"O que amigos meus estranham – e eu também – é que pior eu vejo, mais eu leio. Leio ampliações de livros, assim mesmo com lupa e com luz intensa.
Se, na tela cinematográfica, no palco, no quadro, no desenho, não se perceber a materialidade da obra, a intensidade da luz ou da cor, a relação com a obra cinematográfica, plástica, teatral, fica comprometida. Portanto a fruição e a compreensão.
Já o livro, como objeto, não é uma obra (embora também possa ser pelo seu papel, sua diagramação etc.), mas é essencialmente um suporte. Se o contraste entre a letra e o papel ficar esmaecido para o meu olhar, em nada se altera a significação da palavra. Se num primeiro passar do olho (em realidade acho que leio apenas com um olho, o esquerdo) um “rn” se funde num “m”, perturbando o sentido, o olho volta e acaba distinguindo o “r” e o “n”. A leitura fica mais lenta, mas o texto compreensível.
Eu, que já lia muito, me tornei um leitor frenético. Diria que é uma leitura aluvional. É uma leitura que me traz abundantes materiais e me estimula. Quero dizer uma leitura que dá vontade de escrever, que impulsiona a escrita.
Agora me sinto um escritor, embora tenha publicado vários livros, não me sentia assim. É como se tivesse ocorrido uma guinada na minha vida. A leitura me torna escritor. O processo começou com Serge Doubrovsky, depois fui em direção dos espanhóis Enrique Vila-Matas, Rosa Montero, Javier Marías. O escritor que tenho mais lido e com paixão é Roberto Bolaño (fui atingido pela bolañomania). Mas seu texto, que pode provocar insônias e obsessões, não me leva a escrever. Não é sempre o grande escritor que impulsiona a escrita. Às vezes fico com a impressão de escrever literatura espanhola em português. Uma médica homeopata, que eu não tinha consultado durante dois anos, me disse recentemente que estou passando por uma profunda transformação. Certamente, só não sei no que vai dar."
(Jean-Claude Bernardet)
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