"Começou com a morte de Michel Foucault; Michel Foucault morreu e no dia seguinte a televisão apresentou uma reportagem sobre ele dando um curso no Collège de France. Quase não se ouvia sua voz, só um murmúrio longínquo. Sua voz estava lá, só que encoberta pela voz do jornalista que dizia que aquela era a voz de Michel Foucault dando suas aulas no Collège de France. Depois, passado algum tempo, Orson Welles morreu e foi a mesma coisa. Ouvia-se uma voz muito clara dizendo que aquela voz que estávamos ouvindo, inaudível e longínqua, era a voz de Orson Welles, que acabara de morrer. Ficou sendo a regra, a cada óbito de personalidade, a imgem falante do defunto recoberta pela do jornalista que diz que o que estamos ouvindo evidentemente é a voz de fulano ou sicrano que acabou de morrer. Sem dúvida foi um produtor que descobriu isso, que se o jornalista e o defunto falassem ao mesmo tempo haveria uma economia de um minuto na emissão, para que se pudesse falar, não necessariamente de esporte, não, mas de outras coisas, coisas diferentes, divertidas, interessantes."
(em A vida material, de Marguerite Duras, trad. Heloisa Jahn)
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