Tenho dificuldades para convencer a editora de que meu livro é o que é, não por inexperiência minha, mas porque eu quis escrevê-lo assim. Temem que o livro seja mal compreendido e passe desapercebido porque pode parecer ingênuo para quem não me conhece.
A recusa vem de uma instância superior. Quem fala comigo transmite um estranho elogio destrutivo. Como se reconhecessem meu valor e o do livro, mas nada disso valesse diante da expectativa do que deveria ser o segundo livro de um escritor sério. Depois, avaliando, percebo que somente uma pessoa acredita no elogio. O discurso contraditório precisa transmitir uma decisão talvez não compartilhada por quem conversa comigo. Mas é uma decisão.
Coloco em prática tudo que aprendi sobre meditação, persistência e calma existencial, mas quando me distraio tenho impulsos de raiva pura.
A mesma editora publicou em 1987, o livro "Meus amigos", de Emmanuel Bove. Descobri comovida a edição num sebo, algum tempo atrás. Um dos livros preferidos de Peter Handke e eu nunca tinha lido, porque desconhecia a tradução brasileira. A apresentação, da tradutora Maria Lucia Machado, diz que Bove escreveu o livro aos 23 anos: "Seu tom é seco, feito de elipses e de silêncios, como convém quando se fala de "séries de quase nada", segundo um de seus comentaristas. Muito se fala também da banalidade na obra de Bove e, de fato, ele parece ir buscar seus personagens e situações em alguma lata de lixo dos materiais literários, não fazendo qualquer tentativa de dignificá-los literariamente".
"Quando um editor pediu a Bove que escrevesse sua biografia para um prefácio, ele esquivou-se dizendo sentir-se como um ator que tivesse esquecido seu papel. Parecia achar que, de sua vida, só valia mencionar sua decisão de ser escritor. Nasceu em 1898, em Paris, morreu aos 47 anos. Permaneceu quase desconhecido enquanto viveu, mas agora vem sendo reeditado na França e é publicado pela primeira vez entre nós".
"Meus amigos" é um livro inacreditável. Um livro, entre poucas coisas produzidas pela humanidade que justificam sua existência.
Mas diz a máxima de algum autor antigo que li em algum lugar: "habent sua fata libelli". Os livros têm seu destino.
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