Coloquei no meu blog alternativo algumas fotos do filme Como esquecer. Trabalhei no roteiro em 2007. O filme está pronto e será lançado em outubro.
A diretora é Malu de Martino, produtora Elisa Tolomelli, e no elenco estão Ana Paula Arosio, Murilo Rosa, Natália Lage, Arieta Corrêa e Bianca Comparato.
Este é a sinopse:
"Júlia é uma professora de literatura inglesa, 35 anos, que luta para vencer a depressão e reconstruir sua vida depois de viver uma intensa e duradoura relação amorosa com Antônia.
Em meio a uma série de conflitos internos e diante da necessária readaptação para uma nova vida, não disfarça sua dor enquanto narra suas emoções.
Ao longo do filme, ela vai encontrando e se relacionando com outras pessoas que também estão vivendo, cada uma a seu modo, a experiência de ter perdido algo muito importante em suas vidas."
segunda-feira, 31 de maio de 2010
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Fins que eu não havia definido
Encontrei, numa livraria no Rio de Janeiro, o livro Carta a D., de André Gorz.
Assim o descreve Josué Pereira da Silva, professor da Unicamp, no posfácio:
"Carta a D. - História de um amor é o último livro de André Gorz; ele o escreveu para homenagear sua mulher, Dorine, com quem partilhou a vida por quase sessenta anos. É possível que muitos dos leitores terminem a leitura deste livro com um sentimento semelhante ao meu: o suicído de André e Dorine, em 22 de setembro último [2007], evento que chocou a mim e a muitas outras pessoas, foi um puro ato de amor.
Segue um trecho, em que o autor narra suas sensações depois da publicação do primeiro livro:
- - -
"Você sempre me disse que esse livro foi me transformando à medida que eu o escrevia. "Depois de terminá-lo, você não era mais o mesmo." Acho que estava enganada. O que me permitiu mudar não foi escrevê-lo; foi ter produzido um texto publicável e vê-lo publicado. Publicar mudou a minha situação. Conferiu-me um lugar no mundo, conferiu realidade ao que eu pensava, uma realidade que excedia minhas intenções; que me obrigava a me redefinir e a me ultrapassar continuamente para não me tornar o prisioneiro nem da imagem que os outros faziam de mim, nem de um produto que se tornara outro em relação a mim, por sua realidade objetiva. A magia da literatura: ela me dava acesso à existência na medida em que eu tinha me descrito, escrito, na minha recusa, era essa recusa, e, por sua publicação, me impedia de perseverar nessa recusa. Era precisamente o que eu tinha esperado, e que só a publicação permitiria que eu obtivesse: ser obrigado a me engajar além do que minha própria vontade me permitia; e me fazer perguntas, perseguir fins que eu não havia definido sozinho."
Assim o descreve Josué Pereira da Silva, professor da Unicamp, no posfácio:
"Carta a D. - História de um amor é o último livro de André Gorz; ele o escreveu para homenagear sua mulher, Dorine, com quem partilhou a vida por quase sessenta anos. É possível que muitos dos leitores terminem a leitura deste livro com um sentimento semelhante ao meu: o suicído de André e Dorine, em 22 de setembro último [2007], evento que chocou a mim e a muitas outras pessoas, foi um puro ato de amor.
Segue um trecho, em que o autor narra suas sensações depois da publicação do primeiro livro:
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"Você sempre me disse que esse livro foi me transformando à medida que eu o escrevia. "Depois de terminá-lo, você não era mais o mesmo." Acho que estava enganada. O que me permitiu mudar não foi escrevê-lo; foi ter produzido um texto publicável e vê-lo publicado. Publicar mudou a minha situação. Conferiu-me um lugar no mundo, conferiu realidade ao que eu pensava, uma realidade que excedia minhas intenções; que me obrigava a me redefinir e a me ultrapassar continuamente para não me tornar o prisioneiro nem da imagem que os outros faziam de mim, nem de um produto que se tornara outro em relação a mim, por sua realidade objetiva. A magia da literatura: ela me dava acesso à existência na medida em que eu tinha me descrito, escrito, na minha recusa, era essa recusa, e, por sua publicação, me impedia de perseverar nessa recusa. Era precisamente o que eu tinha esperado, e que só a publicação permitiria que eu obtivesse: ser obrigado a me engajar além do que minha própria vontade me permitia; e me fazer perguntas, perseguir fins que eu não havia definido sozinho."
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Saudades do materialismo
Sinto saudades do livro que mal comecei, interrompido desde o ano passado por causa do doutorado.
É grave quando você quer reler algo e nem lembra onde está o arquivo.
Tenho um método que havia esquecido: se trabalho num texto, o arquivo tem nome simples - por exemplo, "persia". Quando faço uma alteração drástica, salvo o novo texto com o nome básico, e renomeio o documento anterior com o ano em que foi interrompido - por exemplo, "persia2009".
Precisei abrir alguns arquivos até lembrar disso.
Alguns anos atrás, quando eram mais fortes minhas fantasias de ser uma grande escritora, eu tinha medo de morrer com todos os meus textos no computador, que ninguém se importaria ou saberia resgatar.
Engraçado, isso passou. Depois de alguma psicanálise, percebi o óbvio: quando você morre, a pior coisa é que você morreu. Os textos no computador não têm a menor importância.
É grave quando você quer reler algo e nem lembra onde está o arquivo.
Tenho um método que havia esquecido: se trabalho num texto, o arquivo tem nome simples - por exemplo, "persia". Quando faço uma alteração drástica, salvo o novo texto com o nome básico, e renomeio o documento anterior com o ano em que foi interrompido - por exemplo, "persia2009".
Precisei abrir alguns arquivos até lembrar disso.
Alguns anos atrás, quando eram mais fortes minhas fantasias de ser uma grande escritora, eu tinha medo de morrer com todos os meus textos no computador, que ninguém se importaria ou saberia resgatar.
Engraçado, isso passou. Depois de alguma psicanálise, percebi o óbvio: quando você morre, a pior coisa é que você morreu. Os textos no computador não têm a menor importância.
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Dezenove motivos
Artur da Távola tentou defender O grito, em abril de 1976, na revista Amiga TV. O texto está disponível num ótimo banco de dados da Puc-Rio, chamado TV-Pesquisa.
Távola não era exatamente um erudito sistemático, mas seu texto espontâneo tem algum sabor. Talvez Ney Latorraca se refira a ele, quando diz que essa novela é "queridinha dos intelectuais".
- - -
"Destrinchemos pouco a pouco a enrolação do parágrafo acima. Porque disse eu ter sido a novela com as propostas mais sérias jamais levada ao vídeo no Brasil? Pela soma de problemas tocados por Jorge Andrade com coragem, lucidez, amplitude de conceitos e humanismo. Vejamos:
1) O problema da criança excepcional;
2) O egoísmo e os preconceitos das pessoas quando obrigadas a dividir um só espaço com multas moradias;
3) As injustiças sociais de uma grande cidade voltada exclusivamente para os bens materiais;
4) O problema de um homem supondo-se impotente por bloqueios psicológicos e dificuldades de relacionamento normais com mulheres;
5) O drama de mulheres sozinhas e independentes frente à sobrevivência e às necessidades do amor;
6) Os ressentimentos e crises de pessoas que se mudam para os edifícios com a ilusão de melhorar seu nível de vida e sua importância;
7) O drama das pessoas que até por boa fé se transformam em delatores, em dedo-duro;
8) O problema da marginalidade dos filhos de empregadas domésticas, tendo apenas a rua, a esquina e as bocas por escola;
9) O vazio de um casal sem filhos onde não há amor;
10) O problema da mocinha aeromoça iludida com ganhos fáceis, enredando-se com traficantes e contrabandistas;
11) A estrutura íntima, feita de delírio e ternura de atrizes irrealizadas;
12) Vários problemas decorrentes da explosão de amor em peitos jovens;
13) Os dramas e problemas de jovens policiais bem intencionados;
14) A luta pela ascensão social de moças e moços filhos de porteiros e zeladores e que conseguem chegar à Universidade;
15) o mundo do subsolo dos grandes prédios, onde zeladores, porteiros e faxineiros vivem também suas disputas e lutas por subir na vida;
16) As dificuldades e problemas de nordestinos que vieram a São Paulo em busca de emprego e melhora de vida, acostumando-se ao asfalto e sentindo orgulho e amor pelos prédios que - anônimos - ajudaram a construir;
17) O conflito entre mães possessivas e noras sensuais, ambas confinadas nos estreitos limites de um apartamento, onde a intimidade entre um casal é quase impossível;
18) As reações e a solidão de um casal de fazendeiros que vem para a cidade grande a fim de se livrar do disse-me-disse do interior;
19) Os impactos sofridos por ricaça quatrocentona tendo que conviver com pessoas de diversos níveis sociais.
Eu acho que chega, não é? Em matéria de colocação corajosa de problemas e de uso da televisão para dela fazer uma ponte de compreensão, tolerância, luta contra preconceitos, instrumento de aproximação dós homens, reflexo de uma visão ecumênica, é como eu disse: jamais antes de O Grito outra novela colocara tantas propostas e temas para a reflexão e o sentimento do telespectador. O fato de ser Jorge Andrade um dos mais sérios e testados dramaturgos brasileiros, um apaixonado pelo futuro e pela liberdade humana, é uma garantia de que a novela de televisão no Brasil começa a ganhar uma maturidade e uma seriedade ímpares."
Távola não era exatamente um erudito sistemático, mas seu texto espontâneo tem algum sabor. Talvez Ney Latorraca se refira a ele, quando diz que essa novela é "queridinha dos intelectuais".
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"Destrinchemos pouco a pouco a enrolação do parágrafo acima. Porque disse eu ter sido a novela com as propostas mais sérias jamais levada ao vídeo no Brasil? Pela soma de problemas tocados por Jorge Andrade com coragem, lucidez, amplitude de conceitos e humanismo. Vejamos:
1) O problema da criança excepcional;
2) O egoísmo e os preconceitos das pessoas quando obrigadas a dividir um só espaço com multas moradias;
3) As injustiças sociais de uma grande cidade voltada exclusivamente para os bens materiais;
4) O problema de um homem supondo-se impotente por bloqueios psicológicos e dificuldades de relacionamento normais com mulheres;
5) O drama de mulheres sozinhas e independentes frente à sobrevivência e às necessidades do amor;
6) Os ressentimentos e crises de pessoas que se mudam para os edifícios com a ilusão de melhorar seu nível de vida e sua importância;
7) O drama das pessoas que até por boa fé se transformam em delatores, em dedo-duro;
8) O problema da marginalidade dos filhos de empregadas domésticas, tendo apenas a rua, a esquina e as bocas por escola;
9) O vazio de um casal sem filhos onde não há amor;
10) O problema da mocinha aeromoça iludida com ganhos fáceis, enredando-se com traficantes e contrabandistas;
11) A estrutura íntima, feita de delírio e ternura de atrizes irrealizadas;
12) Vários problemas decorrentes da explosão de amor em peitos jovens;
13) Os dramas e problemas de jovens policiais bem intencionados;
14) A luta pela ascensão social de moças e moços filhos de porteiros e zeladores e que conseguem chegar à Universidade;
15) o mundo do subsolo dos grandes prédios, onde zeladores, porteiros e faxineiros vivem também suas disputas e lutas por subir na vida;
16) As dificuldades e problemas de nordestinos que vieram a São Paulo em busca de emprego e melhora de vida, acostumando-se ao asfalto e sentindo orgulho e amor pelos prédios que - anônimos - ajudaram a construir;
17) O conflito entre mães possessivas e noras sensuais, ambas confinadas nos estreitos limites de um apartamento, onde a intimidade entre um casal é quase impossível;
18) As reações e a solidão de um casal de fazendeiros que vem para a cidade grande a fim de se livrar do disse-me-disse do interior;
19) Os impactos sofridos por ricaça quatrocentona tendo que conviver com pessoas de diversos níveis sociais.
Eu acho que chega, não é? Em matéria de colocação corajosa de problemas e de uso da televisão para dela fazer uma ponte de compreensão, tolerância, luta contra preconceitos, instrumento de aproximação dós homens, reflexo de uma visão ecumênica, é como eu disse: jamais antes de O Grito outra novela colocara tantas propostas e temas para a reflexão e o sentimento do telespectador. O fato de ser Jorge Andrade um dos mais sérios e testados dramaturgos brasileiros, um apaixonado pelo futuro e pela liberdade humana, é uma garantia de que a novela de televisão no Brasil começa a ganhar uma maturidade e uma seriedade ímpares."
terça-feira, 18 de maio de 2010
Simpatia paulistana
Placa em uma casa, cheia de espírito comunitário, numa rua arborizada da Vila Madalena:
"Se seu cachorro sujou a calçada, leve o que é seu. Deixe limpo o que é meu."
- - -
Se meu cachorro sujasse essa calçada, eu ficaria feliz.
"Se seu cachorro sujou a calçada, leve o que é seu. Deixe limpo o que é meu."
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Se meu cachorro sujasse essa calçada, eu ficaria feliz.
sexta-feira, 14 de maio de 2010
Não doeu
Chegou a sexta-feira, hoje volto para São Paulo.
O hotel feioso, ao final, não fez mal nenhum.
O hotel feioso, ao final, não fez mal nenhum.
terça-feira, 11 de maio de 2010
Poeta da pensão
Estou no Rio desde domingo. Reservei um hotel pelo site Submarino e tive uma surpresa ao chegar.
No meu pensamento eletrônico, qualquer hotel cadastrado no site teria um padrão básico, meio Mc Donald's, como a rede Formula 1. Escolhi um baratinho, preocupada apenas com a localização.
Ao chegar no domingo, nas ruas escuras por causa da chuva, quase chorei de desamparo. O hotel ficava num antigo casarão. Depois da recepão coberta de madeira laminada, os quartos se dividiam por um longo corredor, como um pensionato. Ou, num termo mais antigo, uma casa de pensão.
O quarto era pequeníssimo, mobilidado com uma grande cama de casal e um armário de madeira antigo. Não havia espaço para abrir completamente essa porta.
O chão tinha tacos de madeira, provavlemente encerados há décadas sem nenhum polimento. Apesar de limpo, parecia ensebado como a recepção.
Senti um misto de horror e simpatia. Saindo de minha casa arejada e ampla, um instinto animal parecia reagir, alerta, à súbita redução no grau de conforto. Ao mesmo tempo, minha memória literária reconhecia com familiaridade uma lembrança imaginada de escritores modestos, trabalhando como funcionários públicos na década de 1940, escrevendo seus poemas em pequenos quartos de pensão.
Como é emocionante o curta-metragem O poeta do Castelo, de Joaquim Pedro de Andrade, mostrando Manuel Bandeira curvado, com seu terno frouxo, espremido entre prédios de apartamentos.
Lindo filme.
No meu pensamento eletrônico, qualquer hotel cadastrado no site teria um padrão básico, meio Mc Donald's, como a rede Formula 1. Escolhi um baratinho, preocupada apenas com a localização.
Ao chegar no domingo, nas ruas escuras por causa da chuva, quase chorei de desamparo. O hotel ficava num antigo casarão. Depois da recepão coberta de madeira laminada, os quartos se dividiam por um longo corredor, como um pensionato. Ou, num termo mais antigo, uma casa de pensão.
O quarto era pequeníssimo, mobilidado com uma grande cama de casal e um armário de madeira antigo. Não havia espaço para abrir completamente essa porta.
O chão tinha tacos de madeira, provavlemente encerados há décadas sem nenhum polimento. Apesar de limpo, parecia ensebado como a recepção.
Senti um misto de horror e simpatia. Saindo de minha casa arejada e ampla, um instinto animal parecia reagir, alerta, à súbita redução no grau de conforto. Ao mesmo tempo, minha memória literária reconhecia com familiaridade uma lembrança imaginada de escritores modestos, trabalhando como funcionários públicos na década de 1940, escrevendo seus poemas em pequenos quartos de pensão.
Como é emocionante o curta-metragem O poeta do Castelo, de Joaquim Pedro de Andrade, mostrando Manuel Bandeira curvado, com seu terno frouxo, espremido entre prédios de apartamentos.
Lindo filme.
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Te molesta mi amor?
Novamente cansada demais para escrever. Pensei em mostrar essa linda música do Silvio Rodriguez, e encontrei no You Tube um estranho vídeo em homenagem a Fidel.
Independente das escolhas políticas, o resultado é bizarro.
Independente das escolhas políticas, o resultado é bizarro.
sábado, 1 de maio de 2010
Meus dilemas juvenis
Por motivos insondáveis, hoje senti saudade de um conto que escrevi em 1996. Parte dele foi adaptada e incluída em Calcinha no varal. Mas tive nostalgia justamente do que não foi publicado.
Não tenho coragem de mostrar o texto integral. Mas (com alguns cortes) era assim:
- - -
VIDA INTELIGENTE FORA DA ECA
Eu fiz faculdade num lugar chamado Escola de Comunicações e Artes. A sigla disso é ECA, como todo mundo chamava a escola. Acontece que “eca” quer dizer cocô, merda, coisa ruim. Por isso quando eu falava dos meus trabalhos pro meu irmão, ele sempre devolvia a mesma piada:
- Aqueles filmes eca?
Os filmes não eram tão ruins, se você tivesse um pouco de paciência. A gente lá dentro estava acostumado. Na verdade eu adorava aquela escola. Antes eu fiz um ano de Engenharia de Alimentos, e aquilo sim era uma eca. Eu lia um livro e queria comentar com alguém, e os meus colegas ficavam me olhando com aquela cara de “ah, tá”. Gente sem curiosidade. Eu entendia metade do que o professor de cálculo falava, e mesmo assim curtia a aula dele. Eles não. Só queriam saber quem ia namorar com quem.
Na Eca também tinha isso, lógico. Mas pelo menos se eu quisesse falar de um filme indiano que através da história de um professor aposentado que saía andando sem motivo e não voltava mais pra casa, e cuja ausência gerava nos familiares uma inquietação que suscitava questões como qual-o-verdadeiro-papel-do-homem-nesse-mundo, tinha gente pra me ouvir e dar opiniões. Se eu quisesse escrever a história de uma família que morava numa ilha que era um único rochedo altíssimo, cujo avô tinha o poder de conversar com um cardume de baleias e estava se preparando pra passar esse poder à neta recém-nascida pois sua morte estava próxima e ele sabia, ia ter um professor pra ler meu texto e comentar. Ainda que às vezes os comentários se limitassem a:
- Você nunca vai conseguir filmar isso.
Essa era a minha vida escolar, e eu gostava muito dela.
Só que o quarto ano chegou, e com ele a preocupação que vinha desde o vestibular, mas antes fraquinha: o que vou fazer com esse diploma, depois que me formar? Certo, tinha os filmes de publicidade, que absorviam quase todos os ex-alunos. A questão era que eu não queria fazer publicidade. Se eu quisesse teria entrado na faculdade de Propaganda. Às vezes me diziam:
- Você vai sentir saudades da escola...
Eu reagia:
- Imagina! Tudo o que eu quero é me formar, entregar o diploma pra minha mãe e viver minha própria vida.
E as pessoas:
- Não é bem assim que acontece...
Todo mundo dizia que, fora da Eca, era difícil fazer um filme, eu ia ter que trabalhar pra me sustentar e ia acabar esquecendo as coisas que eu queria mesmo fazer, desde o princípio. Eu respondia: Não! Imagina! Mas a verdade é que estava preocupada.
Não tenho coragem de mostrar o texto integral. Mas (com alguns cortes) era assim:
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VIDA INTELIGENTE FORA DA ECA
Eu fiz faculdade num lugar chamado Escola de Comunicações e Artes. A sigla disso é ECA, como todo mundo chamava a escola. Acontece que “eca” quer dizer cocô, merda, coisa ruim. Por isso quando eu falava dos meus trabalhos pro meu irmão, ele sempre devolvia a mesma piada:
- Aqueles filmes eca?
Os filmes não eram tão ruins, se você tivesse um pouco de paciência. A gente lá dentro estava acostumado. Na verdade eu adorava aquela escola. Antes eu fiz um ano de Engenharia de Alimentos, e aquilo sim era uma eca. Eu lia um livro e queria comentar com alguém, e os meus colegas ficavam me olhando com aquela cara de “ah, tá”. Gente sem curiosidade. Eu entendia metade do que o professor de cálculo falava, e mesmo assim curtia a aula dele. Eles não. Só queriam saber quem ia namorar com quem.
Na Eca também tinha isso, lógico. Mas pelo menos se eu quisesse falar de um filme indiano que através da história de um professor aposentado que saía andando sem motivo e não voltava mais pra casa, e cuja ausência gerava nos familiares uma inquietação que suscitava questões como qual-o-verdadeiro-papel-do-homem-nesse-mundo, tinha gente pra me ouvir e dar opiniões. Se eu quisesse escrever a história de uma família que morava numa ilha que era um único rochedo altíssimo, cujo avô tinha o poder de conversar com um cardume de baleias e estava se preparando pra passar esse poder à neta recém-nascida pois sua morte estava próxima e ele sabia, ia ter um professor pra ler meu texto e comentar. Ainda que às vezes os comentários se limitassem a:
- Você nunca vai conseguir filmar isso.
Essa era a minha vida escolar, e eu gostava muito dela.
Só que o quarto ano chegou, e com ele a preocupação que vinha desde o vestibular, mas antes fraquinha: o que vou fazer com esse diploma, depois que me formar? Certo, tinha os filmes de publicidade, que absorviam quase todos os ex-alunos. A questão era que eu não queria fazer publicidade. Se eu quisesse teria entrado na faculdade de Propaganda. Às vezes me diziam:
- Você vai sentir saudades da escola...
Eu reagia:
- Imagina! Tudo o que eu quero é me formar, entregar o diploma pra minha mãe e viver minha própria vida.
E as pessoas:
- Não é bem assim que acontece...
Todo mundo dizia que, fora da Eca, era difícil fazer um filme, eu ia ter que trabalhar pra me sustentar e ia acabar esquecendo as coisas que eu queria mesmo fazer, desde o princípio. Eu respondia: Não! Imagina! Mas a verdade é que estava preocupada.
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