sexta-feira, 29 de maio de 2009

Never uncharitable

Durante muitos anos, na adolescência e juventude, eu vivia sempre com minha pequena angústia, a sensação de que queria profundamente "escrever", mas a vida real me atrapalhava - escola, emprego, vontade de namorar, todas as coisas que eu precisava ou queria imediatamente fazer e ocupavam meu tempo.

Foi talvez minha identificação mais pessoal com o narrador de Proust, no primeiro volume da Busca. A incapacidade de escolher entre a vida mundana e o desejo de escrever.

Há quatro ou cinco anos percebi que meu mito original, baseado em alguns escritores - trabalhar pouco, ganhar pouco, se acostumar à pobreza e ter tempo livre para escrever - era bobagem.

Que eu queria e gostava de ter mais dinheiro, viajar, namorar e esquecer que eu "precisava" escrever. A vida mundana, defendida por médicos e psicólogos costantemente argumentando que o sacrifício pela arte é um mito sofrido e desnecessário.

Tenho vontade de reler o texto de Lillian Hellman sobre Dashiell Hammett e - maravilhas da internet - descubro que foi seu necrológio, aparentemente clássico, pois consta na íntegra no site da The New York Review of Books.

Olhar esse texto me emociona. De todo modo, impaciente, não consegui reencontrar a frase que mais me marcou - ela descrevendo as leituras de Hammett enquanto ele deixava de escrever, algo como "eu gostaria de dizer que essas leituras e aprendizagem deram a ele mais energia para escrever, mas isso não foi verdade".

De todo modo, encontrei o trecho sobre os livros:

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"Hammett, like many Southerners, had a deep feeling for isolated places where there were animals, birds, bugs, and sounds. He was easy in the woods, a fine shot, and later when I bought a farm, he would spend the autumn days in the woods, coming back with birds or rabbits, and then, when the shooting season was over, would spend many winter days sitting on a stool in the woods watching squirrels or beavers or deer, or ice fishing in the lake. (He was, as are most sportsmen, obsessively neat with instruments, and obsessively messy with rooms.) The interests of the day would go into the nights when he would read Bees, Their Vision and Language or German Gun Makers of the 18th Century or something on how to tie knots, or inland birds, and then leave such a book for another book on whatever he had decided to learn. It would be impossible now for me to remember all that he wanted to learn, but I remember a long year of study on the retina of the eye; how to play chess in your head; the Icelandic sagas; the history of the snapping turtle; Hegel; would a hearing aid—he bought a very good one—help in detecting bird sounds; then from Hegel, of course, to Marx and Engels straight through; to the shore life of the Atlantic; and finally and for the rest of his life to mathematics. He was more interested in mathematics than in any other subject except baseball where, listening to television or the radio, he would mutter about the plays and the players to me who scarcely knew the difference between a ball and a bat. Often I would ask him to stop it and then he would shake his head and say, "All I ever wanted was a docile woman and look what I got," and we would talk about docility, how little for a man to want, and he would claim that only vain or neurotic men needed to have "types" in women — all other men took what they could get.

The hit-and-miss reading, the picking up of any book, made for a remarkable mind, neat, accurate, respectful of fact. He took a strong and lasting dislike to a man who insisted mackerel were related to herring, and once left my living room while a famous writer talked without much knowledge of existentialism, refusing to come down to dinner with the writer because he said, "He's the greatest waste of time since the parchesi board. Liars are bores." A neighbor once rang up to ask him how to stop a leak in a swimming pool, and he knew; my farmer's son asked him how to make a trap for snapping turtles, and he knew; born a Maryland Catholic (but long away from the church) he knew more about Judaism than I did, and more about New Orleans music; food, and architecture than my father who had grown up there. Once, I wanted to know about early glass making for windows and was headed for the encyclopedia, but Hammett told me before I got there; he knew the varieties of seaweed, for a month studied the cross pollination of corn, and for many, many months tried plasma physics. It was more than reading, it was a man at work. Any book would do, or almost any — he was narrowly impatient when I read letters or criticism and would refer to them as my "carrying" books, good only for balancing yourself as you climbed the stairs to bed. It was always strange to me that he liked books so much and had so little interest in the men who wrote them. (There were, of course, exceptions: he liked Faulkner and we had fine drinking nights together during Faulkner's New York visits in the Thirties) Or it is more accurate to say that he had a good time with writers when they talked about books, and would leave them when they didn't. But then he was deeply moved by painting—he himself tried to paint until the summer when he could no longer stand at an easel and the last walk we ever took was down the block to the Metropolitan Museum—and music, but I never remember his liking a painter or a musician although I do remember his saying that he thought most of them peacocks. He was never uncharitable toward simple people, he was often too impatient with famous people."

terça-feira, 26 de maio de 2009

Sófacles

Estou com gripe, sem energia para escrever. Revirando meus arquivos, encontrei as crônicas que escrevi para a revista TPM entre 2005 e 2006. Algumas eram talvez enrolação. Mas há trechos que ainda me interessam:

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"Meu sonho de adolescente era morar num hotel. Um lugar pequeno, claro e neutro. Me parecia que os lençóis de hotel eram sempre feitos de algodão pesado e macio. Eu precisaria apenas de uma máquina de escrever, ficaria tranqüila em meu quarto trabalhando, as refeições seriam servidas sempre no mesmo horário, e uma camareira faria a pouca limpeza necessária. Nos apartamentos em que morei quando solteira, nunca coloquei um enfeite, uma toalhinha bordada, nada que acumulasse pó: somente comprava os objetos necessários, fazendo um esforço mínimo para que combinassem e não chamassem a atenção.

Depois que casei, meu ideal de simplicidade doméstica foi virado de cabeça pra baixo. As paredes ficaram lotadas de quadros, sobre a estante há uma coleção de bondes em miniatura, um avião de brinquedo e uma Branca de Neve sem braços no jardim. Meu marido adora ficar em casa e seu ideal de conforto tem prioridades claras: a primeira coisa que comprou foi um sofá. Não foi uma compra simples: visitou pelo menos seis lojas, sentava em todos os sofás disponíveis, um conforto mediano não era suficiente para ele. Queria o sofá ideal. Quando encontrou o que queria, me levou até a loja para que eu experimentasse também. Sentamos juntos, sentimos o encosto, a densidade das almofadas, a maciez do tecido. Logo que chegou em casa, o sofá ganhou até nome: é o Sófacles. Isso porque somos intelectuais e gostamos de teatro."

(Junho, 2006)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Propor novos fazeres

Algumas semanas atrás, ao comentar o artigo sobre as Van Dykes na New Yorker, falei um pouco de passagem a uma amiga:

- O movimento gay nos EUA é muito diferente daqui.

Que respondeu:

- Pra começar ele existe.

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Pesquisando um pouco, tenho a sensação de que a nova geração anda muito melhor do que se esperava.

Não tive paciência para ler todo o texto, de todo modo achei interessante este manifesto no site Parada Lésbica:

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  1. criticar a pornografia hegemônica como lugar de reprodução de violências, especialmente contra mulheres;
  2. criticar a pornografia hegemônica pela separação que faz entre protagonistas do desejo (”homens”) y objetos do desejo (”mulheres”), ao mesmo tempo em que define um tipo muito estreito de desejo;
  3. propor novos fazeres pornográficos, em que a violência contra mulheres não esteja misturada às esferas de produção y execução pornográfica;
  4. pensar pornografias que dêem conta dos desejos das mulheres: quem somos? que corpos temos? como gozamos? com quem gozamos? o que nos dá tesão? que tipo de representação podemos fazer a partir dessas descobertas etc
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Ok, panfletos são panfletos. Quem checar os links eróticos do site vai entender com mais clareza.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Aplauso imensurável

Um dos livros indicados pelo prof. Sérgio de Carvalho é Histórias do sr. Keuner (Ed. 34, tradução Paulo César de Souza).

É uma coletânea de pequenos textos que Brecht escreveu ao longo da vida, breves parábolas às vezes políticas, às vezes sociais, um tanto enigmáticas.

Segue um exemplo:

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Sócrates

Depois de ler um livro de história da filosofia, o sr. K. se manifestou depreciativamente sobre as tentativas dos filósofos de caracterizar as coisas como basicamente incognoscíveis. "Quando os sofistas afirmaram saber muito, sem ter estudado", disse ele, "surgiu o sofista Sócrates com a afirmação arrogante de que sabia que nada sabia. Seria de esperar que ele acrescentasse: pois eu também não estudei nada. (Para saber algo, temos que estudar.) Mas ele parece que não continuou a falar, ou talvez o aplauso imensurável que irrompeu com a sua primeira frase, e que durou dois mil anos, tenha engolido qualquer frase seguinte."

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Embaixo do olmeiro fresco

Ando tão corrida que nem comentei sobre o curso intelectualmente engajado que estou fazendo na pós... "Aspectos da dialética no teatro de Bertolt Brecht".

Pareceria ressurgido das cinzas dos anos 60 se não fossem os "aspectos". Hoje em dia, nas universidades, ninguém se arrisca a saber algo sobre alguma coisa. Falamos apenas de aspectos.

De todo modo, o professor é ótimo e as peças do Brecht são encantadoras. Ainda aproveito pra ler um pouco mais sobre Marx, tema que me interessa mas nunca estudei direito.

Segue um trecho romântico do Círculo de giz caucasiano, traduzido por Manuel Bandeira (Ed. Cosac & Naify):

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GRUCHA
Simão Chachava, esperarei por ti.
Vai tranquilo para a batalha, soldado,
Para a sangrenta batalha, a amarga batalha,
Da qual nem todos voltam:
Quando voltares, estarei aqui.
Te esperarei embaixo do olmeiro verde,
Te esperarei embaixo do olmeiro fresco,
Te esperarei até que o último tenha voltado
E mais ainda.
Quando voltares da batalha
Não verás nenhuma bota à soleira de minha porta,
O travesseiro ao lado do meu estará vazio,
E minha boca não terá sido beijada.
Quando voltares, quando voltares,
Poderás dizer: tudo está como dantes.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Sean Dreilinger

Ontem tive um pequeno e íntimo insight.

Insights normalmente significam muito para quem os tem, e pouco para quem ouve. Justamente pelo que são: instantes em que se percebe, numa iluminação repentina, um significado conectando muitas preocupações - variadas, recorrentes, semelhantes porém ainda isoladas.

Uma obsessão antiga: cenas do cotidiano doméstico.

Outra: jovens mães com filhos pequenos.

Outra: casas de campo frequentada por intelectuais (como mencionei há alguns dias).

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Eu estava procurando na internet fotos de mulheres morenas de cabelo cacheado (como já comentei), quando encontrei no Flickr as fotos da família de Sean Dreilinger.

Sua esposa, Rachel, não é exatamente parecida comigo, mas em alguns ângulos havia semelhança.

De repente um álbum capturou meu olhar - "Kathy & Mikaela visiting" - numa sensação de encantamento e nostalgia fortíssimos.

Passaram dias e eu não conseguia esquecer as fotos.

Voltando ao álbum, examinando novamente, tentando entender quem era aquela família razoavelmente comum, em que o pai trabalha com informática ou algo assim, com um único talento aparente para mim - tirar fotos bonitas de sua família - num instante tudo se relacionou.

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A obsessão não é um desejo.

São imagens gravada num canto fundo da memória; imagens apartadas de suas informações factuais e biográficas. Toda lembrança se foi - restaram símbolos e a sensação de que algo era importante.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Há Marlos

O Ricardo me enviou outras tiradas do Emilio de Menezes, colhidas na Wikipedia:

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Um dia, apertado para aliviar a bexiga, Emilio correu até um terreno baldio. Muito gordo, estava a desafogar-se quando um pirralho grita: "Ih, eu vi seu negócio!". Satisfeito, Emílio tirou do bolso uma cédula de alguns réis, dando-lhe:

- Tome, você merece! Há muitos anos não o vejo...

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Em tempos de estudante, Emílio divagava na aula de um certo Professor Saboya. Demanda-lhe o mestre:

- Senhor Emílio, defina a Sabedoria!
- A sabedoria, mestre, é algo que tem efetivamente muito peso... se colocada n'água, ela afunda.
- E a ignorância, então?
- A ignorância? Ora, essa bóia!

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E por fim, uma pérola do próprio Ricardo:

"Dia desses, conheci um rapaz no restaurante de minha irmã, chamado Marlos. Disse que era raro o nome, que só conhecia um outro, o diretor de teatro Marlos Nobre. Mas que, pelo que dizem, é um sujeito difícil.

O meu recém conhecido, acompanhado de uma garota bem bonita, retrucou "Mas eu sou boa gente".

Eu respondi: "Há Marlos que é fácil amar-los".

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Abalei-a

Na aula de ontem, um dos alunos - Ricardo Grynszpan - lembrou duas frases maravilhosas de Emilio de Menezes, boêmio carioca, amigo de Olavo Bilac, uma espécie de modelo para Oswald na juventude.

Na biografia escrita por Maria Augusta Fonseca, consta o seguinte:

"Em 1910, como jornalista, Oswald conhece o Rio de Janeiro. A partir de então as viagens tornam-se constantes, e já em 1911 frequenta o grupo boêmio do poeta Emílio de Menezes que, publicamente, põe em rebuliço as rodas intelectuais e políticas da capital da República com seus ataques ferinos a pessoas e instituições. A roda de boêmios tem João do Rio, Olégário Mariano (com quem mais tarde Oswald entra em atrito), Olavo Bilac e Elói Pontes. Atraído pelas blagues e a mordacidade de Emílio de Menezes, Oswald logo ingressa na corte de admiradores do poeta. A princípio entusiasmado, Oswald mudará seu juízo crítico sobre a tuação de Menezes ao cabo de alguns anos (...).

Mas há quem associe certa gratuidade ferina das brincadeiras de Oswald e sua despreocupação boêmia ao espírito irmão dos dois poetas, como faz Sérgio Milliet, que define Emílio de Menezes como "esse Osvaldo de outras eras".

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Bem, eis as situação contadas pelo Ricardo:

1) Havia uma baleia encalhada numa praia do Rio. Toda a gente se reúne, olha, discute o que fazer, etc. Emílio cutuca a baleia com sua bengala e diz: "Abalei-a".

2) Era costume, naquela época, que os bares oferecessem selos pra substituir as moedas de troco (como hoje fazem com balas). Num dia, a moça da caixa pergunta se Emílio aceita os selos, e ele recusa. A moço o acusa de ser antipático, ao que ele responde: "Não sou nem quero sê-lo."

quinta-feira, 7 de maio de 2009

One-liner joke

Hoje preparei uma aula sobre comédia, e resolvi checar a Wikipedia. É um jeito prático de recomendar leitura aos alunos (sem que eles precisem comprar e - supremo horror - LER livros inteiros).

Estes são os tópicos cuja leitura me parece mais útil:

- Sketch story

- Sketch comedy

- Improvisational theatre

- Stand-up comedy

- Punch Line

- One-liner joke

- Vaudeville

- Punch and Judy

- Commedia dell'arte

- Shaggy dog story

- The Aristocrats (joke)


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One-liner joke é um de meus gêneros favoritos. Fica aqui (talvez até me repetindo) uma preferidas de meu avô:

"A mulher do seu Machado ficou inchada e foi-se."

segunda-feira, 4 de maio de 2009

My Louisiana Sky

Vale a pena visitar o site de Kimberly Willis Holt. Não li nenhum de seus livros, mas o site é lindo e oferece dicas simpáticas a jovens escritores.

sábado, 2 de maio de 2009

Sonho americano

Passei alguns dias procurando uma foto de alguém real, que pudesse ser eu mas não fosse, para uma experiência secreta que estou desenvolvendo.

Na busca encontrei um blog que tocou minhas fantasias domésticas mais escusas. Casas americanas, com amplos gramados, habitadas por intelectuais que gostam do lar e da natureza e sabem fazer geléia.

Sei que não é propriamente revolucionário, e raramente confesso tal fetiche.

A autora, que desconheço, deve provavelmente escrever livros infantis. Num tópico em fevereiro, chamado "The virtues of writing in bed", ela dizia:



The last couple of weeks I've spent a lot of time in bed. My daytime companions join me there--my ink pen, yellow pad, laptop, manuscript, editorial letter and Bronte.

I blame it on the heating blanket. This house is cold in the winter. There is a man who lives here who insists the thermometer stay at a brisk temperature. He claims he is doing his part--being green and saving energy. He doesn't fool me. His environmental responsibilities are connected to his wallet.

So what's a writer to do, but to huddle down under the covers and turn the heating blanket control up to Hi. Regardless how I got there, I've decided writing in bed has a few virtues.