Estou feliz porque sobrevivi aos três meses dedicados exclusivamente ao trabalho assalariado, e voltei à revisão final do meu livro. Também terminei o conto prometido ao Rosel.
Não consegui caprichar como pretendia. O ritmo está apressado demais, e as personagens são algo repetitivas em relação ao "Calcinha no varal". De todo modo, estou feliz por terminar. Segue o início:
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Lésbicas falando de suas mães
Dormi a tarde inteira e sonhei que estava beijando uma das enfermeiras debaixo do chuveiro, me senti culpada e pedi pra ela sair, depois estava na cozinha e me masturbava. Tive um orgasmo dormindo, levantei, me vesti, saí de casa mas não encontrei ninguém conhecido. Estava sozinha desde que as meninas saíram na sexta de manhã, a Rafa não ligava, eu não podia aguentar tanto silêncio mas não queria bancar a desesperada. Fui até o orelhão e tentei desistir. Meu celular estava sem crédito, no cartão apenas três unidades, minha única chance era ligar para o fixo e esperar que estivesse em casa.
Ela atendeu. Pedi que me ligasse de volta porque os créditos iam acabar.
Fiquei ao lado do orelhão esperando a chamada. Quando finalmente tocou, respondi "oi" e não consegui mais falar.
- O que foi? - ela perguntou.
- Por que você não me ligou?
- Fui jantar com a minha mãe. Eu te disse.
- O jantar foi ontem.
- Eu acabei de acordar.
- Pois eu passei a noite sem dormir.
Fiquei quieta novamente. Ela mudou de tom:
- Quer ir em algum lugar tomar alguma coisa?
- Pode ser.
Marcamos na pizzaria do sacolão. Fui até o caixa eletrônico mas só tinha oito reais e cinquenta centavos na minha conta. Fiquei esperando algum milagre e finalmente apareceu um cara bem vestido, camisa e cinto. Perguntei cordialmente se ele poderia transferir um real e cinquenta pra minha conta. O homem não se assustou, mas também não entendeu, por isso expliquei a lengalenga aritmética sobre meu saldo e as regras do maldito caixa eletrônico que solta nota de dez.
Mostrei meu cartão a ele:
- Não é assalto não. É verdade.
O cara riu e fez a transferência. Homens bem vestidos gostam de ajudar jovens desleixadas, eu entendo, mas preferia que minha pobreza não lhe despertasse tanta alegria.
As mesas estavam vazias e sentei no lado de fora. Rafa chegou no carro da mãe dela e ficamos num assuntinho qualquer. Então contei do corretor de investimentos que eu tinha encontrado na noite anterior.
- Corretor? Como assim?
- Ele administra investimentos de uns milionários. Chegou com um pessoal lá no bar. Me convidaram pra ir numa festa.
- Quando?
- Ontem mesmo.
- E você foi?
- Fui.
Ela ficou quieta e depois me olhou irritada:
- Como assim, você foi?
- Eu fui. Você estava jantando com a sua mãe e eu não tinha nada pra fazer.
Ela pegou uns palitos de dente e começou a quebrar. Parecia muito brava.
- Por que você me conta essas coisas?
- Achei que você preferia saber.
- Merda.
Eu estava toda carente na verdade, e com fome também. Mas não podia pedir nada enquanto ela estivesse magoada daquele jeito.
- Rafa, desculpa. Eu bebi demais. Eu não queria ir... me desculpa, eu sou uma besta.
Ela foi se acalmando e segurei sua mão. Ficamos assim algum tempo e então ela perguntou se eu queria comer alguma coisa. Eu bem queria, mas meus dez reais eram uma triste piada. Rafa ficou boazinha e pediu um pedaço de pizza pra mim.
6 comentários:
Carência e fome. Talvez boa parte de nossas coisas, de nossos impulsos, se calquem nesse binômio.
sim: carência, calor na bacurinha, fome e sono!
Eu achei bem bom - se encaixa bem no tema da malandragem e ao mesmo tempo desarma um pouco o tipo; parece uma malandra meio manqué :)
Fome, sono, desejo carnal (ou amor, se assim preferir) e o Flamengo. São as únicas coisas que - como diria Roberto Jefferson - despertam meus instintos mais primitivos.
Haahah "calor na bacurinha" ficou lindo.
eu adorei... as coisas (?) que amo me fazem rir, pensar e chorar... quis ficar amigo dessa narradora...
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