Alguns anos atrás, li a análise de um romance do século XVIII - ou, ao menos assim memorizei, embora esquecendo os detalhes. Era a trajetória de um homem, cujos esforços sempre levavam à frustração, até que o personagem decidia aceitar as coisas do jeito que eram. Em vez de lutar contra tudo, tentando "fazer o melhor", ele passou a simplesmente aceitar. Se fazendo ele não conseguia nada, finalmente foi feliz quando decidiu não fazer.
Nunca esqueci essa lição de vida às avessas. Aceitar é complexo, porque implica também não reclamar. Não basta dizer que aceitou, ou parar de agir. A aceitação profunda significa absorver, em seu ser, aquilo que de início te parecia errado.
Esse preâmbulo filosófico tenta organizar algumas idéias, a partir de artigos que saíram no jornal nos últimos dias.
Na Folha de domingo, saiu um texto de Damián Tabarovsky, chamado "O escritor sem público". Uma espécie de manifesto, ou carta de princípios, para definir o que seria uma "literatura de esquerda", em oposição à literatura de mercado ou dr academia.
Eis alguns trechos:
- - -
"A literatura que me interessa - a "literatura de esquerda" - suspeita de todas as convenções, inclusive as suas próprias. Não busca inaugurar um novo paradigma, mas pôr em questão a própria ideia de paradigma, a própria ideia de uma ordem literária, seja ela qual for. É uma literatura que se escreve sempre pensando no lado de fora, mas um lado de fora que não é real: esse fora não é o público, a crítica, a circulação, a posteridade, a tese de doutorado, a sociologia da recepção, a contracapa, os parabéns."
"A literatura de esquerda é escrita pelo escritor que não escreve para ninguém, em nome de ninguém, sem outra rede além do desejo louco de novidade."
"Esse lugar em que se escreve e se inscreve a literatura de esquerda, esse outro lugar, que não é a academia nem o mercado, não existe. Ou, melhor dizendo: existe, mas não é visível, nem nunca será. Instalado na pura negatividade, a visibilidade é seu atributo ausente. Fora do mercado, longe da academia, em outro mundo, no mundo do mergulho da linguagem, em seu balbuceio, institui-se uma comunidade imaginária, uma comunidade negativa, a comunidade inoperante da literatura."
- - -
Não é questão de concordar ou discordar. O argumento é interessante, e a princípio eu concordaria. Mas como dizem em futebol, falta combinar com o adversário. Negar o mercado ou a academia seria, por si, como atitude filosófica, suficiente para garantir algum interesse ou qualidade no que se escreve? Não. Há centenas de escritores desconhecidos e amargurados por aí, justificando-se e culpando a "academia e o mercado" por suas frustrações.
Por outro lado, há coisas boas na academia e no mercado (acredito). Luiz Ruffato me parece um exemplo de escritor moldado para os gostos acadêmicos, e bom. Quanto ao mercado, ando meio desatualizada. Mas digamos Simenon...
- - -
Mas relembro o artigo de Tabarovski com alguma saudade, ao ler hoje no Estado a reportagem da entrega do Prêmio Portugal Telecom. O texto abre com a declaração do vencedor Chico Buarque:
"Não li todos, não sei se mereço o prêmio, mas merecia estar entre os primeiros, talvez. (...) O livro não é mau."
Depois vem o depoimento de Jô Soares, mestre de cerimônias do evento:
"Sou meio responsável por este prêmio. Falei: 'Se o Chico não ganhar eu não vou'. (...) Ansioso para chamar o músico ao cenário montado no formato de seu programa de TV, o apresentaedor nem citou os outros seis finalistas."
- - -
São nossos príncipes. O melhor da raça.
Aceitemos, ou não escaparemos à eterna frustração. Nós, a massa sebenta.
3 comentários:
Sabina, vc acompanhou o caso do prêmio de tradução da Academia Brasileira de Letras? Faz um bom par com essa do Portugal Telecom.
me parece que conclamar contra o mercado e a academia por meio da folha de sao paulo é meio coxinha.
acho que essa alusao que vc fez à tradicao do bilac principito tá muito bem colocada. é tipo aquele conto do machado de assis, a teoria do medalhao.
aliás, essa entrevista aqui, pra mim, tem sido uma espécie de carta de princípios. http://www.sibila.com.br/index.php/critica/592-joao-adolfo-hansen-conversa-sobre-critica-e-literatura-brasileira-contemporanea
e o entrevistador é o contrário absoluto do que eu quero.
mas, tentando fechar algum raciocínio, eu também acho que a gente tem que (se quiser) descobrir as trincheiras, porque as que estao aí sao de mentirinha. as polêmicas só servem pra vender mais.
Por isso uma vez eu disse que minha massa não era cinzenta.
Postar um comentário