Parágrafos 10 a 12:
"Durante algumas semanas senti vergonha de olhar para seu rosto, só nos cumprimentávamos rapidamente na faculdade. Quando eu entrava no departamento, ele saía. Eu também fazia o mesmo. Não conseguia me desligar da imagem de seu corpo estendido em minha cama - lembrava sua temperatura, o desenho de seus músculos e ossos. Meu pensamento, instável, se alternava entre a leveza de seu rosto, antes daquela tarde, e o sorriso que sumia - a melancolia que aparecia quando nos encontrávamos, a expressão diante da janela do meu quarto.
Houve uma manhã em que saí da faculdade antes da aula terminar. Quase não havia alunos no pátio. Ele estava parado na calçada, em frente a uma banca de livros usados, com uma menina de cabelos escuros. Ela segurava sua mão, enquanto ele tentava lhe mostrar alguns livros. Ela parecia impaciente e puxava seu braço, até que ele desistiu e seguiram para a rua, onde seu carro estava estacionado. Enquanto caminhavam, e ela esperava que ele abrisse a porta, a menina não conseguia descansar. Olhava irritada para carros e pessoas que passavam. Ele dizia algumas coisas que ela mal respondia. Esperei que saíssem, e segui para o estacionamento.
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Comecei a dirigir e senti a lembrança repentina do sol forte, que me ofuscava os olhos, na ladeira de paralelepípedos, na feira de artesanato, no centro de minha cidade. Eu deveria ter dez ou onze anos. Meu pai me chamara para passear sozinha com ele. Nós andávamos pela feira em silêncio e ele me perguntou várias vezes o que eu queria comprar. Eu não sabia escolher, a pergunta era incomum. No alto do morro, ao lado da igreja matriz, sentamos numa lanchonete e ele perguntou se eu queria um refrigerante. Lembro com detalhes da garrafa verde e da marca no vidro. Também lembro que não me olhava, diretamente, quando disse que ele e minha mãe iriam se divorciar."
2 comentários:
Lindo texto. Gostei especialmente do ritmo do último parágrafo.
Tenho pensado muito em ritmo. Amanhã vou tentar escrever um pouco sobre isso.
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