"Entrei na faculdade em 1999, por consequencia de uns poucos conselhos e informações. No primeiro colegial a professora de matemática sentou à minha frente numa aula vazia e perguntou quais eram meus planos. Ivete era brava, branca, olhava os alunos sem paciência e gritava muito. Não havia delicadeza na pergunta e nem desconfiei que quisesse ajudar. Ainda tentava responder, intimidada, quando me interrompeu:
- Você precisa trabalhar para ajudar seus pais?
- Eu... não... não sei...
- Então entre na Universidade. Não perca seu tempo por aí.
Comecei a articular alguma coisa sobre meus pais e a mensalidade, mas ela retomou seu discurso tenso:
- Faça o vestibular da Universidade Estadual. Escolas particulares não prestam. Você não vai passar em Medicina, mas tem cursos menos concorridos.
Parecia preocupada em transmitir seu conselho com exatidão, mal olhava para mim. Talvez, acostumada à dureza, ao contato difícil com os alunos, o papel de amiga lhe pesasse.
- Você é inteligente, gosta de estudar. Pode se formar em Letras, Física... Se for professora do Estado, talvez ganhe três vezes o salário mínimo. É alguma coisa. Pelo menos.
Eu nunca pensara em ser professora. Meu pai ganhava mais que três salários fazendo carreto, mas era um serviço braçal. Quando contei, ele ficou orgulhoso:
- Professora? Ela disse isso?
Então o conselho se tornou um plano. Procurei apostilas, visitei cursinhos. Descobri que o jornal tinha um suplemento para vestibulandos às quintas-feiras. O pai passou a comprá-lo, era a primeira vez que havia jornal em casa. Menos ostensiva, a mãe não opinava: apenas, ansiosa, verificava se eu estava estudando. No dia do exame fomos juntas, ela me esperou no portão. Foi à banca antes que eu acordasse, no dia seguinte, para comprar o jornal e conferir o gabarito. Quando saiu o resultado da primeira fase, fechou os olhos e fez orações em silêncio.
Também foi a primeira a ouvir, pelo rádio, o resultado final. Chamou meu pai e eu com pressa, e ficou acompanhando a lista em ordem alfabética. Quando o locutor disse meu nome, contraiu os lábios e chorou, segurando minha mão."
3 comentários:
Está ficando interessante a história. Uma curiosidade de leitor: porque é que ela não sugeriu matemática? É curiosidade mesmo, não é palpite no texto. Talvez deixar no texto exatamente essa minha pequena dúvida sem responder, essa pulguinha atrás da orelha seja mesmo a melhor opção.
é o sonho da classe média :) tão bonito
pra mim ninguém nunca sonhou em sugerir estudar matemática. muito menos a professora de matemática do colégio, que ficava espantada porque até com calculadora eu errava as contas.
bem, pensei justamente nisso: ela é boa aluna, mas não especialmente boa em matemática.
de todo modo, esse início todo é uma falsa pista. a personagem conhece umas garotas na faculdade, filhas de intelectuais de boa família, e acaba administrando negócios de arte da alta burguesia.
meio balzaquiano? sonhos idealistas na juventude / vida adulta confortável sem ideais
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