quarta-feira, 29 de março de 2017

Meditação infantil

Até os trinta e oito anos eu era a filha mais velha que fazia tudo certo, e Pablo era o caçula folgado. Eu trabalhei desde a faculdade, fui morar sozinha assim que me formei, casei aos vinte e seis anos com um jovem e promissor cirurgião vascular. Pablo teve dezenas de namoradas dos dezoito aos trinta anos, às vezes duas ou três ao mesmo tempo, e minha mãe mantinha uma caderneta para não confundir os nomes quando elas apareciam (apenas a oficial de cada vez). Quando terminou o curso de direito, Pablo passou três anos morando com minha mãe sem trabalhar, apenas estudando (mais ou menos) para os concursos públicos. E quando finalmente assumiu uma vaga de Procurador estadual, e se estabilizou com Crystal, sua namorada mais paciente (os pais budistas a levavam a aulinhas de meditação desde criança), Pablo ainda ficou dez anos morando em seu quarto confortável no conjunto Kowarick. Crystal não imaginava que as aulinhas de meditação infantil seriam tão necessárias em seu eterno namoro com Pablo. Nesses dez anos ela passou de aluna de psicologia, insegura com a profissão, a chefe de Recursos Humanos da própria faculdade em que se formou. A ideia de se casar estava praticamente enterrada, e mesmo Pablo já estava na berlinda, quando Crystal engravidou sem planejar, e Pablo finalmente se mexeu. Ele comprou um apartamento a seiscentos metros do Kowarick (tinha um bom dinheiro guardado, pois além de folgado era pão-duro), e quatro meses depois se casaram. Era 2012, justamente quando eu estava me divorciando.

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