terça-feira, 29 de junho de 2010

Massa de cimento armado

Leio agora a autobiografia de Dias Gomes, Apenas um subversivo (Bertrand Brasil, 1998). Eu não me interessava muito por seu trabalho, por cansaço do regionalismo (O pagador de promessas, que preguiça). Mas a biografia é ótima: sujeito inteligente e bem-humorado.

Também gostei dos roteiros de O Espigão, de onde saíram as pérolas abaixo:

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"Marcito Camará - Pois é esse o meu drama, doutor. Eu já fui a vários analistas... Sei que isso não é normal... por mais bonita, espetacular que seja a garota, eu só consigo sentir interesse nos primeiros dias... Uma semana, no máximo, depois... é como se fosse uma estátua de pedra diante de mim. Na primeira semana, fico alucinado! Depois... sou um fracasso! Tenho então que inventar mil desculpas para fugir dela... e arranjar outra, por quem me apaixono perdidamente! ... por um semana. E volta a acontecer a mesma coisa... "

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Descrição de Carlinhos, filho de Urânia Camará:

"É um hippie no sentido saudável. Sua contestação é romântica e não envolve apelo a drogas. É apenas no trajar e no comportamento. Uma reação à sociedade industrializada. Roupa usada, remendada, cabelos compridos, maneiras anti-convencionais e ausência absoluta de díalogo com a mãe e os tios."

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"Helka - Pois este, meu querido, é o apartamento de Lauro Fontana. E essa é a mulher dele. Se você está pensando que ele deu o golpe do baú, então você é um gênio da perspicácia... de fato, que pode levar um homem como Lauro a casar-se com uma mulherzinha insignificante e feia como Cordélia, senão o dinheiro? O pai dela enriqueceu explorando motéis suspeitos na Barra da Tijuca, como você sabe..."

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E o final melancólico da trama:

"Em câmera lenta, as paredes começam a ruir. Vários takes. O velho coqueiro de Martiniano também vem abaixo. E outras árvores também são derrubadas. Lauro, trepado numa elevação assiste, sorrindo, emocionado.

CORTA para novas árvores vindo abaixo (repetir várias vezes).

LEO (Voz gravada) - O importante não é a árvore, importante é o homem. Mas só no dia em que o homem aprender a respeitar a árvore é que ele se terá tornado realmente humano. Aí começará a sua verdadeira história.

Segue o show no slow motion, agora alternando parques e árvores que caem com panorâmicas verticais e ascendentes de arranha-céus, terminando na massa de cimento armado de Copacabana.

Sonofonia - Sobre o côro (ou trecho Vagneriano)

SLIDE - FIM"

Um comentário:

Anônimo disse...

apoteótico!