sábado, 1 de maio de 2010

Meus dilemas juvenis

Por motivos insondáveis, hoje senti saudade de um conto que escrevi em 1996. Parte dele foi adaptada e incluída em Calcinha no varal. Mas tive nostalgia justamente do que não foi publicado.

Não tenho coragem de mostrar o texto integral. Mas (com alguns cortes) era assim:

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VIDA INTELIGENTE FORA DA ECA


Eu fiz faculdade num lugar chamado Escola de Comunicações e Artes. A sigla disso é ECA, como todo mundo chamava a escola. Acontece que “eca” quer dizer cocô, merda, coisa ruim. Por isso quando eu falava dos meus trabalhos pro meu irmão, ele sempre devolvia a mesma piada:

- Aqueles filmes eca?

Os filmes não eram tão ruins, se você tivesse um pouco de paciência. A gente lá dentro estava acostumado. Na verdade eu adorava aquela escola. Antes eu fiz um ano de Engenharia de Alimentos, e aquilo sim era uma eca. Eu lia um livro e queria comentar com alguém, e os meus colegas ficavam me olhando com aquela cara de “ah, tá”. Gente sem curiosidade. Eu entendia metade do que o professor de cálculo falava, e mesmo assim curtia a aula dele. Eles não. Só queriam saber quem ia namorar com quem.

Na Eca também tinha isso, lógico. Mas pelo menos se eu quisesse falar de um filme indiano que através da história de um professor aposentado que saía andando sem motivo e não voltava mais pra casa, e cuja ausência gerava nos familiares uma inquietação que suscitava questões como qual-o-verdadeiro-papel-do-homem-nesse-mundo, tinha gente pra me ouvir e dar opiniões. Se eu quisesse escrever a história de uma família que morava numa ilha que era um único rochedo altíssimo, cujo avô tinha o poder de conversar com um cardume de baleias e estava se preparando pra passar esse poder à neta recém-nascida pois sua morte estava próxima e ele sabia, ia ter um professor pra ler meu texto e comentar. Ainda que às vezes os comentários se limitassem a:

- Você nunca vai conseguir filmar isso.

Essa era a minha vida escolar, e eu gostava muito dela.

Só que o quarto ano chegou, e com ele a preocupação que vinha desde o vestibular, mas antes fraquinha: o que vou fazer com esse diploma, depois que me formar? Certo, tinha os filmes de publicidade, que absorviam quase todos os ex-alunos. A questão era que eu não queria fazer publicidade. Se eu quisesse teria entrado na faculdade de Propaganda. Às vezes me diziam:

- Você vai sentir saudades da escola...

Eu reagia:

- Imagina! Tudo o que eu quero é me formar, entregar o diploma pra minha mãe e viver minha própria vida.

E as pessoas:

- Não é bem assim que acontece...

Todo mundo dizia que, fora da Eca, era difícil fazer um filme, eu ia ter que trabalhar pra me sustentar e ia acabar esquecendo as coisas que eu queria mesmo fazer, desde o princípio. Eu respondia: Não! Imagina! Mas a verdade é que estava preocupada.

Um comentário:

Paulodaluzmoreira disse...

Lembrei do pedaço de entrevista que vc mostrou aqui antes. Mas que povo mais vodu esse que fica vaticinando suas frustrações na cabeça dos outros...