quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Sobre o Grito

Outro dia dei carona a uma estudante de pós-graduação da Letras e me espantei porque ela não sabia quem foi Jorge Andrade. Ainda disse para se justificar: "nós não sabemos muito de literatura brasileira". Esse nós, em teoria, eram os alunos de Letras na FFLCH, e se não sabiam muito do assunto era porque talvez o "nós" jogasse culpa aos professores.

Realmente, não há o que comentar numa ocasião dessas.

Talvez seja um acaso, mas li "A moratória" com 17 anos, porque era sugerido para o vestibular. Pelo título achei que seria chatíssimo, foi uma surpresa descobrir que não.

"O grito" é de 75, e aproveita temas e idéias da obra teatral de Jorge Andrade. A novela não foi bem recebida pela crítica da época. Isso foi uma frustração a mais para ele, que encarava seu trabalho na TV com a mesma seriedade com que levava a vida, em geral. Segundo a pesquisadora Maria da Glória Bordini, Erico Verissimo morreu em 28 de novembro de 1975 depois de assistir à novela. Ele conversara com Jorge Andrade ao telefone, durante o jantar, incentivando o escritor a seguir adiante, apesar das críticas que vinha sofrendo. Assistiu a novela às 22h e teve um infarte.

Sei que não existe uma relação necessária, mas de todo modo é comovente.

Segue um trecho de crítica do Jornal do Brasil, de abril de 76, escrita por Paulo Maia:

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"O Grito é a prova, talvez definitiva, de que Jorge Andrade, o respeitado dramaturgo, não é feliz na telenovela porque, infelizmente, não fala a linguagem da televisão, não aprendeu aquilo que, no jargão poderíamos chamar de televisês.

Ao 'enobrecer' sua programação novelesca com nomes como Jorge Andrade ou Dias Gomes (o celebrado autor de O Pagador de Promessas), a televisão está usando essa confusão de rótulo com o produto e se favorecendo com ela. Não será a participação de nomes ilustres em autorias de textos que tornará verdadeiro o princípio, segundo o qual 'telenovela é cultura'. Esse conceito pode ser entendido de diversas formas, mas com a intenção com que é emitido se assemelha ao ridículo em que cai a TV Cultura, Canal 2, de São Paulo, que, para justificar sua programação esportiva, obriga os narradores a gritarem, em vez de 'gol', 'esporte é cultura'.

Nesse conto de se vender gato por lebre, o consumidor deve estar atento, provando o produto e não se deixando envolver pelo rótulo. Não é à toa o fato de, no momento, as novelas de melhores resultados estéticos e de público, e de menos atritos com o veículo, serem feitas/escritas não por dois respeitáveis teatrólogos, mas por duas experimentadas domadoras do veículo-tevê, as Sras Ivani Ribeiro e Janete Clair. 'A Viagem' e 'Pecado Capital' não se realizam por suas extremas qualidades ou por suas profundas mensagens culturais, mas, sobretudo, pela extrema sinceridade com que falam a língua do gênero dentro da linguagem do veículo."

3 comentários:

Paulodaluzmoreira disse...

Essa crítica que você desenterrou revela que o preconceito não vem só dos chamados cultos, mas de ambos os lados desse debate.
Eu vou para casa e leio Dickens e penso: porque é que nós não podemos chegar a esse nível de refinamento em uma narrativa que apela para o grande público? Porque é que uma novela não pode ser tão boa quanto Dickens? Medo? Preconceito?
Veja bem, eu não estou aqui falando de Faulkner, mas de Dickens. Porque Dickens era muito, muito popular e escrevia para ser popular.

Tânia N. disse...

Jorge Andrade é pouco conhecido, o que é realmente uma pena!
Beijocas,

sabina anzuategui disse...

tem aquela fase famosa de ou atribuída a um produtor americano (será de um filme do woody allen ou billy wilder?): "ninguém nunca perdeu dinheiro subestimando a inteligência do público".

hoje, na novela brasileira, essa frase é aplicada com requintes de estupidez. mas isso não se aplica a todos os programas da globo. a novela é que anda muuuuito careta.

a década de 70, comparada a hoje, era um paraíso de inteligência.