quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Toda decisão é um erro

Trecho de um artigo de Arnaldo Bloch para o jornal O Globo:

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"Qual a decisão certa, então?

Este foi o tema central do debate que mediei, em seguida, entre as escritoras Patrícia Melo e Lionel Shriver. (...) Em seu mais recente livro, “O mundo pós-aniversário”, Shriver examina com brilhantismo, numa narrativa de dupla face, a escolha da personagem, Irina, entre a estabilidade de um casamento convencional e a aventura de um amor sem limites. Alternadamente, o livro descreve os dois caminhos possíveis: num, Irina decide abandonar o marido e unir-se a um jogador de sinuca famoso; no outro, resiste à tentação e fica com o marido, um bom homem.

Em ambos os casos, a decisão leva a resultados complexos e novas encruzilhadas. Na vida real, aliás, a autora realmente terminou uma relação estável para se juntar a um baterista. Arrisquei uma analogia entre tacos de sinuca e baquetas que levou a plateia às gargalhadas.

Lionel também gostou. Se tivesse cedido a meus pudores para poupar-me de um vexame, teria sido um erro ou um acerto? Nos livros de Patrícia, por sua vez, os personagens, sempre criminosos cruéis, parecem ser carregados por uma enxurrada, um determinismo implacável, mas, na verdade, sempre vislumbram um outro caminho, até desejável, que terminam por não escolher, residindo aí, e não na solução dos crimes, o maior mistério.

Conta-se (não sei dizer se está em algum dos seus escritos) que um discípulo certa vez perguntou a Platão se deveria se casar, temeroso de perder sua liberdade. Mas teme também que a solidão e a dissipação o levem ao desespero. Platão responde: “Não se preocupe: de qualquer maneira, você vai se arrepender”.

Meu psicanalista, que não é Platão mas tem notável paciência para monólogos, vive dizendo que, uma vez diante de um grande dilema, a questão não é de tomar a decisão certa, e sim de decidir “qual dos erros vou cometer”.

Ainda me pergunto se ele quer dizer que isso é uma impossibilidade universal do acerto, ou se este talento para errar é uma peculiaridade muito minha. Se eu descobrir antes de morrer, minha decisão de fazer análise terá sido um acerto.

Mas, falando sério, se há uma verdade, é essa: mesmo quando uma decisão se revela, a posteriori, acertada, nunca cessarão as especulações noturnas (não confundir com poluções noturnas) sobre como teria sido percorrer o outro caminho, o “errado”. Esta sensação será mais forte à medida que o lado nefasto do tal acerto emergir num fim de tarde qualquer, sob o mais suicidário luscofusco.

Teria o “outro erro” se convertido num acerto ainda maior? Num loop sem fim, então, todos os acertos se converterão em erros, e todos os erros não-cometidos piscarão no fundo do infinito como acertos que desperdiçamos. Não tem jeito: o arrependimento pelo erro que não abraçamos é não só um direito e um dever, mas um fim inexorável.

Ainda que nossa morte seja entupida da mais fina morfina, acolhida pelo mais piedoso e rápido mal súbito ou abençoada pelo sono mais natural, desta dor, a do cotovelo, não escaparemos."

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