Jorge Andrade foi muito criticado por essa peça. Publicada em 1977, sem ter sido encenada, Milagre na cela faria parte de seu "ciclo do presente", encerrando o "ciclo do passado". Joana é uma freira, que trabalha como educadora. É presa, acusada de subversão, e sofre pressão e tortura do encarregado, doutor Daniel. A peça foi acusada de simplificar demais a situação política da época, criando um retrato melodramático.
O discurso de Joana, assumindo para si as culpas do mundo, parece muito com a postura de Marta, na novela O grito.
Eis o final do primeiro ato:
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JOANA - (ainda rindo) Nunca matou ninguém! Então, que é vida pra você? Que entende da vida, se vive morto? Se anda pelo mundo como a própria morte?
DANIEL - Posso mostrar agora mesmo que não estou morto. Como você também não está. Os mortos não gritam de dor!
JOANA - Pois mostre! Como? (insinua) Violentando-me?
DANIEL - (retesado) Posso violentar você com um cabo de vassoura, com um instrumento qualquer.
(...)
JOANA - (provocante) Use o seu instrumento natural para isto!
DANIEL - Como?!
(...)
DANIEL - Desistiu de ser freira? Ou nunca foi?
JOANA - Não desisti. Mas como freira também posso dar vida. O que não posso é dar morte. Tome o meu corpo! Ele não me pertence mais. Agora... deve pertencer a uma causa!
DANIEL - À causa da subversão, não é?
JOANA - À causa de Deus neste mundo abondonado. Use o seu instrumento! Não um cabo de vassoura. Se fizer isto, será a própria morte. Nunca poderá chegar a ser um homem. Venha! Transforme meu corpo de freira, no corpo da mulher que deseja. Seja um homem, um instrumento da vida, não da morte.
DANIEL - (dominado pelo desejo) Vou fazer você gemer, gritar de prazer!
JOANA - Se eu o transformar num homem... terei feito muito a Deus, a todos que agonizam nesta prisão. Venha!... e prove que ainda pode ser um homem.
(Subitamente, Daniel agarra os cabelos de Joana e a beija com violência, possessivo. Angustiada, Joana se entrega.)
JOANA - Meu Deus! É o único caminho... o único!
(Os dois caem no chão)
CORRE A CORTINA.
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(ANDRADE, Jorge. Milagre na cela. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1977.)
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