"No início o blog de Olívia tinha poucas visitas, trinta ou quarenta leitores que ela conquistou comentando e colaborando com outros blogs de contos e poesia, escritos por jovens e adolescentes. Seus vídeos talvez seguissem o mesmo rumo, permanecendo restritos às poucas amizades virtuais com quem ela trocava ideias regularmente, se não fosse o acaso de Olivia se manifestar sobre um tema de repercussão viral.
Em setembro de 2009, alguém gravou de uma janela, de madrugada, uma mulher raivosa diante do muro de um prédio gritando para um tal Pedro que devolvesse seu chip de celular. Em uma semana, o vídeo teve mais de dois milhões de acessos e ficou conhecido como "Me dá meu chip, Pedro". O original gerou montagens cômicas, paródias musicais e fãs. Alguns blogueiros de Vitória, no Espírito Santo, localizaram Pedro em seu edifício. Ele foi tema de reportagens e deu entrevistas em programas de televisão. A história despertou tanto encanto que até o taxista que conduziu a mulher raivosa apareceu na TV.
Olívia não conseguiu rir, desde a primeira vez que assistiu a cena. Ela tinha ouvido o assunto na escola, todos os garotos riam à beça, mas ela só conseguiu ver em casa, depois do almoço. A imagem noturna, a mulher sozinha na calçada escura, a voz transtornada gritando "Abre essa porta. Eu vou gritar a noite inteira aqui. Você roubou o que é meu. Me dá o que é meu." Ela pensou, por que ele não desce e devolve o chip para ela? Todos vão rir enquanto essa mulher agoniza em vexame público? Olívia assistiu os outros vídeos relacionados, os blogueiros que localizaram Pedro, os programas de televisão, a entrevista com o taxista. Todos achavam a história divertidíssima. Somente três pessoas manifestavam alguma compaixão: a apresentadora de um programa sensacionalista vespertino, o taxista e um velho psicanalista. O psicanalista tentou defender a exposição da dor, lembrando uma parábola contada por um padre num romance de Kafka e falando das "portas fechadas" que todos encontramos.
Mas Olivia não queria defender a mulher. Ela queria contestar quem ria. Queria reclamar da crueldade de todos os seus colegas que elegiam como herói um homem que não fez nada, que simplesmente ficou trancado em casa ignorando a mulher que se debatia à sua porta. Naquela mesma tarde ela se vestiu como Caroline Cólera e gravou um vídeo que chamou "Me dá meu chip - Visão Feminista". E esse vídeo se tornou uma piada involuntária quase tão famosa quanto o barraco do chip."
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