quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Vapor na garganta

A editora me devolveu o manuscrito cheio de anotações, algumas bastante secas. Ela me explicou que não concordava com as observações a lápis, feitas por uma leitora contratada - o que ela achou importante, marcou depois com caneta. De todo modo, a caneta e a lápis, ela me sugeria cortar três parágrafos finais do livro, em que a personagem tem uma nova compreensão de sua relação com Paula.

Fiquei triste pois os parágrafos foram inspirados num texto que adoro, "Uma história ao modo quase clássico", de Harold Brodkey.

Certamente meus parágrafos são piores que os dele. Mas precisei reler tudo, para entender a diferença.

Meu parágrafo:

"Agora ela estava de volta e eu não queria repetir o erro. Controlava as palavras para não incomodá-la e tentava separar as coisas, mas não era fácil: eu tentava ir além do que estava acostumada a pensar. Ela tinha identificado algo positivo em mim, que só podia vir da inteligência, eu pensava, mas não era a inteligência como eu a compreendia, não estava relacionada à rapidez e à fala. Eu lembrava da simpatia que ela demonstrava por minha mãe, e tentava comparar o que havia de diferente entre minha família e as outras mães que eu conhecia: um jeito de cuidar dos filhos como se os pais também fossem crianças, o entusiasmo da mãe por viagens e sua preguiça no trabalho doméstico, suas roupas floridas e pulseiras de prata e opiniões sobre tudo. Tentei me ver de fora, pelos olhos de Paula. Essa nova versão de mim mesma, a possibilidade de me ver com os olhos de outra pessoa e descobrir em mim alguém diferente do que eu conhecia, causava um sentimento assustador e forte de vertigem. Na cama, no escuro, era como um imenso vazio pra onde meu pensamento se expandia, um vazio que estava na minha cabeça e além dela, um todo negro onde ao mesmo tempo eu sentia medo e orgulho de entrar."


O parágrafo de Brodkey:

"Minha boca doía por causa da pressão de meu rancor: estava escaldada. Era quase como se houvesse vapor em minha garganta; de fato, queimava com a pressão de palavras furiosas, com uma verdade que eu não desejava modificar, uma verdade que deveria destruir totalmente os erros e o egoísmo dos outros. A sua complacência. Imaginei aquilo tudo - não mais ser querido por minha família, meu marido me execrando, sendo abandonado por minha mãe e irmã. Pelos amigos. Sendo eu mesmo, sendo jovem, podia suportar uma boa dose; mas toma muita energia sentir-se deprimido, e quando me imaginava Doris, quando eu era Doris, não possuía mais a energia para morrer; coisas demais tinham dado errado; estava raivoso demais para morrer; sentia além da conta; não tinha fundo para o que sentia - nada podia fazer além de gritar."

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