segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Um modo mais digno

Na prova que passei aos meus alunos na semana passada, pedi que adaptassem o conto "Alguma coisa que não precisa de coisa alguma", de Miranda July. É a história de duas adolescentes que decidem morar juntas e tentam encontram uma senhora rica que as sustente.

Quando me formei, eu tinha essa idéia: pedir a um banqueiro uma mesada de R$ 1.000 para que eu pudesse escrever e não precisasse trabalhar. Sem a contrapartida das garotas do conto; era tão pouco dinheiro para alguém tão rico, um mecenato inofensivo.

Hoje, corrigindo as provas dos alunos, de repente percebi como era uma fantasia adolescente. A dificuldade de aceitar o trabalho, a responsabilidade pela própria vida. Um último desejo de continuar na infância recebendo tudo do mundo.

Na época eu pensava que a "arte" justificava meu desejo de não trabalhar.

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“Tinha que haver um modo mais digno de viver. Precisávamos de tempo para refletir sobre nós mesmas, para desenvolver uma teoria sobre quem éramos e dizer isso com música.

Com esse objetivo em mente, Pip veio com um novo plano. Partimos para ele com determinação; por três semanas seguidas escrevemos e reescrevemos e ressubmetemos nosso anúncio ao jornal local. Finalmente, o Portland Weekly aceitou; não soava mais como prostituição evidente e mesmo assim, para o leitor certo, não pareceria ser outra coisa. Nosso público-alvo eram mulheres ricas que gostassem de mulheres. Isso existe? Também aceitaríamos uma mulher sem muitos recursos que tivesse economizado seu dinheiro.

O anúncio saiu por um mês, e nossa secretária eletrônica transbordou de interesse. Todos os dias descartávamos centenas de homens para encontrar aquela senhora especial que pagaria nosso aluguel. Ela estava demorando a aparecer. Talvez ela nem mesmo lesse aquela seção do jornal semanal grátis.”

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Trecho do conto “Alguma coisa que não precisa de coisa alguma”, do livro “É claro que você sabe do que estou falando”, de Miranda July (Agir, 2007)

5 comentários:

Paulodaluzmoreira disse...

Eu sempre brinco quando estou trabalhando demais que esse sufoco vai acabar porque ando investindo no futuro, comprando um bilhete de loteria para realizar meu potencial maior: não fazer nada de produtivo. Detalhe: na verdade eu quase nunca compro bilhete de loteria, quando compro esqueço de conferir o resultado e quando confiro, é claro, nunca acerto mais que um par de números...

júlia disse...

eu tô nessa fase

Anônimo disse...

eu que tinha entrado aqui pra dizer a mesma coisa que a júlia.

Rachel Souza disse...

Trabalho desde a tenra adolescência mas ainda não me acostumei...rs queria alguma ajuda de custo pra eu ficar em casa escrevendo,escrevendo,escrevendo...

bernardo rb disse...

a tortura está na etimologia da palavra trabalho, segundo o bataille. mas isto não alivia. até o ócio criativo parece precisar de um pouco de sadismo.