"A pequena casa editora de antes tornara-se grande e importante. Agora, muita gente trabalhava lá. Tinha uma nova sede, na avenida rei Humberto, depois que a sede antiga desmoronou num bombardeio. Pavese agora tinha uma sala só para si, e na porta havia uma placa com a inscrição "Direção editorial". Pavese ficava à mesa, com o cachimbo, revisando as provas com a rapidez de um raio. Lia a Ilíada em grego, nas horas de folga, salmodiando os versos em voz alta; numa triste cantilena. Ou então, riscando com rapidez e violência, escrevia seus romances. Tornara-se um escritor famoso."
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Natália Ginzburg, "Léxico familiar".
Gosto do ponto-e-vírgula deslocado na frase da Ilíada.
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Saiu na Folha, neste sábado, uma estrevista com Luís Augusto Fischer, prof. da UFRGS. Não saberia dizer se concordo com ele, pois o título da matéria me assustou e não li inteira. De todo modo esse parágrafo marcou:
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"Uma de suas idéias é a de que a forma privilegiada do romance brasileiro, narrativas de feição memorialística (como em "Dom Casmurro" e "Grande Sertão: Veredas"), se relaciona com a imagem de ausência de memória histórica que os brasileiros fazem de si mesmos.
A contradição se explicaria pelo fato de o país não construir uma memória autorizada e comum, porque quem deveria fazê-lo, a elite, não pode falar do que ela realmente faz (como da escravidão, por exemplo). A memória vai ser assim um problema, a ser "resolvido" caso a caso nos grandes romances."
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Honestamente não sei se a questão é exclusiva do Brasil. Mas gosto dessa ausência da memória "autorizada e comum".
3 comentários:
Como vc, Sabina, nao sei se isso eh "privilegio" brasileiro - desconfio muito desse discurso que acha que somos excepcionais assim em tudo, tanto nas coisas boas, como nas mas [odeio ficar sem acentos!!!]. Eu acho que se tentou durante muito tempo construir uma memoria autorizada comum que se ligava a nossa identidade, desde Vargas ate os militares de 64. Como toda historia oficial, ela era cheia de lacunas convenientemente disfarçadas por uma retorica sedutora, sedutora pela mescla de fantasia e de realidade. Ficaram muito fortes e ainda estao tatuados na consciencia da gente a ideia de um povo miscigenado e tolerante e gentil [tanto na direita como em parte da esquerda]. Acho que romances em geral sao sobre memoria, vc nao acha? Faulkner dizia num de seus romances: "The past is never dead. It is not even past". Acho que o romance [em geral] parte um pouco dessa premissa.
A frase de Faulkner é linda. Talvez isso seja verdade para o romance moderno, a partir dos fins do sec. XIX.
Engraçado o efeito das coisas na gente. Escrevi um texto inteiro por causa desse ponto e vírgula que vc destacou. Só pra testar a utilidade e o efeito dele. rs
Beijos!
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