quarta-feira, 24 de março de 2010

Deviam ter me chamado antes

O artigo de Elio Gaspari, na FSP de hoje, conta curiosidades sobre o matemático que recusou US$ 1 milhão. Não compartilho de algumas premissas, como a comparação algo banal com Lady Gaga (a fantasia de pureza existencial não é exclusiva à nossa época). Cortei as frases sobre a cantora, mas coloquei abaixo o texto quase completo. Gosto das respostas do russo às universidades americanas.

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"Num mundo que consome celebridades, a história de Perelman merece cinco minutos de atenção.

Ele é um matemático russo, de 43 anos, já passou meses sem trocar de roupa, raramente corta as unhas, a barba ou o cabelo. Vive com a mãe em São Petersburgo, tem horror a jornalistas e viveu sete anos praticamente recluso. Nem e-mails respondia. Quando esteve nos Estados Unidos, a base de sua alimentação era pão preto e iogurte.

Recusou cátedras nas universidades de Princeton, Berkeley, Stanford e no MIT. É um excêntrico, mas é um excêntrico que tem bastante a ensinar. Até que ponto vive-se melhor parecendo maluco do que deixando-se bafejar pela celebridade?

Superando ciúmes, intrigas e rivalidades, Perelman acaba de conquistar o prêmio dos "Problemas do Milênio", com direito a um cheque de US$ 1 milhão, concedido por uma fundação americana, por ter decifrado um dos sete grandes mistérios da matemática. Em 2006, ofereceram-lhe um honraria considerada equivalente a um Nobel de matemática. Recusou-a.

Perelman resolveu a conjectura de Poincaré em 2002. Em vez de mandar seu trabalho para uma revista científica, onde um painel de estudiosos estudaria a consistência dos argumentos, simplesmente jogou os textos na internet, num arquivo público de trabalhos acadêmicos. O trabalho não dizia que a conjectura havia sido resolvida, essa tarefa cabia a quem o lesse. (Um matemático gastou três meses para entendê-lo.) A comunidade dos sábios consumiu dois anos estudando, invejando e, em alguns casos, buscando uma falha na explicação. Perda de tempo.

Quando Perelman foi convidado por Princeton, pediram-lhe um currículo. Respondeu que, se não sabiam quem ele era, não deveriam convidá-lo. Como o MIT chamou-o depois que resolveu a Conjectura de Poincaré, recusou porque deveriam tê-lo chamado antes. Num último convite podia ganhar quanto quisesse e fazer o que quisesse durante o tempo que bem entendesse. Respondeu que estava comprometido com seus alunos do ensino médio de São Petersburgo, o que nem era verdade.

Perelman ofendeu-se quando o "New York Times" disse que ele sustentava que resolvera a conjectura para ganhar US$ 1 milhão. Afinal, estudava o problema muito antes de o prêmio surgir e não sustentava coisa alguma. Decifrara a Conjectura de Poincaré, ponto.

O mundo fica mais interessante quando se sabe que o negócio de Perelman é outro. Os matemáticos podem viver num mundo de liberdade e rigor absolutos. Ele escolheu uma vida de total integridade, sem concessões a coisa alguma. Ninguém manda nele, só a matemática, num diálogo que dispensa outras vozes."

Elio Gaspari, FSP - 24/03/2010.

7 comentários:

Anônimo disse...

digamos que ao não receber o prêmio o russo conseguiu passar uma mensagem muito maior do que qualquer prêmio. ele está corretíssimo. viva o russo. decifrar a conjectura de poincaré não pode ter o mesmo preço que vencer o big brother.

sabina anzuategui disse...

a notícia mais engraçada vi no jornal hoje:

o partido comunista russo pediu que ele aceitasse, e doasse ao partido!

Anônimo disse...

este é justamente o maior mérito do capitalismo, usar o que existe em tudo contra tudo o que existe. O cara não queria aparece e por conta disso apareceu. por mais que alguém não queria ou não goste ou despreze, a vida capitalista é simplesmente um big brother. o jogo mais difícil é não jogar.

oi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

eu não resisto: http://carambolismos.blogspot.com/

sabina anzuategui disse...

Êêê! Bem vinda, de volta à ativa!

Paulodaluzmoreira disse...

Como se diz na gíria, às vezes não há nada como apertar a tecla "foda-se"!