segunda-feira, 2 de junho de 2008

De um jeito ou de outro

Mais um pouco de crueldade na narradora:

"Observava sua mão conforme ela desenhava. Sua pele era escura por fora e clara na palma. Suas unhas longas e finas, diferentes das minhas, arredondadas. Eram unhas de mulher adulta, eu pensava. Ela ficava sentada com as pernas cruzadas e o caderno apoiado na coxa direita. Eu observava seu joelho magro, os tornozelos encaixados. Sua mãe batia na porta e entrava no quarto para oferecer bolachas. Rosquinhas cobertas de açúcar que eu não comia em casa de jeito nenhum. A mãe às vezes tentava comprar essa marca mais barata - "bolacha é tudo igual", ela dizia. Mas eu desprezava aquele pacote grande e transparente, bolachas soltas como na feira. Na casa da avó, ela me obrigava a comer: “Tua avó não tem dinheiro", dizia - "Não seja nojenta”. A mãe de Juliana estendia o prato. Era quase fim da tarde e estava com fome. Mastigava a bolacha conformada.

Juliana não comia. Sua mãe deixava o quarto. Passávamos a tarde num silêncio totalmente estranho para mim. Mas eu insistia, porque não queria voltar para casa e ficar sozinha. Além do mais, de um jeito ou de outro, eu estava sendo sua amiga.


A mãe ficava satisfeita quando eu ia à casa de Juliana. “Esta menina faz bem a você”, dizia. “Você está mais calma, mais madura”. Eu estava calma, segundo acreditava minha mãe, porque não falava tanto como antes. O que eu iria falar? Que Paula não me olhava mais na cara, que minha nova amiga era praticamente muda, que eu era obrigada a comer rosquinhas de feira? Ela não percebia nada e insistia nesses elogios descabidos. “Você fica mais bonita quando está calma”. “Não gosto quando você faz caretas como uma histérica.”

2 comentários:

Anônimo disse...

Sobre os posts anteriores referentes aos seus estudos de literatura, e sobre estes últimos, parece que alguma coisa de Machado de Assis penetrou no seu texto. Talvez o cinismo do Brás Cubas e do Bentinho.
Posso até ter escrito besteira aqui, mas ficou muito, muito boa esta sua versão cruel.

sabina anzuategui disse...

Sim, você percebeu direitinho. O curso está me ajudando muito.