Na prova que passei aos meus alunos na semana passada, pedi que adaptassem o conto "Alguma coisa que não precisa de coisa alguma", de Miranda July. É a história de duas adolescentes que decidem morar juntas e tentam encontram uma senhora rica que as sustente.
Quando me formei, eu tinha essa idéia: pedir a um banqueiro uma mesada de R$ 1.000 para que eu pudesse escrever e não precisasse trabalhar. Sem a contrapartida das garotas do conto; era tão pouco dinheiro para alguém tão rico, um mecenato inofensivo.
Hoje, corrigindo as provas dos alunos, de repente percebi como era uma fantasia adolescente. A dificuldade de aceitar o trabalho, a responsabilidade pela própria vida. Um último desejo de continuar na infância recebendo tudo do mundo.
Na época eu pensava que a "arte" justificava meu desejo de não trabalhar.
- - -
“Tinha que haver um modo mais digno de viver. Precisávamos de tempo para refletir sobre nós mesmas, para desenvolver uma teoria sobre quem éramos e dizer isso com música.
Com esse objetivo em mente, Pip veio com um novo plano. Partimos para ele com determinação; por três semanas seguidas escrevemos e reescrevemos e ressubmetemos nosso anúncio ao jornal local. Finalmente, o Portland Weekly aceitou; não soava mais como prostituição evidente e mesmo assim, para o leitor certo, não pareceria ser outra coisa. Nosso público-alvo eram mulheres ricas que gostassem de mulheres. Isso existe? Também aceitaríamos uma mulher sem muitos recursos que tivesse economizado seu dinheiro.
O anúncio saiu por um mês, e nossa secretária eletrônica transbordou de interesse. Todos os dias descartávamos centenas de homens para encontrar aquela senhora especial que pagaria nosso aluguel. Ela estava demorando a aparecer. Talvez ela nem mesmo lesse aquela seção do jornal semanal grátis.”
- - -
Trecho do conto “Alguma coisa que não precisa de coisa alguma”, do livro “É claro que você sabe do que estou falando”, de Miranda July (Agir, 2007)
5 comentários:
Eu sempre brinco quando estou trabalhando demais que esse sufoco vai acabar porque ando investindo no futuro, comprando um bilhete de loteria para realizar meu potencial maior: não fazer nada de produtivo. Detalhe: na verdade eu quase nunca compro bilhete de loteria, quando compro esqueço de conferir o resultado e quando confiro, é claro, nunca acerto mais que um par de números...
eu tô nessa fase
eu que tinha entrado aqui pra dizer a mesma coisa que a júlia.
Trabalho desde a tenra adolescência mas ainda não me acostumei...rs queria alguma ajuda de custo pra eu ficar em casa escrevendo,escrevendo,escrevendo...
a tortura está na etimologia da palavra trabalho, segundo o bataille. mas isto não alivia. até o ócio criativo parece precisar de um pouco de sadismo.
Postar um comentário