Quando comecei meu segundo blog em 2009, publiquei uma citação da Bruna Surfistinha, Raquel Pacheco.
Depoimento sem erotismo, de uma beleza desajeitada: "Sei que fiz coisas muito piores na prostituição, coisas que nem eu sei como tive coragem. (...) Tive que encarar muitos sacos fedidos mas, sempre com muita claridade."
Nos caminhos misteriosos da internet, esse link agora aparece na primeira página de resultados do Google, quando se busca por "Raquel Pacheco". Houve cerca de 200 visitas na semana passada.
É um depoimento em primeira pessoa, e algumas pessoas não percebem a citação. Recebi dois comentários: uma mulher deseja que Raquel encontre Deus em seu coração, e um rapaz declara sua admiração pela pessoa que ela é.
Eu também: desejo felicidade a quem tem coragem de encarar sacos fedidos.
sábado, 26 de fevereiro de 2011
domingo, 20 de fevereiro de 2011
1997, para Julia
(texto pouco revisado)
Em 1997 eu não estava mais grávida, fui expulsa do apartamento de uma estudante de enfermagem apaixonada por um cara casado e com AIDS, aluguei uma kitchinete para dividir com minha amiga coreana, trabalhava seis horas por dia revisando a digitação de portarias e leis e decretos sobre comércio exterior, escrevi muito no primeiro semestre, depois as idéias secaram e escrevi menos.
Em junho mandei alguns contos para um ex-professor e editor, Jiro Takahashi. Era um último fio de esperança, depois de ser ignorada num concurso da USP, e ouvir de uma professora amiga que "simplesmente não entendia o propósito" deles.
Algumas semanas depois, chegou uma carta de quatro páginas que talvez tenha mudado minha vida.
Ou, pelo menos, me deu ânimo para sobreviver uns 4 anos.
Alguns trechos de seu texto claro:
"De um modo bem abrangente, genérico, acho que você propõe - pode até ser sem querer - um tipo de texto radicalmente feminino jovem. (...) Por outro lado, penso que essa perspectiva em que seus contos avançam dificilmente vai fazer você ganhar concursos literários mais ou menos convencionais (embora eu espere estar errado quanto a isso)."
DÚVIDA: Será que eu havia mencionado o concurso da USP? A frase é uma resposta ou uma premonição?
Depois, sobre a primeira versão de O meu conto feminista:
"Incrível este texto do ponto de vista de sondagem e de expressão de uma alma. A gente acompanha uma viagem dentro de um ser que procura reagir diante de uma situação externa que o afeta profundamente. O último parágrafo daria inveja a muitas escritoras."
Lembro de escrever esse conto com extrema dificuldade, errando muito a coerência dos tempos verbais, depois de quase dois anos sem escrever nada de literatura.
Era diretamente inspirado em Lo que queda enterrado, de Carmen Martín Gaite, que eu havia lido num curso de Literatura Espanhola na FFLCH (de uma professora ótima, cujo nome esqueci).
Tentei encontrar nos meus arquivos a primeira versão do conto. Reescrevi várias vezes o último parágrafo, que nunca me parecia bom. Finalmente ele apareceu em Calcinha no varal assim:
"Mas não fiz o conto, não nesse dia. Levou muito mais tempo pra eu entender o que havia acontecido."
Até onde posso confiar em minha própria organização, a primeira versão dizia:
"Porque eu tinha que me libertar dele, por mais que doesse. O amor dele acabara e o meu, sozinho, só servia para me ferir. Me veio uma idéia, não lembro se foi ali, parada na janela, ou se foi depois quando fui ao banheiro e vi que a menstruação tinha descido: uma vontade de me reerguer, ser fria, forte, e escrever um conto feminista como as primeiras mulheres que lutaram sozinhas. Eu tive essa idéia e sentei de novo à máquina de escrever.
Mas não fiz o conto, não nesse dia. Demorou muito mais tempo pra eu entender: o que eu tinha feito da minha alma, eu mesma tinha feito."
Hoje acho muito estranho que eu tenha escrito "minha alma". Também me parece improvável que alguém elogiasse esse último parágrafo.
De todo modo (não percebi na época) a idéia de "me reerguer, ser fria, forte" é praticamente um resumo do último parágrafo de Perto do coração selvagem.
Em 1997 eu não estava mais grávida, fui expulsa do apartamento de uma estudante de enfermagem apaixonada por um cara casado e com AIDS, aluguei uma kitchinete para dividir com minha amiga coreana, trabalhava seis horas por dia revisando a digitação de portarias e leis e decretos sobre comércio exterior, escrevi muito no primeiro semestre, depois as idéias secaram e escrevi menos.
Em junho mandei alguns contos para um ex-professor e editor, Jiro Takahashi. Era um último fio de esperança, depois de ser ignorada num concurso da USP, e ouvir de uma professora amiga que "simplesmente não entendia o propósito" deles.
Algumas semanas depois, chegou uma carta de quatro páginas que talvez tenha mudado minha vida.
Ou, pelo menos, me deu ânimo para sobreviver uns 4 anos.
Alguns trechos de seu texto claro:
"De um modo bem abrangente, genérico, acho que você propõe - pode até ser sem querer - um tipo de texto radicalmente feminino jovem. (...) Por outro lado, penso que essa perspectiva em que seus contos avançam dificilmente vai fazer você ganhar concursos literários mais ou menos convencionais (embora eu espere estar errado quanto a isso)."
DÚVIDA: Será que eu havia mencionado o concurso da USP? A frase é uma resposta ou uma premonição?
Depois, sobre a primeira versão de O meu conto feminista:
"Incrível este texto do ponto de vista de sondagem e de expressão de uma alma. A gente acompanha uma viagem dentro de um ser que procura reagir diante de uma situação externa que o afeta profundamente. O último parágrafo daria inveja a muitas escritoras."
Lembro de escrever esse conto com extrema dificuldade, errando muito a coerência dos tempos verbais, depois de quase dois anos sem escrever nada de literatura.
Era diretamente inspirado em Lo que queda enterrado, de Carmen Martín Gaite, que eu havia lido num curso de Literatura Espanhola na FFLCH (de uma professora ótima, cujo nome esqueci).
Tentei encontrar nos meus arquivos a primeira versão do conto. Reescrevi várias vezes o último parágrafo, que nunca me parecia bom. Finalmente ele apareceu em Calcinha no varal assim:
"Mas não fiz o conto, não nesse dia. Levou muito mais tempo pra eu entender o que havia acontecido."
Até onde posso confiar em minha própria organização, a primeira versão dizia:
"Porque eu tinha que me libertar dele, por mais que doesse. O amor dele acabara e o meu, sozinho, só servia para me ferir. Me veio uma idéia, não lembro se foi ali, parada na janela, ou se foi depois quando fui ao banheiro e vi que a menstruação tinha descido: uma vontade de me reerguer, ser fria, forte, e escrever um conto feminista como as primeiras mulheres que lutaram sozinhas. Eu tive essa idéia e sentei de novo à máquina de escrever.
Mas não fiz o conto, não nesse dia. Demorou muito mais tempo pra eu entender: o que eu tinha feito da minha alma, eu mesma tinha feito."
Hoje acho muito estranho que eu tenha escrito "minha alma". Também me parece improvável que alguém elogiasse esse último parágrafo.
De todo modo (não percebi na época) a idéia de "me reerguer, ser fria, forte" é praticamente um resumo do último parágrafo de Perto do coração selvagem.
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
A tevê e a morte
"Começou com a morte de Michel Foucault; Michel Foucault morreu e no dia seguinte a televisão apresentou uma reportagem sobre ele dando um curso no Collège de France. Quase não se ouvia sua voz, só um murmúrio longínquo. Sua voz estava lá, só que encoberta pela voz do jornalista que dizia que aquela era a voz de Michel Foucault dando suas aulas no Collège de France. Depois, passado algum tempo, Orson Welles morreu e foi a mesma coisa. Ouvia-se uma voz muito clara dizendo que aquela voz que estávamos ouvindo, inaudível e longínqua, era a voz de Orson Welles, que acabara de morrer. Ficou sendo a regra, a cada óbito de personalidade, a imgem falante do defunto recoberta pela do jornalista que diz que o que estamos ouvindo evidentemente é a voz de fulano ou sicrano que acabou de morrer. Sem dúvida foi um produtor que descobriu isso, que se o jornalista e o defunto falassem ao mesmo tempo haveria uma economia de um minuto na emissão, para que se pudesse falar, não necessariamente de esporte, não, mas de outras coisas, coisas diferentes, divertidas, interessantes."
(em A vida material, de Marguerite Duras, trad. Heloisa Jahn)
(em A vida material, de Marguerite Duras, trad. Heloisa Jahn)
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Luta de Classes, por Danuza Leão e Alex Castro
Artigo do blog Liberal, libertário, libertino, sugerido por meu amigo Thiago Venco.
São comentários críticos e engraçados de um artigo sobre empregadas domésticas publicado por Danuza Leão, na Folha.
São comentários críticos e engraçados de um artigo sobre empregadas domésticas publicado por Danuza Leão, na Folha.
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
Nené
Às vezes tento lembrar as músicas de que gostava aos dezoito, vinte anos. Quando estou cansada, trazem um ânimo agradável, familiaridade e graça. Ouvindo novamente o que hoje me parece horrível, tenho simpatia pela adolescente que fui, um simpatia distante, como se olhasse a filha de uma amiga.
Durante alguns anos tive a obsessão de encontrar discos do cantor italiano Amedeo Minghi, por causa de um amor perdido, e uma fita cassete emprestada a uma amiga que nunca a devolveu.
Depois, quando ele foi tema de novela e fez shows no Brasil, já não me importava mais.
Minha música preferida era Nené, que dizia:
Ecco, sto pensando a te,
Nenè la mia.
Capire no,
ne dire so
per me che sia.
Forse ti confondo il viso,
creatura mia.
Mi passi e vai
poi torni ancora
poi non ci sei.
Piccina mia,
bambina mia.
Uma tradução aproximada seria:
"Pois é, estou pensando em você, minha Nené. Não sei entender, nem dizer... por mim, que seja. Talvez eu confunda seu rosto, minha criatura. Você passa e vai, depois volta, depois não está aqui. Minha pequena, minha menina."
Eu gostava dessa filosofia de almanaque, que aparecia em todas as músicas do cantor. Um elogio do passageiro, do incerto, da leveza.
No curta-metragem que fiz na faculdade, coloquei a música Mississipi para acompanhar os créditos finais. Ela dizia:
Senza volerlo fai
l'Amore che sperai
senza alcuna ordossìa
come a caso e senza
simmetrìa.
(Sem querer você faz / o amor que espera / sem nenhuma ortodoxia / como por acaso e sem / simetria)
Já mostrei o curta no blog, aqui.
Este é o vídeo de Nené. Talvez eu não gostasse tanto, se tivesse visto seus dentes.
Durante alguns anos tive a obsessão de encontrar discos do cantor italiano Amedeo Minghi, por causa de um amor perdido, e uma fita cassete emprestada a uma amiga que nunca a devolveu.
Depois, quando ele foi tema de novela e fez shows no Brasil, já não me importava mais.
Minha música preferida era Nené, que dizia:
Ecco, sto pensando a te,
Nenè la mia.
Capire no,
ne dire so
per me che sia.
Forse ti confondo il viso,
creatura mia.
Mi passi e vai
poi torni ancora
poi non ci sei.
Piccina mia,
bambina mia.
Uma tradução aproximada seria:
"Pois é, estou pensando em você, minha Nené. Não sei entender, nem dizer... por mim, que seja. Talvez eu confunda seu rosto, minha criatura. Você passa e vai, depois volta, depois não está aqui. Minha pequena, minha menina."
Eu gostava dessa filosofia de almanaque, que aparecia em todas as músicas do cantor. Um elogio do passageiro, do incerto, da leveza.
No curta-metragem que fiz na faculdade, coloquei a música Mississipi para acompanhar os créditos finais. Ela dizia:
Senza volerlo fai
l'Amore che sperai
senza alcuna ordossìa
come a caso e senza
simmetrìa.
(Sem querer você faz / o amor que espera / sem nenhuma ortodoxia / como por acaso e sem / simetria)
Já mostrei o curta no blog, aqui.
Este é o vídeo de Nené. Talvez eu não gostasse tanto, se tivesse visto seus dentes.
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
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