Agora que terminei "O afeto", começo a pensar no que fazer em seguida. Até janeiro tenho planos mais ou menos claros:
1 - Esperar a resposta da Heloisa até o início de fevereiro. Dois meses é um prazo razoável para ela ler o livro, espero, ela trabalha demais e tenho dó de insistir muito. Ela ficou de me dizer se vale reapresentar o texto à Cia. das Letras, que já o recusou duas vezes. Como mexi bastante, do ponto de vista técnico, espero que ela diga que sim, vale a pena. Eu sei que o livro desperta a simpatia de muitas pessoas, mas a editora recusou na primeira vez porque tinha metalinguagem, e eles não gostam disso. Tirei a metalinguagem e eles avaliaram que "estava faltando alguma coisa" e que a perversidade no subtexto só podia ser compreendida por quem me conhece e tivesse a intenção programática de ler o subtexto.
As alterações principais que fiz, meio tecnica meio psicanaliticamente, foram as seguintes:
- Inseri uma "moldura". Li essa expressão num texto de Décio de Almeida Prado, acho. Ele chama "peças de moldura" os textos que começam com uma cena qualquer que remete a um flashback, depois ao fim voltam à cena inicial. Nessa moldura aproveitei parágrafos de que gostava, na primeira versão que pecava por "metalinguagem". Não era exatamente, mas ok, disfarcei e agora coloquei na voz da personagem.
- Criei uma segunda trama, além da briga das amigas de 11 anos. Agora também há um mistério, digamos assim. Os pais da narradora estão se separando e ela não sabe. Quando isso se revela, fiz uma cena com imagens fortes para criar um climax (trocadilho péssimo!).
- Aumentei o número de cenas em que a narradora está insatisfeita ou cruel. Havia capítulos longos e melancólicos que quebrei ao meio, mudando a atitude da personagem (em vez de lembrar com saudade da amiga, lembra com impaciência).
- Trouxe várias informações do subtexto para a superfície. Por exemplo:
"Lendo alguns artigos sobre psicologia no jornal, pensando às vezes, percebo a relação entre algumas coisas. Como não reconhecer? Não seria apenas um encontro extraconjugal, uma tarde num hotel, que iria me afetar dessa maneira. Causaria talvez uma pequena angústia. Que poderia ficar maior se o homem falasse de uma filha. E ainda maior se eu a visse, como realmente vi, uma garota que tinha a minha idade quando tudo aconteceu."
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Esse último passo foi talvez o mais difícil, porque envolve uma compreensão do que é "literatura" e do que são "livros". Em teoria, na boa literatura há muita informação no subtexto. Nos meus livros e filmes preferidos não há quase nada na superfície, tudo precisa ser descoberto, por interpretação, abaixo da superfície.
Mas se eu escrevesse assim o público dos meus livros seria numericamente parecido ao numero de fãs dos filmes de Ozu, o que talvez não interesse a editora. E talvez nem a mim, para ser honesta.
Ultimamente tenho pensando muito nisso: no quanto existe de sublimação no desejo de se fazer grande-literatura-que-não-será-entendida-hoje-mas-virará-obra-prima-na-posteridade.
Isso talvez signifique, numa interpretação psicológica rasteira, que a pessoa considere que sua própria vida não pode ser compreendida nem melhorada no presente, e o máximo que ela pode fazer é registrar suas angústias para que talvez alguém no futuro entenda.
Mas isso não é o mesmo que acreditar no mito cristão da vida eterna?
Não é também uma certa preguiça de tentar entender o mundo como é e agir de fato, em vez de se esconder num quarto cheio de livros?
Não é também medo de olhar para os próprios traumas e somente disfarçá-los em subtextos ocultos até para nós mesmos?
Porque honestamente, olhando esses grandes traumas de frente, não sobra quase nada. O mistério se reduz a uma dorzinha pequena como a de todas as outras pessoas; a grande literatura se resume à tristeza comum de uma criança com pais rigorosos que não lhe faziam tantos carinhos como ela queria.
Nem preciso explicar muito, é o começo do livro do Proust. A ânsia pelo beijo da mãe, e o medo da bronca do pai no corredor.
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