Estes foram os últimos parágrafos que consegui escrever, na semana passada. Desde então carrego a sensação de que estão essencialmente errados.
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"As salas amplas, construídas com evidente desleixo burocrático. As funcionárias, gordas e cansadas, tomando o café doce da garrafa térmica e reclamando preguiçosamente porque precisavam trazer seu papel higiênico de casa. Sentada diante de meus trinta alunos, duas vezes por semana, eu tentava demostrar entusiasmo pela literatura e sua importância em nossas vidas.
Homens e mulheres de origens e idades variadas. Eu não queria julgá-los, mas não conseguia evitar que meu olhar os classificasse em dois grandes grupos: os jovens de esperanças ilusórias, e os adultos envelhecidos tentando recuperá-las. Todos sonhando envergonhados, esperando da arte alguma verdade comovente, a revelação do sentido que não enxergavam, em cuja existência desejavam tanto acreditar."
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O narrador deveria apresentar as idéias - aparentemente elitistas e arrogantes - com sofrimento compartilhado. Apenas um grau maior de compreensão, mas não o suficiente para escapar da miséria. Como o ciclope do filme Krull, que pode ver o futuro, o que só lhe serviu pra saber o dia da própria morte.
Talvez a solução seja quebrar o tom no parágrafo seguinte; o narrador reconhecendo sua própria fraqueza.
7 comentários:
Sabina, vou fingir que o texto é meu: no primeiro parágrafo eu trocaria "gordas e cansadas" por "feias e cansadas" e acrescentaria um "estupidamente" ao doce do café. No segundo, eu enfiaria um terceiro bando de gente que queria um diploma sabe-se bem por que motivo. Mas com relação a essa sugestão para o segundo parágrafo não tenho tanta certeza.
Professores desiludidos são o que há! O tema muito me inspira, mas meu ponto de vista é outro. Então, não dou palites. rs.
Bjos
Mas sobre a dica do Paulo, acho que "gordas" é um tipo de ofensa muito feminina. Dizer "gor" infla a bochecha com despreso, e "das" é um ponto final sem possibilidade de apelação.
Ah, mas não são alunos de faculdade. São alunos de uma oficina cultural promovida pela prefeitura. A princípio seria no Bom Retiro. Mas mudei para Osasco, pra ficar distante do "centro expandido" de São Paulo.
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Quanto ao "gordas X feias", queria entender a sugestão do Paulo: é fonética, ou se refere ao sentido literal dos adjetivos?
Concordo c/ a Renata sobre um sentido feminino nessa descrição: gordas, elas ainda poderiam ser bonitas. Para a feiúra, não há escape.
Outro detalhe: essa depressão toda é a apresentação do narrador, antes de conhecer a protagonista. Que será uma aluna jovem, com esperanças ilusórias, acreditando tanto nelas que se tornam reais (com consequências positivas e negativas).
Eu só pensei num adjetivo mais impreciso que "gordas" - assim o leitor pode pensar que o narrador acha todas elas feias mas pode desconfiar dele. Alguém que acha todo mundo gordo, deve ser uma pessoa super em forma sarada frequentadora de academia. E um lugar onde absolutamente todos são gordos no Brasil me parece um lugar sui generis e a passagem me transmitiu a idéia de um lugar "típico". E "feio" é um eufemismos em certos círculos elitistas para "pobre" ou para "gente com traços negros ou indígenas mais acentuados".
eu acho ótimo o gordas.
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