabemos", disse o motorista, "o que vamos encontrar".

Reação minha:
- "Se um dia eu", penso, "pudesse escrever assim."