Estou lendo um lindo livro (perdoem a aliteração). Três russos e Como me tornei um escritor, de Máximo Gorki. O volume reúne três perfis de escritores, e mais uma palestra que começa assim: "Camaradas! Em todas as cidades onde tive a oportunidade de conversar com vocês, muitos me perguntaram pessoalmente ou por bilhetinhos: como me tornei escritor".
A palestra parece atraente pelo título, mas não me empolgou. Tem um bê-a-bá meio chatinho sobre técnicas e funções do escritor.
Já os perfis de Tchékhov e Tolstói são lindos. Especialmente este último. Como ele explica no início, são anotações fragmentárias que escreveu quando morava em Oleiz, povoado da Criméia, perto de uma estação terapêutica onde Tolstói se tratava: "Achava perdidas essas anotações, escritas com descuido em pedacinhos de papel."
Em passagens curtas e numeradas, Gorki descreve conversas com o outro, mestre e celebridade literária a que recorrem jovens escritores. Tolstói é às vezes messiânico, outras mundano; agressivo com uns, tolerante demais com outros.
Há várias agressões de Tolstói ao próprio Gorki. Curioso como este relata as críticas e suas reações.
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XXXIII
Li para ele cenas da peça Albergue noturno. Ele ouviu atentamente e depois perguntou:
- Para que você escreve isso?
- Expliquei como pude.
- Em suas obras notam-se ataques de um galo de briga. E outra: você sempre quer cobrir todas as ranhuras e rachaduras com sua tinta. Lembre-se do que disse Andersen: "A douradura gastar-se-á e o couro de porco permanecerá"; mas os nossos mujiques dizem: "Tudo passará, só a verdade permancecerá". É melhor não cobrir, porque mais tarde é você quem vai se dar mal. Além disso, a linguagem é ágil demais, com truques, isso não é o certo. É preciso escrever de forma mais simples, o povo fala de maneira simples, até parece não ter nexo, mas fala bem. O mujique não perguntaria: "Por que um terço é maior do que um quarto, se quatro é sempre maior do que três?", como pergunta uma moça estudada. Não precisa de truques.
Ele falava com descontentamento, pois, pelo visto, não havia gostado nada do que li. Depois de um silêncio, disse, sem olhar para mim, em tom sombrio:
- Seu velho é antipático, não se acredita na bondade dele. O ator... é bom. Conhece Os frutos da civilização? Lá, meu cozinheiro se parece com seu ator. É difícil escrever peças. E sua prostituta ficou bem, deve haver desse tipo. Viu algumas assim?
- Vi.
- Sim, percebe-se. A verdade sempre se deixa reconhecer onde quer que esteja. Você fala muito à sua própria maneira, por isso não há personagens típicas e todas têm a mesma cara. Você, provavelmente, não compreende as mulheres, elas não saem bem, nenhuma. Não ficam na memória.
Entrou a mulher de A.L. (Andrei Lvóvitch, filho de Tolstói) e convidou-nos a tomar chá; ele se levantou e saiu muito depressa, como se tivesse ficado feliz em encerrar a conversa.
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(Ed. Martins Fontes, 2006. Tradução Klara Gourianova, revisão Graziela Schneider)
3 comentários:
eu tenho um do maiakovski, fininho, que tem umas palestras tb sobre ser escritor. é bem legal.
Uau! E Gorki continuou escrevendo! rs
Depois vc manda seu endereço pro meu email que vou te enviar um postal com o coreto. =]
Bjos
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