Esse diálogo com Paulo, que de início parecia um duelo de surdos, criou novo sentido para mim quando encontrei em Peter Handke uma referência a Faulkner.
Eu precisaria confessar, para o contexto, que me interessei por literatura inglesa e americana há uns 10 anos, muito. Só recentemente resolvi me concentrar nas literaturas brasileira, italiana, russa e francesa. Decisão meio arbitrária, respaldada por uma frase que ouvi de um amigo, vinda de uma entrevista de Beckett ou alguém assim. Pediram sua opinião sobre "os russos" e a resposta foi: "Desculpe, mas não leio os russos."
Para não ficar elíptico demais, seria talvez o caso de traduzir o subtexto. Que compreendi assim: "Entendo que os russos são importantes. Mas tenho uma vida só e não posso ler tudo, então decidi não ler os russos."
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Voltando à passagem de Handke:
"Mas minha mãe não se tornou, definitivamente, algo de intimidado, algo de insignificante. Começou a afirmar-se. Como não precisasse mais se desdobrar tanto, encontrou-se aos poucos consigo mesma. O nervosismo passou. Às pessoas mostrava a cara com a qual mais ou menos se sentia bem.
Lia jornais, livros de preferência, onde podia comparar as hisórias à sua própria biografia. Lia junto comigo, primeiro Fallada, Knut Hamsun, Dostoievski, Maxim Gorki, depois Thomas Wolfe e William Faulkner. Não manifestava sobre tudo isso nada de publicável, apenas recontava o que havia sido especialmente do seu agrado. "Mas eu não sou assim, de jeito nenhum", dizia às vezes, como se o autor em questão a ela mesma, em carne e osso, houvesse descrito. Lia cada livro como se se tratasse de uma descrição de sua própria vida, ganhava com isso uma vida nova; pela leitura explicava-se a si mesma pela primeira vez; aprendeu a falar sobre si mesma; a cada livro mais idéias vinham-lhe à cabeça. Dessa forma acabei sabendo pouco a pouco alguma coisa sobre ela."
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Peter Handke, Wunschloses Ungluck, tradução Zé Pedro Antunes.
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No posfácio do tradutor, há a seguinte passagem sobre o próprio Handke:
"Segundo relata a Heinz Ludwig Arnold, sua descoberta da literatura se dá na forma de um mundo contrário ao que conhecia. Bernanos e Faulkner foram os iniciadores. Depois vieram Julien Green e tudo o que tinha a ver com a França católica de então. "E esse mundo, que a partir desses livros se abatia sobre mim, estava naturalmente em oposição àquele no qual eu vivia, a vida real. Portanto, compreendi que ali nos livros de Faulkner e Bernanos havia algo diferente, que de mim sempre fora ocultado e que também de mim mesmo eu me ocultara."
3 comentários:
É uma pena isso de só ter uma vida. Para conhecer os russos mesmo, exige-se umas sete vidas de leitura. Mas é o tal negócio, existe um texto bíblico que diz: 'de se fazer muitos livros não há fim'. Então, não dá pra saber tudo mesmo.
Meu conhecimento de literatura clássica é bem fraquinho. Olhando,porém, pelo lado da dramaturgia, os russos sempre serão as referências básicas. Começe por Albert Camus que adaptou de Dostoievki, em 3 atos, "Os Possessos".
Hugo Rodas pôs 24 atores no palco e levou a peça para Sampa e Rio, em 2008. Quem viu sabe o que valem os clássicos russos.
Interessante coincidencia porque eu nao conhecia Handke - meu conhecimento de literatura esta sempre ligado a minha vida academica e o pouco que conheco fora da minha area vem da oportunidade de dar aulas na universidade de assuntos diferentes. De literatura alema o que eu conheco e so o que tive que ler para dar aulas como assistente em um curso de Literatura Europeia [nos EUA qudo os professores tem uma turma grande eles dao aulas expositivas em um auditorio e depois grupos menores se encontram com os alunos de pos graduacao para aulas de discussao].
Fascinante a ideia de alguem lendo Faulkner com a mae! Quase todos os personagens de Faulkner tem relacoes no minimo muito dificeis com as maes ou sao orfaos. Vou procurar um trecho do As I Lay Dying paraq continuar o repente - vc le em ingles?
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