quinta-feira, 29 de abril de 2010

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Aero-willis preto

Encomendei cópias de algumas matérias da Folha de São Paulo, para meu doutorado. Esta foi publicada em 14 de fevereiro de 1968. Chama-se Gama e Silva apoia artistas de teatro, e relata o segundo dia da greve da classe teatral, que se concentrava nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo.

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Carro de presos

Um pouco antes das 20 horas, um aero-willis preto do Departamento de Polícia Federal chegou ao teatro. O general Silvio Correia de Andrade pedia a presença de uma comissão de atores em seu gabinete.

O susto foi substituído pela tranquilidade quando Lilian Lemertz, Plinio Marcos, Juca de Oliveira, Francisco Cuoco, Ety Frazer e Aracy Balabanian entraram no gabinete do general Silvio. Ele queria ler um telegrama que recebera do general Florimar Campelo, diretor do departamento de Policia Federal, em resposta à visita que os atores fizeram na véspera à delegacia estadual do órgão. O general leu para a comissão:

- Peço informar comissão artistas greve pacífica de protesto é um direito que regime democrático em que vivemos lhes confere. Suspensão artista Maria Fernanda motivada desrespeito autoridade quando chamada Serviço de Censura de Diversões Publicas para entendimento. Peça ainda está fase estudos, não tendo sido tomada qualquer decisão. Podem estar certos Censura Federal continuará defesa princípios morais...

Nesta altura, Plínio Marcos interrompeu:

- Mas não precisa ser fanática.

- ... e culturais norteadoras nossa sociedade bem como artistas dignos desse nome que não compactuam enxovalhamento arte e desconsideram publico com emporcamento teatro. Autorizo dar divulgação presente mensagem.

Plínio Marcos, após a leitura do telegrama, entregou ao general Silvio o documento recebido da classe teatral do Rio sobre o encontro com o ministro da Justiça. O general não quis fazer nenhum comentário. Os atores acham que os dois documentos divergem frontalmente.

Na saída, o motorista do aero-willis preto não quis levar os atores de volta para o Municipal. O problema foi resolvido com um carro de presos, que trouxe de volta os representantes da classe.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Lorelai & Lyotard

Alguns meses atrás, comentei sobre uma idéia de personagens para quadrinhos: o casal Lorelai & Lyotard.

Desenvolvi um pouco, lentamente. Segue um trecho de roteiro:

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O sobrinho


1 - Fim de tarde. Na rua, algumas mães voltando pra casa com seus filhos de mochila e uniforme. Lorelai deixa dois saquinhos de lixo na calçada, ao lado de um poste. Ao longo da calçada, há vários outros montes de saquinhos, na frente de cada casa.

2 - Antes de voltar pra casa, Lorelai pega uma carta na caixa de correio. Abre a carta e lê.

3 - Lorelai entra em casa e deixa a carta sobre a mesa (ou estante). Lyotard está de bermuda e camiseta regata, assistindo TV.

LORELAI - Minha mãe me escreveu.
LYOTARD (sem muito interesse) - É?

4 - Lyotard continua assistindo TV na mesma posição. Lorelai entra na sala, vinda da cozinha, trazendo uma travessa com três laranjas e uma faca.

LORELAI - Minha irmã conheceu um dinamarquês.
LYOTARD - Ah.

5 - Lorelai senta numa cadeira e começa a descascar uma laranja.
Lyotard continua vendo TV. Mudou de posição, se acomodando de outro lado.

LORELAI - Ele mora num barco nas Filipinas. Ela vai morar com ele.
LYOTARD - Sei.

6 - Lorelai, segurando o pote e a faca sobre o colo, estende uma laranja descascada e cortada ao meio para Lyotard.

LORELAI - Ela quis deixar meu sobrinho com a mãe, mas a velha recusou.

7 - Lyotard chupa a laranja.

LYOTARD - Ainda tem aquele bolinho de arroz?

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Um coração sem ódios, II

Talvez a cena abaixo não se explique sozinha. As frases não são especialmente bonitas, nem o diálogo original.

Mas é curioso que, numa novela sem par romântico como eixo narrativo, o amor se apresente assim: como redenção possível entre a mulher perdida e o homem sem masculinidade.

Jorge Andrade escreve no roteiro que Agenor sai à noite com "roupas extravagantes". Para nosso olhar contemporâneo - e para o ator Rubens de Falco - era um indício claro de homossexualidade.

Mas Jorge Andrade, em suas peças, não fala de sexualidade nesses termos: seu problema é o homem não masculino. O filho sensível, que gosta de arte e leitura em vez de prostíbulos. O jovem que se recusa a matar um animal caçado, e é acusado de pouca hombridade pelo pai, macho orgulhoso (embora falido).

Nas peças, esse confronto com o mundo patrical aparece sóbrio, e historicamente compreensível. Na TV - em provável tentativa de seduzir o público - a fragilidade do filho é exagerada, tornando-se quase patética. Para resgatá-lo da vergonha e da fraqueza, surge a mulher vibrante, sem medo da moral alheia, com seus seios aerodinâmicos.

Isso talvez fizesse sentido para os olhos ingênuos de Jorge Andrade, que em suas preocupações éticas, sociais e históricas, estava muito distante do desbunde crescente em sua época.

Para os olhos atuais - de desbunde reinante - o sonho da regeneração é uma tolice que enternece.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Um coração sem ódios

Um aluno me ajudou a digitar as anotações sobre O grito. Os diálogos entre Kátia (Yoná Magalhães) e Agenor (Rubens de Falco) me surpreendem a cada leitura. Em 1975, a regeneração era possível.

Cena do capítulo 99:

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[Katia diz insinuante para Agenor parar de beber]

"Kátia - (insinua) Devemos ter sempre consciência do que queremos... e do que fizemos.

Agenor - (insinua) Você é uma mulher experiente, não é Katia?

Kátia - (sorri) Não tanto quanto aparento ser! (...) É a forma que encontrei para agredir este prédio e os moralistas que vivem querendo consertar o homem, o mundo."

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OBS: Kátia é "alegrinha" demais para os moradores do prédio. Mas encanta Agenor, que liga constantemente para o CVV para fugir da solidão, e preocupa os pais por sair à noite com "roupas extravagantes".

Finalmente, Agenor vai ao apartamento de Kátia.

Conversam, conversam, até que:

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"Kátia - Encontrei um homem! Isto é tudo!

Agenor - (consigo mesmo) Um homem.

Kátia - Um homem limpo como sempre desejei encontrar! (beija o rosto de Agenor) Um homem com 'H' maiúsculo!

Agenor - (já fascinado) Kátia.

Kátia - Um homem sem mente suja... (beija o peito de Agenor)... e com um coração sem ódios!

Agenor - (beija o rosto de Kátia) Você é maravilhosa... não sei... sinto qualquer coisa como se fôsse explodir...! Como um grito parado dentro do meu peito!

Kátia - (beija Agenor) Pois deixe que ele saia! Eu quero ouvir este grito!

Agenor - (ansioso e sentindo-se em fogo) É um grito... É um grito...

Kátia - Tenho certeza que é de amor..."

De repente, Agenor toma a ação e começa a beijar Kátia. Kátia, sensual, deixa a cabeça cair para trás, aprisionando Agenor definitivamente."

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A scena muda

Procurando textos sobre Jorge Andrade no catálogo online do Museu Lasar Segall, descobri encantada que as revistas A Scena Muda e Cinearte foram digitalizadas e estão disponíveis aqui.

Esta é a apresentação do projeto:

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"Editadas semanalmente na primeira metade do século XX, A Scena Muda (1921-1955) e Cinearte (1926-1942), são documentos de indiscutível valor histórico, imprescindíveis para a recuperação da memória do cinema nacional, da exibição e da crítica cinematográfica no Brasil."



Revista Realidade

Texto curioso do blog Sempre algo a dizer, sobre a revista Realidade:

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"O pau comeu na casa de Noca, ou melhor, aqui na redação do Sempre Algo a Dizer durante a reunião de pauta para saber que encaminhamento seria dado a este texto sobre a revista Realidade.

Eu, Sandro F., repórter, 35 anos, nem drogado nem prostituído, sugeri uma exaltação ao bom jornalismo, à imersão na reportagem, aos bons tempos em que ser jornalista era motivo de orgulho. Nosso editor, S. Fortunato, disse que seria mais interessante mostrar o ambiente cultural e jornalístico em que a revista surgiu, compará-la a já sem fôlego O Cruzeiro, falar sobre o público que exigia uma publicação como Realidade. O Redator-chefe, Sandro Fortunato, queria uma contextualização mais política, em que se falasse como um investimento empresarial teoricamente apoiado pelo governo militar podia se mostrar tão de esquerda e abordar tantos temas-tabus; que se enfatizasse seu surgimento dois anos depois do golpe e a mudança sofrida com o AI-5. Foi então que outro redator, o Sandrão, lembrou que esses tempos áureos – do lançamento a dezembro de 1968 – tinham no pelotão de frente os jornalistas Paulo Patarra e Sérgio de Souza, que nos deixaram este ano.

Em realidade, vos digo: falar de Realidade sem desenvolver uma tese acadêmica, escrever um livro (jamais escrito!) ou tomar pelo menos uma dúzia de páginas como a revista fazia para cada matéria é muito difícil. A parada foi resolvida de maneira bem democrática: os chefes mandaram e eu obedeci. “Põe tudo isso aí em um texto rápido para o leitor-internauta, fala das principais capas e reportagens do período 66-68 e avisa que tem um site que vai disponibilizar um sistema de pesquisa para se saber em qual edição saiu cada matéria, quem escrevia na revista, etc”, disseram eles. “Então tá”, disse eu."

(segue)

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Um vestido discreto

Mais um trecho do conto Um vestido azul, agora com título novo:

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"A sala ficou enorme, eu via as garotas cada vez mais distantes. Olhava nervosa um relógio na parede, pois o horário da festa se aproximava e eu não tinha roupa. Nisso a zeladora da escola se aproximou, num guarda-pó azul claro. “Você está chorando?”, ela perguntou. Eu soluçava. “Venha comigo”, ela disse. “Eu vou te ajudar.”

A zeladora foi puxando minha mão. Era gorda, tinha a pela macia e quente. “Não se preocupe”, dizia. “Conheço a melhor costureira do mundo.”

Chegamos a um prédio baixo de seis andares, no condomínio onde morei quando criança. Eu olhava admirada: “Nada aqui envelheceu. Está tudo limpo e bem cuidado”.

Ainda de mãos dadas, subimos uma escada longa, com degraus baixos e fáceis de subir. A zeladora tinha um rosto diferente, estava mais magra e bronzeada, eu imaginava que o exercício tinha feito bem a ela. Finalmente chegamos a um apartamento sem portas nem paredes. Todo aberto, podíamos ver a sala, a cozinha, os banheiros.

No canto da sala, uma menina fazia um longo colar com grãos de arroz que pareciam pérolas. Eu me sentia ainda mais admirada. “Nunca pensei que arroz brilhasse tanto.” No seu colo havia botões, balas de goma e chaveiros, e eu me perguntava: “Nossa, como ela fará tudo combinar?”.

De repente aparecia na sala um homem baixo, muito magro, com os cabelos cobertos por um lenço vermelho. Ele segurava um pano de prato, secando xícaras de café.

A zeladora havia desaparecido. Eu me aproximei do homem e disse: “Preciso de um vestido. Você pode me ajudar?”. Notei que ele tinha as unhas pintadas de lilás."

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Não sou escritor para escritores

Trecho do perfil de Érico Veríssimo, publicado por Jorge Andrade na revista Realidade em fevereiro de 1972:

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A liberdade será sempre a minha causa


(...)

- Nunca pedi a ninguém que lesse um livro meu. Eles estão nas livrarias para serem lidos e são como eu pude ou desejei escrevê-los. Rotularam-me de superficial no começo de minha carreira, e esse rótulo ficou até hoje para qulaquer coisa que escreva. Acho que também tem havido muito exagero a meu favor. Isso me irrita.

Érico tem sempre uma curiosidade mesclada de receio, quando lê o que escrevem sobre seu último livro. Trata a crítica com certa impaciência, principalmente quando é dogmática.

- Fico intrigado e irritado quando, dentro da literatura brasileira que não é excepcionalmente rica em grandes escritores, sou tratado como romancista menor, o que não é justo. Posso ser menor num plano internacional, mas não no nacional.