terça-feira, 8 de abril de 2008

Evidente e terrível

Durante duas semanas não posso escrever, porque preciso entregar um trabalho e o prazo está no fim.

Vou colocar o início do livro na ordem, um pouco a cada dia.

Hoje os parágrafos 4 a 9.

Nos parágrafos 6, 7 e 9 adaptei algumas poesias antigas, sobre a ausência de um amante.

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"Fui para o computador pensando em trabalhar um pouco. Abri o arquivo de um relatório que devia terminar para a próxima semana. Estava cansada, embora não conseguisse dormir, e não pude me concentrar.

Havia o outro texto. Pensei em ligar para o terapeuta assim que amanhecesse. Será que ele poderia ler? Mas não podia mostrar a ninguém enquanto estivesse nesse estado de angústia. Precisava me acalmar.

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Eu não poderia dizer o nome dele. Eu soube que era frágil quando deixou a camisinha no chão. Não lavou nem ficou desconfiado que eu pudesse usar aquilo como prova de alguma coisa. Nem brincou com o líquido, porque era evidente que não estava alegre. Eu tentava me apegar à minha postura de estudante, e encarar o sexo tecnicamente. Não era exatamente possível, com ele.

Quando olhei ele estava em frente à janela. No fundo do quarto, num canto escuro. Falou alguma coisa que não escutei, depois lembrou que precisava comprar um presente para sua filha de doze anos. Tinha os olhos tristes e eu mesma fiquei triste, como nunca teria imaginado, mesmo em todas as vezes em que pensei na sensação: de estar com ele, num quarto.

Eu nunca disse nada porque não havia modo de falar. Não queria que o sentimento se enfraquecesse em frases frágeis: quanto havia pensado em sua pele, sua proximidade. Não sabia dizer com a gravidade que existia internamente.

Depois que ele saiu, tive vontade de ir ao banheiro. Ao sentar no vaso, senti o cheiro entre minhas pernas. Só então percebi como era evidente e terrível: ele havia ido embora. Não senti culpa, apenas a tristeza da impossibilidade. Isso era ainda mais difícil de aceitar. "

4 comentários:

carla castellotti disse...

homo triste post coito. assim seja.

júlia disse...

forte e triste a parte dos amantes. difícil isso, a solidão que ela fica. me diga, por curiosidade, os dois têm alguma espécie de relação fora desse quarto?

sabina anzuategui disse...

Sim, são colegas de trabalho. Mas o livro não fala disso. É apenas a situação inicial que leva às lembranças da infância da narradora.

júlia disse...

uma situação intensa como essa é mesmo o ponto de partida para muita coisa,
gostei de ler a continuação logo ali em cima e o início das lembranças.