Eu tinha cinco anos quando meus pais me levaram para visitar as ruínas de Pompéia. As imagens mais marcantes da minha infância: um corpo encolhido, carbonizado, de alguém que tentou se proteger escondido num canto. E o desenho do vulcão escuro num cartão postal. A montanha que expelia lava: a massa líquida, vermelha e fervente.
Por que as imagens me marcaram tanto? Seriam talvez minhas impressões assombrantes da infância? O enorme seio potente. O corpo assustado do bebê. A história mágica da terra que explode e devasta em suas casas a minúscula vida das pessoas comuns.
Aos dezoito anos tentei voltar a Pompéia com toda minha vontade e meu pouco dinheiro, aproveitando a chance de uma bolsa de estudos depois de por dois anos estudar italiano com paixão. Tinha um convite para estudar no norte da Itália, onde estavam as melhores e mais antigas universidades. Mas me importavam as universidades? Num dia livre peguei o trem que me levou ao sul, onde tudo é barulhento e bagunçado e os vulcões explodem.
Foi difícil chegar. Os trens têm horários. As cidades históricas reservadas à visitação turística têm portões que fecham às cinco da tarde. Os dias de um viajante são curtos quando falta dinheiro para mais uma noite de hotel.
Eu sabia respeitar horários, preços e limites. Mas tinha dezoito anos e o mundo se abre para as moças na esperança que elas se abram também.
Um dia talvez eu escreva essa outra história, sobre o homem que percebeu meu desejo e me levou no escuro para ver um pequeno vulcão urbano ao lado de uma base militar em sua cidade. Quando eu disse que não era aquele, meu vulcão era maior e ficava mais longe, ele esperou a folga de sábado e fomos juntos num Alfa Romeo pela rodovia pedagiada e pela estrada seca que entre curvas chegava à cratera.
Ouvimos música: those lazy hazy crazy days of summer.
Num sábado de sol ele pagou a entrada, e olhei o círculo murcho de terra escura e seca, o vulcão inativo visto de cima.
Deitamos em seu carro quente ao sol do meio-dia. Comemos nosso lanche de iogurte. Depois, tranquila e sossegada, dormi aconchegada em seu peito.
Por muitos anos quis escrever a história que se chamaria "Dormir no vulcão". A memória era tão forte: a viagem infantil e a tentativa adolescente, voluntariosa, nostálgica e desajeitada de voltar.
Vencer os obstáculos do caminho. Chegar ao destino. Ganhar o amor e dormir.
Mas como saber as partes importantes dessa história, para que os outros entendessem e sentissem o que eu senti?
Que palavras retratam e transmitem? Que ordem de frases e parágrafos tem o tamanho exato de encantar e explicar o lugar e o tempo em que o horror era maravilhoso?
A história não era o vulcão desolado de minha adolescência. Era o encantamento de ouvir o pai contando sobre o dia inesperado em que jorrou terra incandescente e congelou as pessoas para sempre na posição daquele instante.
O que é a literatura?
A literatura é o vulcão.
Um comentário:
Lindo.
Tata.
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