quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Homens e não

Pena que não lembro os detalhes. Foi um comentário sobre os livros "ela disse, ele disse", que li em algum lugar. O texto fazia uma ironia sobre as histórias românticas populares na Itália nos anos 50, cheias de diálogos seguidos por "ela disse" e "ele disse". Deviam ser o equivalente dos famosos "filmes do telefone branco", histórias de suspense que filmavam na Itália nessa época, em que sempre havia um telefone branco tocando numa mansão, e sendo atendido por uma madame de penhoar.

Depois que li esse comentário, nunca mais consegui escrever uma frase terminada com "ela disse" sem algum sentimento de culpa. Embora, em certos momentos, esse seja um complemento necessário para esclarecer quem está falando - e muitas vezes eu não consigo encontrar uma opção sem deixar o parágrafo complicado.

Agora estou lendo "Homens e não", de Elio Vittorini. Seus diálogos cheios de repetições são bastante enigmáticos para mim. As idéias são repetidas insistentemente e parece que sua certeza se dilui ao mesmo tempo em que os personagens tentam confirmá-la.

Por exemplo, no encontro entre Ene 2 e Lorena, que se conhecem apenas pelos codinomes, durante a resistência italiana na segunda guerra:

- Eu não quero possuí-la.
- E quem lhe pede para me possuir?
- O que farei para possuí-la, Lorena?
- Não me possua.
- O que lhe daria, Lorena? O que poderia lhe dar?
- Não me possua se não tem vontade de me possuir.
- Não tenho nada para lhe dar, Lorena.
- Por que diz essas coisas? Não diria essas coisas se fosse você.
- Que coisa diria, Lorena?
- Não diria nada. Possuiria você e nada mais.
- Ficaria contente se possuísse você e nada mais, Lorena?
- Ficaria contente.

- - -

Um pouco perdida na leitura desse romance estranho, fiquei surpresa ao descobrir a posição em que ele coloca o complemento "ele disse". Muitas vezes ele interrompe as frases quando não há pausa vocal.

- "Mas eu", disse Berta, "não tenho casa".

- "Aquilo pelo qual", o velho disse, "morreram".

- "Posso lhe perguntar", disse-lhe o velho, "por que chora?".

- "Digo que não sabemos", disse o motorista, "o que vamos encontrar".


Ao assistir o filme "Gente da Sicília", baseado em seu livro, fiquei me perguntando se essas pausas eram realmente baseadas na entonação das pessoas do lugar. Ou se eram simplesmente um recurso de estranhamento do texto, para desfazer a ilusão de realismo da história narrada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Acabo de ler seu texto, aí fui correndo no meu texto, e comecei a coletar: "ele sempre diz"; "Digo que"; "dizendo que"; enfim... Concordo quanto à estranheza nesses discursos das personagens... Mas certamente é proposital. O bom escritor não constrói a personagem através de suas descrições (fulano é assim, assado), mas sim através das suas falas. É por aí... Conseguiu entender, rs?

sabina anzuategui disse...

Sim... acho que entendi. Também não deixei de escrever "ele disse"... mas penso duas vezes antes de cometer uma bobagem desnecessária.