sexta-feira, 21 de maio de 2010

Dezenove motivos

Artur da Távola tentou defender O grito, em abril de 1976, na revista Amiga TV. O texto está disponível num ótimo banco de dados da Puc-Rio, chamado TV-Pesquisa.

Távola não era exatamente um erudito sistemático, mas seu texto espontâneo tem algum sabor. Talvez Ney Latorraca se refira a ele, quando diz que essa novela é "queridinha dos intelectuais".

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"Destrinchemos pouco a pouco a enrolação do parágrafo acima. Porque disse eu ter sido a novela com as propostas mais sérias jamais levada ao vídeo no Brasil? Pela soma de problemas tocados por Jorge Andrade com coragem, lucidez, amplitude de conceitos e humanismo. Vejamos:

1) O problema da criança excepcional;

2) O egoísmo e os preconceitos das pessoas quando obrigadas a dividir um só espaço com multas moradias;

3) As injustiças sociais de uma grande cidade voltada exclusivamente para os bens materiais;

4) O problema de um homem supondo-se impotente por bloqueios psicológicos e dificuldades de relacionamento normais com mulheres;

5) O drama de mulheres sozinhas e independentes frente à sobrevivência e às necessidades do amor;

6) Os ressentimentos e crises de pessoas que se mudam para os edifícios com a ilusão de melhorar seu nível de vida e sua importância;

7) O drama das pessoas que até por boa fé se transformam em delatores, em dedo-duro;

8) O problema da marginalidade dos filhos de empregadas domésticas, tendo apenas a rua, a esquina e as bocas por escola;

9) O vazio de um casal sem filhos onde não há amor;

10) O problema da mocinha aeromoça iludida com ganhos fáceis, enredando-se com traficantes e contrabandistas;

11) A estrutura íntima, feita de delírio e ternura de atrizes irrealizadas;

12) Vários problemas decorrentes da explosão de amor em peitos jovens;

13) Os dramas e problemas de jovens policiais bem intencionados;

14) A luta pela ascensão social de moças e moços filhos de porteiros e zeladores e que conseguem chegar à Universidade;

15) o mundo do subsolo dos grandes prédios, onde zeladores, porteiros e faxineiros vivem também suas disputas e lutas por subir na vida;

16) As dificuldades e problemas de nordestinos que vieram a São Paulo em busca de emprego e melhora de vida, acostumando-se ao asfalto e sentindo orgulho e amor pelos prédios que - anônimos - ajudaram a construir;

17) O conflito entre mães possessivas e noras sensuais, ambas confinadas nos estreitos limites de um apartamento, onde a intimidade entre um casal é quase impossível;

18) As reações e a solidão de um casal de fazendeiros que vem para a cidade grande a fim de se livrar do disse-me-disse do interior;

19) Os impactos sofridos por ricaça quatrocentona tendo que conviver com pessoas de diversos níveis sociais.

Eu acho que chega, não é? Em matéria de colocação corajosa de problemas e de uso da televisão para dela fazer uma ponte de compreensão, tolerância, luta contra preconceitos, instrumento de aproximação dós homens, reflexo de uma visão ecumênica, é como eu disse: jamais antes de O Grito outra novela colocara tantas propostas e temas para a reflexão e o sentimento do telespectador. O fato de ser Jorge Andrade um dos mais sérios e testados dramaturgos brasileiros, um apaixonado pelo futuro e pela liberdade humana, é uma garantia de que a novela de televisão no Brasil começa a ganhar uma maturidade e uma seriedade ímpares."

Um comentário:

Maurício Rosa disse...

Estou amando acompanhar o seu trabalho sobre a novela "O Grito".
Continue postando essas novidades e raridades sobre a "novela maldita".
Abraços.
Mau.