segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Nos metrôs de Paris

OBS: Ainda falta revisar este texto.

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Hoje, lendo a crônica do sr. Pondé na Ilustrada, me ocorreu uma hipótese que talvez explique sua filosofia rasteira e "provocativa".

O marido de uma amiga, que estudou na FAAP (para quem não é de São Paulo: trata-se de uma das faculdade particulares mais caras daqui), contava que o sr. Pondé, antes de escrever para o jornal, era um professor famoso por "mudar a cabeça" dos alunos.

Aquele professor-evento, com idéias radicais, interpretações surpreendentes que "marcam" os alunos, mostrando um "outro lado", um "segredo" interpretativo que eles nunca haviam imaginado, em suas vidas normais, com pais normais e expectativas normais.

Na Cásper Líbero, onde trabalho, havia um professor assim alguns anos atrás, que criava problemas com a secretaria porque se recusava a preencher diários de classe. Entre os alunos ele era um ídolo, um "mito". Um dia, por curiosidade, entrei numa comunidade do orkut em que os alunos colecionvam suas máximas. Uma garota lembrava de tal professor contando que passara alguns anos em Paris, vivendo do dinheiro que ganhava tocando algum instrumento musical numa estação de metrô.

Bem... qualquer professor conhece esse tipo de colega: o sujeito que seduz os alunos contando "segredos" ou o "lado proibido", normalmente clichés baratos superficialmente libertários, que só impressionam almas inocentes aos 17 anos.

Muitas vezes o professor "rebelde" e "libertário" na sala de aula é esnobe entre os colegas - que despreza por serem "burocráticos". Tal esnobismo é talvez o único consolo a este libertário frustrado que assina ponto e recebe por hora-aula assim como seus colegas, porém considera tal vida medíocre diante das aspirações grandiosas que tinha mas nunca alcançou.

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Bem, minha teoria é que o sr. Pondé escreve na Folha como se falasse a seus alunos de 17 anos na FAAP.

Mas nem todos os leitores da Folha são adolescentes de 17 anos que pagam R$ 2.000,00 para ouvir "grandes verdades". A maioria é provavelmente como eu: adultos de classe média que pagam R$ 150,00 pela assinatura do jornal, e se contentam com notícias comuns, que não precisam ser excessivamente verdadeiras ou revolucionárias.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O que lhe restava de vida

Outra passagem estranha da autobiografia de Dias Gomes: quando Janete Clair ficou doente, ele decidiu não contar a ela nem aos filhos a gravidade do câncer. Ela seguiu o tratamento como se fosse possível a cura, embora os médicos tivessem poucas expectativas.

Ele escreve:

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"Às vezes eu me questionava, seria justo manter em cena aquela farsa absurda? Por que não lhe dizer toda a verdade, pelo menos para que pudesse planificar o que lhe restava de vida. Por que deixar que alimentasse sonhos, projetos que não iria poder realizar? (...) Mulher inteligente, bem-informada, impossível que acreditasse em mim, por mais convincente que eu fosse. Mas queria acreditar, era fundamental para ela acreditar. Sempre sobrepusera a fantasia à realidade. (...) E assim poderia viver vários anos. Se decidisse acordá-la para a realidade - estava convencido disso e estou até hoje - eu a perderia em pouco tempo."

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Quando finalmente ele conta aos filhos, eles assim reagem:

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"Alfredo apenas chorava. Guilherme, sempre introspectivo, recolhia seus sentimentos, não pronunciava uma palavra. Mas Denise não se conformava, por mais que eu explicasse as razões que me haviam levado a ocultar-lhes a verdade.

(...)

- Você deveia ter dividido conosco. Você foi egoísta, pai.
- Egoísta? Por não ter dividido meu sofrimento?
- Você quis a dor só para si e nos isolou, a mim e a meus irmãos. Não tinha o direito de fazer isso. E agora que vou fazer com esse meu sentimento de culpa?
- Que culpa, filha?
- Culpa de não ter dado mais carinho a ela nestes últimos meses."

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Dias Gomes

Semana passada, no caderno Equilíbrio da Folha, a psicanalista Marion Minerbo mencionava o livro de Guy Debord - A socieade do espetáculo, num artigo sobre a exposição de adolescentes na internet.

Alguns parágrafos chamaram minha atenção:

"Na sociedade do espetáculo, aparecer é ter valor: "quem aparece é bom, e quem é bom, aparece". Embora a gente saiba que não é bem assim: há pessoas talentosas, competentes e generosas que não aparecem.

A equação aparecer = ser bom acaba tendo efeitos sobre o que sentimos que é bom e desejável, sobre o que nos torna felizes ou infelizes e sobre nossos valores.

Por isso, a necessidade de aparecer tem menos a ver com vaidade do que com o sentimento de existir aos olhos dos outros, de ser, ter valor e poder." (FSP, 14 set. 2010)

Ela mistura conceitos de psicologia (o adolescente na fase de "experimentar e testar limites") com certo julgamento das atualidades tecnológicas (programas "desenvolvidos para que a indústria da produção e consumo de imagens do Eu possa se expandir"), argumentando que uma questão humana atemporal pode levar a riscos inesperados, por causa da tecnologia e dos hábitos sociais de uma determinada fase histórica.

Há algum tempo me pergunto sobre as raízes emocionais dessa vontade de se "mostrar".

Pelo pouco que conheço de psicologia, uma criança - que é biologicamente dependente do adulto - poderia desenvolver comportamentos para "chamar a atenção", quando sente que não recebe a atenção necessária espontaneamente.

Parece também que certo egocentrismo infantil - a vontade de ter TODA a atenção do adulto - vai sendo gradativamente minado, conforme a criança cresce. Ao crescer, tornando-se biologicamente mais independente, a criança passa a receber menos atenção, e é ensinada a agir com mais "autonomia".No mesmo processo torna-se adulta e traumatizada, porque a independência cresce junto à falta de atenção.

Esse trauma teria maior ou menor grau, conforme a personalidade de cada criança, e o ambiente em que cresceu.

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Sei que toda essa explicação parece primitiva. Mas é curioso notar esse mecanismo na biografia dos autores de telenovela que estou estudando.

Dias Gomes - o mais bem sucedido - tinha claramente um desejo (disfarçado) de "aparecer" e "fazer sucesso".

É muito estranho o que ele escreve em sua autobiografia, sobre o casamento com Bernardeth, depois da morte de Janete Clair:

"Aparentemente, soava impossível dar certo - como apostavam alguns - nossa diferença de idade e de cultura, o maior obstáculo."

Ele descreve a mulher de um modo que incomoda meu senso comum de elegância:

"Seu baixo nível de informação fazia com que me sentisse um novo Pigmalião, desafiado a talhar o mármore bruto, moldá-lo com meus próprios conceitos estéticos e injetar-lhe vida. Foi tarefa gratificante vê-la transformar-se, crescer como ser humano, aproximando-a cada vez mais de mim e da mulher que eu idealizara."

Assim ele conclui:

"Teria, entretanto, falhado, não tivesse ela demonstrado determinação e extraordinária coragem para enfrentear preconceiturosas rejeições. Até mesmo de meus próprios filhos, de início, que me magoaram ao extremo, já que nunca pude conviver com qualquer censura da parte deles."

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Essas passagens desajeitadas me parecem os momentos mais sinceros do livro. Mostram o que ele não planejou - uma personalidade infantil, carente e egoísta diante dos filhos. Segundo ele mesmo, as raízes dessa insegurança estariam na infância - ele era o irmãozinho feio, aquele não que não deveria ter nascido.

E foi um dos fundadores da "sociedade do espetáculo" no Brasil.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Eu cresci, o caminho perdi

Essa música sempre me intrigou. O refrão é um golpe-baixo emocional, certo. Mas só funciona por suas qualidades poéticas: considerando "qualidade" sua pouca elegância, seu caipirismo pobre e violento, o passado inconfessável, de sofrimento e vergonha, que dá saudade por um mecanismo psicológico próximo à Síndrome de Estocolmo.

"Mamãe, mamãe, mamãe
Eu te lembro o chinelo na mão
O avental todo sujo de ovo
Se eu pudesse
Eu queria, outra vez, mamãe
Começar tudo, tudo de novo"

Entre as frases-feitas de um populismo conservador, há também esse verso que não me parece tão óbvio:

"Ela é o tesouro que o pobre
Das mãos do Senhor recebeu"

Coitados dos pobres.

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MAMÃE

Composição: David Nasser e Herivelto Martins
Interpretação: Ângela Maria e Agnaldo Timóteo

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Três queixas masculinas básicas

Depois de minha irritação inicial com o Sr. Pondé, consegui felizmente ignorá-lo, ajudada pela falta de assunto em seus artigos semanais.

O texto de hoje na Ilustrada reedita os ataques habituais às suas vitimas preferidas - feministas, índios e progressistas - e praticamente não precisa de crítica.

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"O detalhe ridículo de hoje se refere a um novo movimento de conscientização que nasce. Vejamos.

O que haveria de errado em mulheres que querem atrair os homens e por isso se fazem bonitas? Macacas atraem macacos, aves fêmeas atraem aves machos. Mas parece haver umas pessoas por aí que acham que legal é ser feia. É, caro leitor, se prepare para a nova onda feminista: mulheres peludas. Para essas neopeludas que não se depilam ter pelos significa ser consciente dos seus direitos.

Quais seriam esses "direitos"? De ser feia? De parecer com homens e disputar o Prestobarba de manhã?"

COMENTÁRIO: Precisa?

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"Contra a "política do ódio ao macho", nossa polemista [Phyllis Schlafly ou Ann Coulter, o artigo é confuso nesse ponto] afirma que a maioria das mulheres, sim, quer, antes de tudo, amor e lar.

Quando elas se lançam na busca do amor e sucesso profissional em "quantidades iguais", mergulham numa escolha infernal (a autora desenvolve a questão nos ensaios seguintes) que marca a desorientação contemporânea. O importante, antes de tudo, é não mentirmos sobre isso e iluminarmos a agonia da vida feminina quando submetida à "política do ódio ao macho".

A vida amorosa nunca foi feliz. E nunca será. Mas a mentira da "emancipação feminina" é não reconhecer que ela criou novas formas de vida para a mulher em troca de novas formas de agonia."

COMENTÁRIO: Entendi: se a emancipação feminina criou novas formas de solidão, então desistamos dela é optemos pelas antigas formas.

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"Diz um amigo meu que, pouco a pouco, as mulheres se tornam obsoletas. Por que não haveria mais razão para investir nelas?

Conversando sobre esses medos com alunos e alunas entre 19 e 21 anos, percebi que muito da "obsolescência da mulher" é consequência de três queixas masculinas básicas: 1. Elas são carreiristas; 2. Não valorizam a maternidade; 3. Não cuidam da vida cotidiana da família. Associando-se a este "tripé", o fato que elas começam a ganhar bem, nem um "jantar" é preciso pagar para levá-las à cama. Resultado: a facilidade no sexo de hoje é a solidão de amanhã."

COMENTÁRIO: Ainda bem que esses alunos/as têm o Sr. Pondé para ensinar garotas de 19 anos a valorizar a maternidade e a vida cotidiana da família!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Toda decisão é um erro

Trecho de um artigo de Arnaldo Bloch para o jornal O Globo:

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"Qual a decisão certa, então?

Este foi o tema central do debate que mediei, em seguida, entre as escritoras Patrícia Melo e Lionel Shriver. (...) Em seu mais recente livro, “O mundo pós-aniversário”, Shriver examina com brilhantismo, numa narrativa de dupla face, a escolha da personagem, Irina, entre a estabilidade de um casamento convencional e a aventura de um amor sem limites. Alternadamente, o livro descreve os dois caminhos possíveis: num, Irina decide abandonar o marido e unir-se a um jogador de sinuca famoso; no outro, resiste à tentação e fica com o marido, um bom homem.

Em ambos os casos, a decisão leva a resultados complexos e novas encruzilhadas. Na vida real, aliás, a autora realmente terminou uma relação estável para se juntar a um baterista. Arrisquei uma analogia entre tacos de sinuca e baquetas que levou a plateia às gargalhadas.

Lionel também gostou. Se tivesse cedido a meus pudores para poupar-me de um vexame, teria sido um erro ou um acerto? Nos livros de Patrícia, por sua vez, os personagens, sempre criminosos cruéis, parecem ser carregados por uma enxurrada, um determinismo implacável, mas, na verdade, sempre vislumbram um outro caminho, até desejável, que terminam por não escolher, residindo aí, e não na solução dos crimes, o maior mistério.

Conta-se (não sei dizer se está em algum dos seus escritos) que um discípulo certa vez perguntou a Platão se deveria se casar, temeroso de perder sua liberdade. Mas teme também que a solidão e a dissipação o levem ao desespero. Platão responde: “Não se preocupe: de qualquer maneira, você vai se arrepender”.

Meu psicanalista, que não é Platão mas tem notável paciência para monólogos, vive dizendo que, uma vez diante de um grande dilema, a questão não é de tomar a decisão certa, e sim de decidir “qual dos erros vou cometer”.

Ainda me pergunto se ele quer dizer que isso é uma impossibilidade universal do acerto, ou se este talento para errar é uma peculiaridade muito minha. Se eu descobrir antes de morrer, minha decisão de fazer análise terá sido um acerto.

Mas, falando sério, se há uma verdade, é essa: mesmo quando uma decisão se revela, a posteriori, acertada, nunca cessarão as especulações noturnas (não confundir com poluções noturnas) sobre como teria sido percorrer o outro caminho, o “errado”. Esta sensação será mais forte à medida que o lado nefasto do tal acerto emergir num fim de tarde qualquer, sob o mais suicidário luscofusco.

Teria o “outro erro” se convertido num acerto ainda maior? Num loop sem fim, então, todos os acertos se converterão em erros, e todos os erros não-cometidos piscarão no fundo do infinito como acertos que desperdiçamos. Não tem jeito: o arrependimento pelo erro que não abraçamos é não só um direito e um dever, mas um fim inexorável.

Ainda que nossa morte seja entupida da mais fina morfina, acolhida pelo mais piedoso e rápido mal súbito ou abençoada pelo sono mais natural, desta dor, a do cotovelo, não escaparemos."

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Nasceram tomates no quintal.

Minha criação de minhocas traz surpresas. Nos restos de legumes que as alimentam, muitas sementes já brotaram: caroço de manga, abóbora japonesa, maracujá.

Jogo os brotos na terra sem atenção. Os cachorros vivem destruindo os canteiros, então prefiro não me afeiçoar às plantas.

Algumas semanas atrás, o pintor que reformava o escritório notou uns pés de tomate. Quando vi, já estavam escavados e meio caídos. O tempo em São Paulo está seco, deixei-os ali para morrer.

Mas, anteontem, notei que um galho tinha quatro tomatinhos. Que bonitinhos.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Antes do beijo gay, um soco-no-armário gay

Este é Rubens de Falco em O grito. Pouco antes de morrer, o ator declarou que foi seu melhor papel na televisão.

Já transcrevi trechos do roteiro aqui no blog. Para relembrar: Agenor era um solteirão que saía à noite escondido, com "roupas extravagantes". Os pais se preocupam, e Agenor vive atormentado. Liga frenquentemente o CVV, tentando aliviar sua solidão.

OBS: O vídeo está fora de sincro, tem uma falha de poucos segundos no meio, mas vale assistir até o final.

OBS 2: A primeira cena é uma conversa entre os pais, explicando o clima tenso da família. A segunda cena é melhor, com Agenor de roupão no quarto.

OBS 3: O vídeo não está listado no You Tube. Só pode ser visto a partir deste link.