segunda-feira, 13 de abril de 2009

Cynthia Ozick

Há algo estranho no texto publicado ontem no caderno Mais da FSP.

Título: Escritores fantasmas. Resumo: A FICCIONISTA NORTE-AMERICANA CYNTHIA OZICK FALA SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE FAMA E RECONHECIMENTO NO MEIO LITERÁRIO.

Ao fim do texto consta que a autora nasceu em 1928. Fiz as contas e pensei: uma mulher de 80 anos talvez tenha algo sério a dizer sobre este tema, que me preocupa. Consta que o texto é um resumo, e a íntegra foi publicada originalmente na (revista?) "Standpoint".

Mas depois de comentários perdidos entre o lugar comum (o escritor não é e/ou não deve ser famoso como um ator ou político) e a nostalgia de Henry James, começo a me angustiar com a insistência nesse mito do escritor solitário.

Segue o trecho final. Talvez amanhã eu escreva mais sobre isso.

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"Se você já leu até aqui, é possível que já lhe tenha ocorrido a ideia de que você nunca antes viu nada desta escritora e a pergunta: "Por quê?". Apresento como evidência uma carta recebida hoje de meu prezado agente literário em Londres -um relatório de royalties, sem cheque anexado, todos os adiantamentos não ganhos, balanço zero. Tenho a sorte de ser tolerada: nenhum agente ou editor decidiu, até agora, me abandonar, como merece qualquer persistente escoadouro de lucros.

Talvez, contrariando a opinião corrente, ainda resista entre os especialistas editoriais algum traço benevolente que os leve, em raras ocasiões, a elevar-se a um grau de magnanimidade apenas ligeiramente inferior ao dos anjos. Como esse não é o destino reservado à maioria dos invisíveis, relato uma história confessional de muito tempo atrás. Como o astuto, mas infeliz Jacó, na Bíblia, eu primeiro cortejei Lia enquanto desejava Raquel. O cortejo de Lia levou sete anos, o cortejo de Raquel, outros sete. Lia foi meu primeiro romance. Ambicioso em excesso, foi abandonado depois de 300 mil palavras.

Raquel foi meu segundo primeiro romance, ainda mais contaminado pela ambição e, completo, tinha mais de 800 páginas. A paga da gula frenética: 14 anos que passaram voando. Certa tarde, no próprio dia em que terminei de digitar a última oração, eu enviei meu segundo primeiro romance ["Trust"] a um editor que exercia sua profissão num arranha-céu de Nova York.

Meu manuscrito me foi devolvido pelo correio com cem páginas marcadas a lápis vermelho -e um bilhete. O bilhete dizia: "Se você fizer tudo o que meu lápis vermelho sugere, e é claro que haverá mais nesse mesmo veio, aceitaremos publicar seu romance. Mas, se recusar o conselho indispensável de meu lápis vermelho, nós nos recusaremos a publicá-lo".

Catorze anos passados! Ao editor, escrevi: "Sete anos labutei por essas palavras, e outros sete anos ainda; portanto, digo a ti "não, nem um ponto ou uma vírgula irei alterar ou desfazer'". Ao que o bendito editor respondeu: "OK, publicaremos assim mesmo".

Ele morreu repentinamente, aos 42 anos -eu sobrevivo a ele há décadas-, e antes disso eu já o elogiara mil vezes. E mil vezes me admoestou: "Você me acha um grande editor apenas porque nunca a editei". E foi assim que uma escritora acanhada, obsequiosa, discreta se tornou ferrenhamente invisível, em casa entre os fantasmas. E assim ela permanece.

Um comentário:

Paulodaluzmoreira disse...

Sabina,
O que é que vc achou estranho, especificamente?