segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Tempo esmagado

Desde a primeira versão do livro, havia uma distância entre Paula e Denise quando adultas. Paula casava, tinha filhos e acabava sufocada nisso, o que em teoria seria o resultado de seus sonhos românticos de adolescente.

Na semana passada, me pareceu que isso estava muito antigo, não combinava com a Paula descrita no início do livro. Pra que apagar bruscamente as vontades que ela sentia quando mais nova? Sim, o casamento e os filhos... mas mesmo que isso esmague o tempo de uma mulher, não esmaga suas vontades.

Então reescrevi assim:

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Primeira versão:

"Hoje moramos em cidades diferentes. Faz tempo que não a vejo - tenho seu telefone na agenda e muitas vezes penso em telefonar, mas não tenho coragem de ligar durante o dia sem um motivo preciso. Ela tem filhos pequenos e sei que atrapalho quando ligo à tarde. São três meninos homens, ela não tem empregada, está sempre ocupada com a bagunça da casa. Às vezes lembro de seu rosto cansado entre os meninos correndo no jardim, num fim-de-semana quando a visitei, dois anos atrás."

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Versão atual:

"Paula casou mais cedo. Formou-se em pedagogia mas nunca trabalhou; engravidou sem planejar no último ano da faculdade, gostava muito do namorado e resolveram casar. Depois quiseram ter o segundo filho logo, para "resolver de vez o assunto", mas nasceram gêmeos e o assunto não se resolveu tão facilmente. Escolheram gastar mais com escolas melhores, por isso não têm empregada, Paula cuida de tudo sozinha. Os três meninos têm uma energia assustadora, nenhum dos avós se arrisca a ficar com eles no fim-de-semana, o marido tem medo de levá-los passear sem ela por perto. Todos sempre prometem ajudar "quando eles ficarem maiorzinhos". Às vezes ela consegue distribuí-los entre as mães dos colegas de escola, e me liga orgulhosa: "consegui despachar os três". Nesses momentos conversamos.

As conversas são muito parecidas. Paula sempre repete as mesmas coisas respirando fundo, entre pausas. Diz que quer muito voltar a trabalhar, que não deveria ter casado tão cedo, que ela não tinha idéia do era uma criança. Que foi boazinha demais no começo, eles não aprenderam a respeitá-la, agora precisa sempre gritar senão "comem macarrão na minha cabeça", é a expressão que usa. "Aproveite seu marido enquanto você não tem filhos", me diz sempre."

2 comentários:

Paulodaluzmoreira disse...

Umas perguntas so para entender melhor a situacao do texto [mas se elas nao ajudarem nao perca tempo com elas]:
Qtos anos tem os meninos da Paula?
Outra coisa: sao os avos e o marido que mais ou menos se recusam a ficar com os meninos? Como eh que se da essa recusa? Ela pede e eles dizem nao dando uma desculpa ou a coisa acontece mais na base do subentendido?

sabina anzuategui disse...

Pensei em meninos de 8 e 5 anos.
Há um problema e uma sedução estranha em resumir assim a situação dos personagens no final do livro.
Me lembra sempre aqueles letreiros no fim dos filmes dos anos 70, "baseados numa história real", que resumiam a vida do sujeito depois do que se passou na tela.
Aquilo era muito tosco do ponto de vista narrativo, mas me atrai justamente por isso.
Então não entrei em detalhes sobre como se dão as desculpas mas acho que, em teoria, e personagem meio tímida não pediria com muita insistência. Faria um pedido baixinho e aceitaria a recusa sem enfrentar muito.