Conversando uso muito as palavras "flash" e "flashback". A lembrança involuntária me interessa, nos livros de Philip Dick, na "Psicopatologia da vida cotidiana", nas substâncias alucinógenas.
Mas como escrever "flash" num livro escrito em português? Não vejo sentido, hoje, na mistura de palavras estrangeiras em estilo modernista. O uso de palavras americanas é comum no cotidiano, e seria preciso inventar algum filtro que justificasse essas palavras em estilo literário. Esses filtros não combinam comigo. Gosto de escrever de modo purista, com linguagem precisa e gramatical. Não é o purismo pelo português; é simplesmente um purismo.
Existem traduções em português para "flash": lampejo, faísca. Mas "lampejo" é antigo e lusitano demais. E "faísca" me remete a fogueiras e festas juninas.
Escrevi assim:
"Isso durou muito tempo, e no outro dia, com dor de cabeça, alguns fragmentos da noite surgiam repentinamente em minha memória, misturados a sensações antigas do início de nossa relação."
sábado, 24 de novembro de 2012
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
Paul Auster, Sunset Park
"Sunset Park", romance de Paul Auster lançado em 2010 (tradução brasileira de Rubens Figueiredo, 2012), é o livro que eu precisava ler. Talvez Auster, agora velho, seja o escritor que me faltava pra substituir a lembrança de Peter Handke em "Bem aventurada infelicidade" (Wunschloses Ungluck).
Nunca li "Trilogia de Nova York", talvez tenha tentado tarde demais (depois de certa estrada, perdi a paciência para alguns recursos de estilo).
Auster velho escreve melhor. E "Sunset Park" me faz perceber como é rasa a divisão da narrativa entre "cena" e "exposição", cena e digressão, ou coisa que o valha. Ele quase não compõe cenas. Ao mesmo tempo, não se afasta da cena, a narração é restrita ao contexto de cada situação. E como é elegante ao escrever em terceira pessoa. Elegante como um relatório. "Já faz quase um ano que ele tira fotografias de coisas abandonadas". Pronto, o livro começa. Sem efeitos sensoriais, sem adjetivos pomposos ou irônicos em lista de três (ah, porque os escritores raramente se contentam com um adjetivo apenas).
Substantivos e adjetivos retumbantes, somente quando convêm ao personagem (às vezes ironicamente, às vezes de modo emotivo). Assim, Bing Nathan é apresentado. "Ele é o guerreiro da revolta, o campeão do descontentamento, o militante do desmascaramento da vida contemporânea, que sonha em construir uma realidade nova das ruínas de um mundo falido".
Admiro a simplicidade com que resume alguns diálogos em parágrafos narrativos. E como consegue indicar "lembra", "relembra", "pensa", sem parecer que injeta frases a seringa no cérebro dos personagens.
Ótima tradução, provavelmente (não li o original). O livro necessário para me aliviar da opressão de escrever em forma de cenas, porque não sou suficientemente filósofa para escrever digressões, e não conseguia visualizar opções intermediárias. Agora eu entendo: parágrafos longos; economia de aspectos visuais (somente detalhes; pinceladas); diálogos importantes alinhados em pontuação normal, sem aspas, ao longo do parágrafo; alternância sem hierarquia de falas, pensamentos, lembranças, imagens da cena. Sem hierarquia mas sem confusão, situando o que precisa ser situado, sem cacoete. Pode-se dizer "lembra", quando necessário, se a informação for objetiva e evitar a sensação de texto-enigma (decifra-me pois sou refinado).
Nunca li "Trilogia de Nova York", talvez tenha tentado tarde demais (depois de certa estrada, perdi a paciência para alguns recursos de estilo).
Auster velho escreve melhor. E "Sunset Park" me faz perceber como é rasa a divisão da narrativa entre "cena" e "exposição", cena e digressão, ou coisa que o valha. Ele quase não compõe cenas. Ao mesmo tempo, não se afasta da cena, a narração é restrita ao contexto de cada situação. E como é elegante ao escrever em terceira pessoa. Elegante como um relatório. "Já faz quase um ano que ele tira fotografias de coisas abandonadas". Pronto, o livro começa. Sem efeitos sensoriais, sem adjetivos pomposos ou irônicos em lista de três (ah, porque os escritores raramente se contentam com um adjetivo apenas).
Substantivos e adjetivos retumbantes, somente quando convêm ao personagem (às vezes ironicamente, às vezes de modo emotivo). Assim, Bing Nathan é apresentado. "Ele é o guerreiro da revolta, o campeão do descontentamento, o militante do desmascaramento da vida contemporânea, que sonha em construir uma realidade nova das ruínas de um mundo falido".
Admiro a simplicidade com que resume alguns diálogos em parágrafos narrativos. E como consegue indicar "lembra", "relembra", "pensa", sem parecer que injeta frases a seringa no cérebro dos personagens.
Ótima tradução, provavelmente (não li o original). O livro necessário para me aliviar da opressão de escrever em forma de cenas, porque não sou suficientemente filósofa para escrever digressões, e não conseguia visualizar opções intermediárias. Agora eu entendo: parágrafos longos; economia de aspectos visuais (somente detalhes; pinceladas); diálogos importantes alinhados em pontuação normal, sem aspas, ao longo do parágrafo; alternância sem hierarquia de falas, pensamentos, lembranças, imagens da cena. Sem hierarquia mas sem confusão, situando o que precisa ser situado, sem cacoete. Pode-se dizer "lembra", quando necessário, se a informação for objetiva e evitar a sensação de texto-enigma (decifra-me pois sou refinado).
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
Set piece
Desde o curso de datilografia, aos 16 anos, escrevo na diagramação que chamavam "bloco compacto". Espaço duplo entre parágrafos, sem recuo na primeira linha.
Os livros não são formatados assim, mas acho bonito na folha impressa e na tela do computador.
Agora, no curso de Minal Hajratwala, gostei do termo "set piece" (que ela aprendeu de um professor, Sam Freedman). Refere-se aos vários conjuntos de parágrafos, num capítulo, separados por espaços duplos. Na falta de tradução precisa, uso um outro termo que ela sugeriu: "blocos".
Na diagramação "bloco compacto" é difícil marcar os blocos, porque já há espaços duplos entre os parágrafos simples. Essa questão simples foi um problema grande para organizar as pausas no meu livro anterior.
Então agora começo a escrever na diagramação tradicional, com recuo na primeira linha, sem espaço entre os parágrafos.
Os livros não são formatados assim, mas acho bonito na folha impressa e na tela do computador.
Agora, no curso de Minal Hajratwala, gostei do termo "set piece" (que ela aprendeu de um professor, Sam Freedman). Refere-se aos vários conjuntos de parágrafos, num capítulo, separados por espaços duplos. Na falta de tradução precisa, uso um outro termo que ela sugeriu: "blocos".
Na diagramação "bloco compacto" é difícil marcar os blocos, porque já há espaços duplos entre os parágrafos simples. Essa questão simples foi um problema grande para organizar as pausas no meu livro anterior.
Então agora começo a escrever na diagramação tradicional, com recuo na primeira linha, sem espaço entre os parágrafos.
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