Cheguei ontem às duas páginas do livro que mais me marcaram, quando o li pela primeira vez dez anos atrás. Ainda me causam a mesma emoção, um texto quase abstrato mas pungente.
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"Pobreza" era uma palavra bonita e, de certo modo, uma palavra nobre. Dela imediatamente emanavam representações como que saídas de antigos livros escolares: pobre, porém limpo. A limpeza habilitava os pobres para a vida em sociedade. O progresso social consistia numa educação para o asseio; uma vez tornados limpos os miseráveis, "pobreza" passou então a ser uma designação honrosa. A miséria, para os próprios atingidos, era, então, unicamente a sujeira dos associais num outro país que não o seu.
"A janela é o cartão de visita do morador da casa."
Dessa maneira, obedientes, os despossuídos gastavam os meios progressistamente concedidos para custeio de seu saneamento no asseio de suas prórpias patas. Quando na miséria, haviam transtornado ainda a imaginação pública com imagens repulsivas, mas exatamente por isso vivenciáveis de maneira concreta; agora, enquanto "camada menos favorecida", saneada, higienizada, superando qualquer imagem, tão abstrata tornou-se a vida deles, que podiam mesmo ser esquecidos. Da miséria havia descrições físicas; da pobreza, tão somente alegorias.
E também as descrições físicas da miséria visavam apenas aquilo que na miséria era fisicamente repulsivo; produziam, na verdade, essa repulsa, com aquela sua degustativa espécie de descrição apenas, com a qual a repulsa, em vez de se transformar em impulso para a ação, recordava apenas ao indivíduo sua fase anal, quando se comiam ainda as próprias fezes."
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Ele escreveu isso em 1972. A tradução é de Zé Pedro Antunes.
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O título "repente" se refere ao diálogo com Paulo da Luz Moreira.
2 comentários:
coicidências.
Nunca conheci ninguém que tivesse o mesmo nome do meu pai. Até que assisti contrariada a um jogo do SP. E gol de quem? Do Dagoberto...
Bom fim de samana pra vc tb!
Bjim e Inté. ;)
ah... estou em curitiba, volto segunda.
beijos!
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