Semana passada, no caderno Equilíbrio da Folha, a psicanalista Marion Minerbo mencionava o livro de Guy Debord - A socieade do espetáculo, num artigo sobre a exposição de adolescentes na internet.
Alguns parágrafos chamaram minha atenção:
"Na sociedade do espetáculo, aparecer é ter valor: "quem aparece é bom, e quem é bom, aparece". Embora a gente saiba que não é bem assim: há pessoas talentosas, competentes e generosas que não aparecem.
A equação aparecer = ser bom acaba tendo efeitos sobre o que sentimos que é bom e desejável, sobre o que nos torna felizes ou infelizes e sobre nossos valores.
Por isso, a necessidade de aparecer tem menos a ver com vaidade do que com o sentimento de existir aos olhos dos outros, de ser, ter valor e poder." (FSP, 14 set. 2010)
Ela mistura conceitos de psicologia (o adolescente na fase de "experimentar e testar limites") com certo julgamento das atualidades tecnológicas (programas "desenvolvidos para que a indústria da produção e consumo de imagens do Eu possa se expandir"), argumentando que uma questão humana atemporal pode levar a riscos inesperados, por causa da tecnologia e dos hábitos sociais de uma determinada fase histórica.
Há algum tempo me pergunto sobre as raízes emocionais dessa vontade de se "mostrar".
Pelo pouco que conheço de psicologia, uma criança - que é biologicamente dependente do adulto - poderia desenvolver comportamentos para "chamar a atenção", quando sente que não recebe a atenção necessária espontaneamente.
Parece também que certo egocentrismo infantil - a vontade de ter TODA a atenção do adulto - vai sendo gradativamente minado, conforme a criança cresce. Ao crescer, tornando-se biologicamente mais independente, a criança passa a receber menos atenção, e é ensinada a agir com mais "autonomia".No mesmo processo torna-se adulta e traumatizada, porque a independência cresce junto à falta de atenção.
Esse trauma teria maior ou menor grau, conforme a personalidade de cada criança, e o ambiente em que cresceu.
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Sei que toda essa explicação parece primitiva. Mas é curioso notar esse mecanismo na biografia dos autores de telenovela que estou estudando.
Dias Gomes - o mais bem sucedido - tinha claramente um desejo (disfarçado) de "aparecer" e "fazer sucesso".
É muito estranho o que ele escreve em sua autobiografia, sobre o casamento com Bernardeth, depois da morte de Janete Clair:
"Aparentemente, soava impossível dar certo - como apostavam alguns - nossa diferença de idade e de cultura, o maior obstáculo."
Ele descreve a mulher de um modo que incomoda meu senso comum de elegância:
"Seu baixo nível de informação fazia com que me sentisse um novo Pigmalião, desafiado a talhar o mármore bruto, moldá-lo com meus próprios conceitos estéticos e injetar-lhe vida. Foi tarefa gratificante vê-la transformar-se, crescer como ser humano, aproximando-a cada vez mais de mim e da mulher que eu idealizara."
Assim ele conclui:
"Teria, entretanto, falhado, não tivesse ela demonstrado determinação e extraordinária coragem para enfrentear preconceiturosas rejeições. Até mesmo de meus próprios filhos, de início, que me magoaram ao extremo, já que nunca pude conviver com qualquer censura da parte deles."
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Essas passagens desajeitadas me parecem os momentos mais sinceros do livro. Mostram o que ele não planejou - uma personalidade infantil, carente e egoísta diante dos filhos. Segundo ele mesmo, as raízes dessa insegurança estariam na infância - ele era o irmãozinho feio, aquele não que não deveria ter nascido.
E foi um dos fundadores da "sociedade do espetáculo" no Brasil.
3 comentários:
Fascinante para mim o contraste entre o escritor [que eu sempre idealizo como alguém capaz de uma certa agudeza de espírito e capacidade de observação] e caráter meio tosco do narcisismo dele nesses trechos. E me lembrei do Drummond, todo rebelde e liberado nos anos 20 e de repente casado com uma datilógrafa pacata com quem ele convivia em separado da tuma dele. Mas Pigmalião é brabo, né?
Tenho um pouco de prevenção contra esse discurso sempre medroso com relação a uma nova perspectiva. Outro vi um cara falando de artigos do New York Times dando notícia de coisas como o telefone e o fonógrafo e dizendo que agora ninguém mais ia sair de casa por causa do telefone e que ninguém mais ia conversar com ninguém por causa do fonógrafo. Eu, se morasse nos Estados Unidos há cinquenta anos atrás teria que esquecer o Brasil e viver minha vida inteiramente aqui. A tecnologia não me isola, me conecta ao meu mundo. Esse negócio de aparecer por causa da tecnologia... não sei. Acho que o salto do psicológico [individual] para o sociólogo [coletivo] meio brusco demais e a relação causal muito simples. A tecnologia seria no máximo uma peça desse quebra-cabeça.
Em relação ao Dias Gomes, essa passagem é mesmo constrangedora. Fico imaginando a reação da esposa, ao ler isso. Será que ela concordava?
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Quanto à tecnologia, também estranho todo esse alarmismo. Mas o artigo era ponderado... enfim, me interessa essa questão, entre "ser notado" e "ser alguém". Acho isso mais profundo do que a discussão sobre as mídias.
Fiquei pensando nesse post e achei que de certa maneira o Dias Gomes repetiu bem mais tarde, nesse episódio da sua vida pessoal, as piores características do CPC pré 64: a condescendência do intelectual para com as "massas" [massa é para moldar, não é?] e o dirigismo à moda do PCB, querendo dar consciência e ser porta voz dos "alienados".
Eu sei que é uma analogia fácil, mas não resisti.
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