quinta-feira, 20 de março de 2008

Indignações veementes

A pedidos, um trecho de que não gosto:

"Resvés ao caminho-de-ferro de Entrecampos, em rua estreita e discreta, de que o nome não me ocorre, foi construído, há anos, o controverso edifício da Fundação Helmut Tchang Gomes, que, como é sabido, suscitou indignações veementes na migalha de público dita "os intelectuais", cismas avinagrados na Associação dos Arquitectos, balanceios incômodos na cadeira dum ministro, e choros convulsos numa misteriosa viúva de quem nunca mais se soube nada, nem eu nem ninguém."

O livro se chama "Era bom que trocássemos umas idéias sobre o assunto", de Mário de Carvalho, escritor português contemporâneo. O jornal fez elogios, o título era interessante e comprei. Não consegui terminar e fiquei com a sensação de jogar fora meu dinheiro.

Por que não gosto? Acho o humorzinho meio chinfrim...

Por que os intelectuais são uma "migalha de público"? Cismas avinagrados, balanceios incômodos, choros convulsos, tudo isso me parece muito floreio para pouco significado.

E por que dizer sobre a rua: "de que o nome não me ocorre"? Se não lembra, paciência, fique quieto. A não ser que o problema do livro seja a memória.

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Fiquei com vontade de comentar escritores brasileiros. Para ser mais útil e honesta, porque vivemos aqui e por princípio deveria nos interessar o que fazemos nós. Queria reler uns trechos do Bernardo Carvalho que me incomodaram há alguns anos, pelas frases curtas e o ritmo martelado demais. Mas não encontrei o livro na estante. E não adianta criticar em teoria.



Ah: se alguém se interessar pelo livro português, posso mandar de presente pelo correio.

4 comentários:

Paulodaluzmoreira disse...

Concordo contigo. Essa estridência retórica toda, essa gritaria meio arrogante... Pelo trecho que vc postou, me parece um desses casos de muito barulho para esconder que não há nada por baixo.

Anônimo disse...

É, existe um provébio bíblico que diz: "de se fazer muitos livros não há fim". E é verdade.
Mas a melhor parte desse post, é essa de enviar o livro pelo correio a quem quiser. rs...
Bjo e Inté.

júlia disse...

concordo, sabina.
gostei desse título na livraria, mas não o abri.

ok que um trecho é pouco para avaliar, mas me parece que mesmo no contexto eu não teria a mínima idéia do que está sendo narrado e a minha capacidade de concentração detesta isso

e "cismas avinagrados" é muito feio.

textos assim costumam me dar a aparência de um certo cinismo, ou melhor, uma espécie de falta de enfrentamento das questões que se levantam durante o que se narra. afinal, ficando somente na sugestão, a única coisa a que o texto se arrisca é a uma multiplicidade de sentidos, como se já não bastassem as infinitas leituras que ele vai ter.

lembro do torquato: "quem não se arrisca não pode berrar"

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o Machado faz muito isso, de dizer que não lembra de uma coisa, ou que não vai escrever o que ia. difícil dizer se algum livro dele não tem o problema da memória sempre à tona, mas acho que a questão nesse uso dele é outra: me parece que o faz trazendo sempre a escrita do texto em concomitância a leitura do mesmo. por isso, os procedimentos ficcionais parecem ser revelados, mas tudo para nos enganar melhor. é um bruxo, com amor.

do Machado também já disseram que o estilo é cínico. mas não sei se não foi um elogio.

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quanto aos contemporâneos da terrinha, comprei essa semana "Jerusalém", do Gonçalo M. Tavares, comecei a ler e estou em dúvidas,... já leu? ouviu falar?

sabina anzuategui disse...

Julia, vou responder no orkut. Acho que é mais fácil.