terça-feira, 21 de março de 2017

Torta de palmito em família

Meu sobrinho Juan quase se chamou Pietro. Quando Crystal, minha ex-cunhada, estava grávida, ela queria um nome curto, simples e diferente. Um nome que mostrasse como seu filho era único; alegre (para dar leveza à sua infância) e digno (para ele ser respeitado quando adulto). Que fosse fácil de entender sem soletrar. Pietro, para ela, tinha todas essas qualidades, além de ser clássico e romântico. Mas meu irmão Pablo considerou ridícula essa combinação, pai e filho brasileiros com esses nomes, Pablo e Pietro. As mesmas iniciais, a mesma pretensão estrangeira equivocada.

Nossos nomes foram escolhidos em homenagem a cantores latino-americanos que meus pais admiravam: Pablo Milanés e Violeta Parra. Meus pais foram jovens nos anos 1960 e se emocionavam com canções de protesto. Crystal e meu irmão tiveram algumas discussões sobre o nome nos almoços de domingo, até que eu sugeri Juan, o que resolveu o problema. Eles ainda pareceriam uma dupla latina, mas eram ao menos iniciais diferentes. E eu sabia (por isso a sugestão) que Pablo respeitava muitíssimo Juan Riquelme, que eliminara o Palmeiras duas vezes na copa Libertadores da América em 2000 e 2001, e fazia parte da equipe do Boca Juniors em 2012, perdendo para o Corinthians na histórica final, a primeira taça Libertadores conquistada pelo Timão.

Depois de comer torta de palmito e beber um chá gelado que minha mãe fazia (com mate, laranja, cravo e canela – ela se recusava a servir refrigerante), eu, Pablo e Juan ficamos estirados no sofá da sala assistindo “Hora da aventura”, o desenho animado favorito de Juan. Era um domingo quente de abril, o clima na sala estava agradável. Da janela víamos as árvores do jardim do condomínio, a luz do sol bonita e morna, que não batia diretamente na tela da TV. Era o cenário escolhido minuciosamente pela minha mãe, no quarto andar porque era possível ver as árvores sem perder a luz externa.

Ela e meu pai compraram o apartamento no Kowarick quando eu tinha dois anos e Pablo era recém-nascido. Ela sonhava com este condomínio desde a adolescência; era onde morava a colega de colégio que mais admirava. Amamentando, alguns dias depois de voltar da maternidade com Pablo, ela decidiu que precisava de um apartamento com três quartos, agora que tinha dois filhos, um menino e uma menina. Segundo meu pai conta, ele foi sozinho em suas folgas nos fins de semana visitar todas as unidades à venda, nas oito torres do condomínio, depois voltava e respondia ao questionário minucioso de minha mãe. Finalmente ela foi visitar as três unidades que passaram em seu critério inicial, ainda antes de completar um mês da cesárea. Escolheu o apartamento 44 do edifício Opala porque os dígitos somavam 8, responsabilidade e prosperidade segundo a numerologia. Ela achou importante ter um espírito pragmático em nosso apartamento, para equilibrar a sensibilidade coletiva do condomínio, cujo número da portaria somava 6, liberdade e criatividade. Apenas ressentia que o nome Opala lembrasse uma marca de carro, o que era contra suas convicções anticonsumo. Embora a origem do nome, como nos outros prédios do conjunto, fosse uma pedra preciosa brasileira: Ágata, Angelita, Coral, Granada, Lazuli, Onix, Opala, Rubi.

Juan estava meio inquieto porque não podia jogar seu nintendo portátil. Desde as três da tarde, quando ele e Pablo chegaram no apartamento da minha mãe, ele ouviu conversas por noventa minutos (durante a torta com chá gelado), e só pode encostar num botão de liga/desliga depois que os três adultos saíram da mesa. Dona Glaucia não permitia TV ligada nas refeições, e nenhum jogo eletrônico nunca (também não gostava que nós a chamássemos de “Dona”).

Depois de comermos, ajudei minha mãe a colocar a louça na máquina (apesar da educação feminista, Pablo nunca se oferecia voluntariamente e desistimos de insistir). Quando voltei para a sala, Juan estava afundado no sofá com a expressão mais insatisfeita do mundo, e Pablo cochilava. Sentei na outra ponta do sofá e cutuquei o braço de Juan quando ele não estava olhando. Na primeira vez ele riu. Voltamos a assistir o desenho e o cutuquei mais algumas vezes. Em algumas tentativas ele me flagrou antes do movimento. Eu recolhia o braço e disfarçava, olhando para o teto e fingindo assoviar. Na quarta ou quinta vez, ele reclamou: “Pára, tia! Que chato!”. Eu ri e ele não gostou. Parei com a brincadeira, embora eu gostasse muito de cutucá-lo.

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