Nesta semana terei muito trabalho na faculdade, por isso o blog está de férias.
Ontem vi um documentário de Wim Wenders sobre Tokio. Fiquei pensando sobre a beleza da timidez e da modéstia. Lembrei do livro Iaiá Garcia, de que gosto muito:
"A vida de Luís Garcia era como a pessoa dele, taciturna e retraída. Ele não fazia nem recebia visitas. A casa era de poucos amigos, havia lá dentro a melancolia da solidão. Um só lugar podia chamar-se alegre, eram as poucas braças de quintal que Luís Garcia percorria e regava todas as manhãs..."
domingo, 25 de novembro de 2007
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
Vapor na garganta
A editora me devolveu o manuscrito cheio de anotações, algumas bastante secas. Ela me explicou que não concordava com as observações a lápis, feitas por uma leitora contratada - o que ela achou importante, marcou depois com caneta. De todo modo, a caneta e a lápis, ela me sugeria cortar três parágrafos finais do livro, em que a personagem tem uma nova compreensão de sua relação com Paula.
Fiquei triste pois os parágrafos foram inspirados num texto que adoro, "Uma história ao modo quase clássico", de Harold Brodkey.
Certamente meus parágrafos são piores que os dele. Mas precisei reler tudo, para entender a diferença.
Meu parágrafo:
"Agora ela estava de volta e eu não queria repetir o erro. Controlava as palavras para não incomodá-la e tentava separar as coisas, mas não era fácil: eu tentava ir além do que estava acostumada a pensar. Ela tinha identificado algo positivo em mim, que só podia vir da inteligência, eu pensava, mas não era a inteligência como eu a compreendia, não estava relacionada à rapidez e à fala. Eu lembrava da simpatia que ela demonstrava por minha mãe, e tentava comparar o que havia de diferente entre minha família e as outras mães que eu conhecia: um jeito de cuidar dos filhos como se os pais também fossem crianças, o entusiasmo da mãe por viagens e sua preguiça no trabalho doméstico, suas roupas floridas e pulseiras de prata e opiniões sobre tudo. Tentei me ver de fora, pelos olhos de Paula. Essa nova versão de mim mesma, a possibilidade de me ver com os olhos de outra pessoa e descobrir em mim alguém diferente do que eu conhecia, causava um sentimento assustador e forte de vertigem. Na cama, no escuro, era como um imenso vazio pra onde meu pensamento se expandia, um vazio que estava na minha cabeça e além dela, um todo negro onde ao mesmo tempo eu sentia medo e orgulho de entrar."
O parágrafo de Brodkey:
"Minha boca doía por causa da pressão de meu rancor: estava escaldada. Era quase como se houvesse vapor em minha garganta; de fato, queimava com a pressão de palavras furiosas, com uma verdade que eu não desejava modificar, uma verdade que deveria destruir totalmente os erros e o egoísmo dos outros. A sua complacência. Imaginei aquilo tudo - não mais ser querido por minha família, meu marido me execrando, sendo abandonado por minha mãe e irmã. Pelos amigos. Sendo eu mesmo, sendo jovem, podia suportar uma boa dose; mas toma muita energia sentir-se deprimido, e quando me imaginava Doris, quando eu era Doris, não possuía mais a energia para morrer; coisas demais tinham dado errado; estava raivoso demais para morrer; sentia além da conta; não tinha fundo para o que sentia - nada podia fazer além de gritar."
Fiquei triste pois os parágrafos foram inspirados num texto que adoro, "Uma história ao modo quase clássico", de Harold Brodkey.
Certamente meus parágrafos são piores que os dele. Mas precisei reler tudo, para entender a diferença.
Meu parágrafo:
"Agora ela estava de volta e eu não queria repetir o erro. Controlava as palavras para não incomodá-la e tentava separar as coisas, mas não era fácil: eu tentava ir além do que estava acostumada a pensar. Ela tinha identificado algo positivo em mim, que só podia vir da inteligência, eu pensava, mas não era a inteligência como eu a compreendia, não estava relacionada à rapidez e à fala. Eu lembrava da simpatia que ela demonstrava por minha mãe, e tentava comparar o que havia de diferente entre minha família e as outras mães que eu conhecia: um jeito de cuidar dos filhos como se os pais também fossem crianças, o entusiasmo da mãe por viagens e sua preguiça no trabalho doméstico, suas roupas floridas e pulseiras de prata e opiniões sobre tudo. Tentei me ver de fora, pelos olhos de Paula. Essa nova versão de mim mesma, a possibilidade de me ver com os olhos de outra pessoa e descobrir em mim alguém diferente do que eu conhecia, causava um sentimento assustador e forte de vertigem. Na cama, no escuro, era como um imenso vazio pra onde meu pensamento se expandia, um vazio que estava na minha cabeça e além dela, um todo negro onde ao mesmo tempo eu sentia medo e orgulho de entrar."
O parágrafo de Brodkey:
"Minha boca doía por causa da pressão de meu rancor: estava escaldada. Era quase como se houvesse vapor em minha garganta; de fato, queimava com a pressão de palavras furiosas, com uma verdade que eu não desejava modificar, uma verdade que deveria destruir totalmente os erros e o egoísmo dos outros. A sua complacência. Imaginei aquilo tudo - não mais ser querido por minha família, meu marido me execrando, sendo abandonado por minha mãe e irmã. Pelos amigos. Sendo eu mesmo, sendo jovem, podia suportar uma boa dose; mas toma muita energia sentir-se deprimido, e quando me imaginava Doris, quando eu era Doris, não possuía mais a energia para morrer; coisas demais tinham dado errado; estava raivoso demais para morrer; sentia além da conta; não tinha fundo para o que sentia - nada podia fazer além de gritar."
quarta-feira, 21 de novembro de 2007
Homens e não
Pena que não lembro os detalhes. Foi um comentário sobre os livros "ela disse, ele disse", que li em algum lugar. O texto fazia uma ironia sobre as histórias românticas populares na Itália nos anos 50, cheias de diálogos seguidos por "ela disse" e "ele disse". Deviam ser o equivalente dos famosos "filmes do telefone branco", histórias de suspense que filmavam na Itália nessa época, em que sempre havia um telefone branco tocando numa mansão, e sendo atendido por uma madame de penhoar.
Depois que li esse comentário, nunca mais consegui escrever uma frase terminada com "ela disse" sem algum sentimento de culpa. Embora, em certos momentos, esse seja um complemento necessário para esclarecer quem está falando - e muitas vezes eu não consigo encontrar uma opção sem deixar o parágrafo complicado.
Agora estou lendo "Homens e não", de Elio Vittorini. Seus diálogos cheios de repetições são bastante enigmáticos para mim. As idéias são repetidas insistentemente e parece que sua certeza se dilui ao mesmo tempo em que os personagens tentam confirmá-la.
Por exemplo, no encontro entre Ene 2 e Lorena, que se conhecem apenas pelos codinomes, durante a resistência italiana na segunda guerra:
- Eu não quero possuí-la.
- E quem lhe pede para me possuir?
- O que farei para possuí-la, Lorena?
- Não me possua.
- O que lhe daria, Lorena? O que poderia lhe dar?
- Não me possua se não tem vontade de me possuir.
- Não tenho nada para lhe dar, Lorena.
- Por que diz essas coisas? Não diria essas coisas se fosse você.
- Que coisa diria, Lorena?
- Não diria nada. Possuiria você e nada mais.
- Ficaria contente se possuísse você e nada mais, Lorena?
- Ficaria contente.
- - -
Um pouco perdida na leitura desse romance estranho, fiquei surpresa ao descobrir a posição em que ele coloca o complemento "ele disse". Muitas vezes ele interrompe as frases quando não há pausa vocal.
- "Mas eu", disse Berta, "não tenho casa".
- "Aquilo pelo qual", o velho disse, "morreram".
- "Posso lhe perguntar", disse-lhe o velho, "por que chora?".
- "Digo que não sabemos", disse o motorista, "o que vamos encontrar".
Ao assistir o filme "Gente da Sicília", baseado em seu livro, fiquei me perguntando se essas pausas eram realmente baseadas na entonação das pessoas do lugar. Ou se eram simplesmente um recurso de estranhamento do texto, para desfazer a ilusão de realismo da história narrada.
Depois que li esse comentário, nunca mais consegui escrever uma frase terminada com "ela disse" sem algum sentimento de culpa. Embora, em certos momentos, esse seja um complemento necessário para esclarecer quem está falando - e muitas vezes eu não consigo encontrar uma opção sem deixar o parágrafo complicado.
Agora estou lendo "Homens e não", de Elio Vittorini. Seus diálogos cheios de repetições são bastante enigmáticos para mim. As idéias são repetidas insistentemente e parece que sua certeza se dilui ao mesmo tempo em que os personagens tentam confirmá-la.
Por exemplo, no encontro entre Ene 2 e Lorena, que se conhecem apenas pelos codinomes, durante a resistência italiana na segunda guerra:
- Eu não quero possuí-la.
- E quem lhe pede para me possuir?
- O que farei para possuí-la, Lorena?
- Não me possua.
- O que lhe daria, Lorena? O que poderia lhe dar?
- Não me possua se não tem vontade de me possuir.
- Não tenho nada para lhe dar, Lorena.
- Por que diz essas coisas? Não diria essas coisas se fosse você.
- Que coisa diria, Lorena?
- Não diria nada. Possuiria você e nada mais.
- Ficaria contente se possuísse você e nada mais, Lorena?
- Ficaria contente.
- - -
Um pouco perdida na leitura desse romance estranho, fiquei surpresa ao descobrir a posição em que ele coloca o complemento "ele disse". Muitas vezes ele interrompe as frases quando não há pausa vocal.
- "Mas eu", disse Berta, "não tenho casa".
- "Aquilo pelo qual", o velho disse, "morreram".
- "Posso lhe perguntar", disse-lhe o velho, "por que chora?".
- "Digo que não sabemos", disse o motorista, "o que vamos encontrar".
Ao assistir o filme "Gente da Sicília", baseado em seu livro, fiquei me perguntando se essas pausas eram realmente baseadas na entonação das pessoas do lugar. Ou se eram simplesmente um recurso de estranhamento do texto, para desfazer a ilusão de realismo da história narrada.
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Lygia Bojunga
Sempre tive simpatia pelo trabalho da Lygia Bojunga mas, por algum motivo, nunca gostei realmente do que ela escreve. Comprei vários de seus livros para dar de presente, mas nunca consegui ler algum do começo ao fim.
Mas ultimamente estou interessada em trabalhos manuais (que me descansam, no fim do dia), e comecei a ler "Feito a mão", seu texto de 1999.
Toda a experiência que ela conta é admirável - fundou sua própria editora, enfrentou o desejo de fazer um livro manualmente, desde o papel. Mas ao mesmo tempo algo me parece desequilibrado: porque o projeto é simpático, mas a diagramação é horrível. E apesar de suas idéias caseiras e artesanais, escapa uma vaidade esquisita na capa e em alguns parágrafos do livro.
Escolho um trecho para tentar me explicar:
"Quantos artesãos eu tinha visto trabalhando naquele dia, e que forte que era a ligação de cada um no que fazia, que intimidade tão grande com o material trabalhado! Cara, corpo e mão do artesão formavam uma liga, uma integração, um redondo com o objeto feito, meu deus! que lição de vida essa interação ser/fazer."
Nem quero comentar certos coloquialismos desnecessários ("que forte que era") ou expressões deselegantes como "um redondo com o objeto feito".
É principalmente o excesso de louvação que me incomoda - pelo que ele sugere de idealização e pouca observação.
Também admiro artesãos e artesanato - mas não todos. Não é uma categoria homogênea e não precisam de minha condescendência.
Nunca me esqueço de um trecho de "A lição do Sainte-Victoire", de Peter Handke. Depois de narrar sua viagem à montanha retratada por Cezanne, e a relação profunda do pintor com aquele cenário, ele volta a Paris e reencontra uma amiga, costureira. Hospedado em sua casa, os dois conversam sobre o sonho de fazer o vestido perfeito, que ela alimentava mas acabava sempre frustrada pela distância entre a idealização e sua capacidade real de fazer alguma coisa.
Então ele dizia: "eu, como escritor, conheço bem esse problema".
A amiga é uma artesã. Mas ela não representa um mundo perfeito e nostálgico. Ela enfrenta um problema existencial, em seu trabalho, assim como o escritor.
Mas ultimamente estou interessada em trabalhos manuais (que me descansam, no fim do dia), e comecei a ler "Feito a mão", seu texto de 1999.
Toda a experiência que ela conta é admirável - fundou sua própria editora, enfrentou o desejo de fazer um livro manualmente, desde o papel. Mas ao mesmo tempo algo me parece desequilibrado: porque o projeto é simpático, mas a diagramação é horrível. E apesar de suas idéias caseiras e artesanais, escapa uma vaidade esquisita na capa e em alguns parágrafos do livro.
Escolho um trecho para tentar me explicar:
"Quantos artesãos eu tinha visto trabalhando naquele dia, e que forte que era a ligação de cada um no que fazia, que intimidade tão grande com o material trabalhado! Cara, corpo e mão do artesão formavam uma liga, uma integração, um redondo com o objeto feito, meu deus! que lição de vida essa interação ser/fazer."
Nem quero comentar certos coloquialismos desnecessários ("que forte que era") ou expressões deselegantes como "um redondo com o objeto feito".
É principalmente o excesso de louvação que me incomoda - pelo que ele sugere de idealização e pouca observação.
Também admiro artesãos e artesanato - mas não todos. Não é uma categoria homogênea e não precisam de minha condescendência.
Nunca me esqueço de um trecho de "A lição do Sainte-Victoire", de Peter Handke. Depois de narrar sua viagem à montanha retratada por Cezanne, e a relação profunda do pintor com aquele cenário, ele volta a Paris e reencontra uma amiga, costureira. Hospedado em sua casa, os dois conversam sobre o sonho de fazer o vestido perfeito, que ela alimentava mas acabava sempre frustrada pela distância entre a idealização e sua capacidade real de fazer alguma coisa.
Então ele dizia: "eu, como escritor, conheço bem esse problema".
A amiga é uma artesã. Mas ela não representa um mundo perfeito e nostálgico. Ela enfrenta um problema existencial, em seu trabalho, assim como o escritor.
terça-feira, 13 de novembro de 2007
Sexo e psiquiatria
Aos vinte anos eu escrevia muito sobre experiências sexuais. Minha mãe se incomodava porque eu estava me expondo demais. Mas eu precisava escrever, não só por uma compreensão pessoal do problema, mas também porque achava o assunto mal compreendido de maneira geral. Eu queria registrar uma versão que parecesse mais verdadeira dessas relações, uma interpretação minha do que eu tinha visto e ouvido.
Depois o tema se esgotou e parei de escrever sobre sexo.
Hoje sinto um impulso de escrever sobre tratamentos psiquiátricos. De certa forma me sinto exposta como antes. Mas novamente é um tema que me incomoda, e as opiniões em revistas e artigos não me convencem totalmente.
Penso nos comentários do Bernardo Carvalho sobre blogs e a literatura baseada em experiências pessoais. Ele insiste demais sobre isso, e me parece que está perdendo o foco do problema. Ao negar tanto a relação da vida com a literatura, tenho a impressão que ele acaba revelando, sem querer, seu problema pessoal.
Depois o tema se esgotou e parei de escrever sobre sexo.
Hoje sinto um impulso de escrever sobre tratamentos psiquiátricos. De certa forma me sinto exposta como antes. Mas novamente é um tema que me incomoda, e as opiniões em revistas e artigos não me convencem totalmente.
Penso nos comentários do Bernardo Carvalho sobre blogs e a literatura baseada em experiências pessoais. Ele insiste demais sobre isso, e me parece que está perdendo o foco do problema. Ao negar tanto a relação da vida com a literatura, tenho a impressão que ele acaba revelando, sem querer, seu problema pessoal.
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