domingo, 19 de outubro de 2008

Geração morta

Alguns anos atrás tentei escrever um "manifesto" porque eu precisava muito de "um grupo". Um professor meu, editor há muitos anos, respondeu: "você não precisa de um grupo"; deixo a interpretação disso em aberto.

Estou me lembrando disso há alguns dias. Seguem uns trechos. Está no meu site antigo; chamam-se "Manifesto" e "Mais coisas manifestadas.

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Uma idéia que me intriga há algum tempo são as "gerações mortas" - vários grupos de pessoas interessantes que de repente morrem, cada uma por seu motivo, e o que elas faziam pára de ser feito. Idéias normalmente acabam por desgaste ou desinteresse - no caso dessas gerações, acabam por morte. Isso é uma especulação minha de que, se os donos das idéias continuassem vivos, iriam insistir até que as idéias pegassem. Como morrem prematuramente, as idéias se perdem pelo mundo como crianças órfãs.

Uma dessas gerações mortas, que me interessa especialmente, é a poesia marginal da década de 70. Para as pessoas que viveram essa época, pode parecer estranho o que estou falando. Mas aviso, eu que nasci em 74: quem nasce agora não fica sabendo dessa gente. Não constam das apostilas de literatura, não constam dos artigos de jornais, não constam de novas edições. Simplesmente não constam. Estão mortos. De vez em quando se descobre algum em algum sebo. Mas pra isso vai muita sorte e disposição aleatória.

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Estado - Você vê relação direta entre o sistema do regime militar de 64 e o aparecimento da chamada poesia marginal dos anos 70?

Chamie - Sem dúvida. A poesia dos anos 70 assumiu a sua marginalidade frente a tudo o que lembrasse poder ou sistema político e literário. Razão pela qual os poetas marginais não constituíram um movimento, não se organizaram em grupo homogêneo, nem lançaram qualquer manifesto programático. Despolitizados, Literatura e Estado, para eles, eram faces da mesma moeda, cunhada pelo mito da norma e do controle. Mais: Literatura e Estado, a seu ver, se contrapunham à vida cotidiana e anônima das sensações e emoções individuais. Se a poesia anterior se exilava no corpo social (para combatê-lo ou não), a poesia da década de 70 procurou exilar-se no corpo físico das pessoas e do próprio poeta para, numa réplica negativa do corpo social, romper seus limites. A experiência corpórea desse rompimento incluía a droga, o sexo e outros avatares da contracultura. Assim, bem ou mal, a poesia da década de 70 'cenarizou' o embate da vida contra a letra, o que o bom humor do poeta Cacaso soube resumir neste seu poemeto: "Poesia/ eu não te escrevo/ eu te/ vivo/ e viva nós!"

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É uma pena que eu não saiba escrever um manifesto, ou alguma coisa assim. É pena também que eu não tenha um grupo, e se descubro um livro ou fato interessante na quinta-feira à tarde, posso revirar mentalmente minha lista de conhecidos, como já fiz algumas vezes, e não encontro ninguém receptivo pra quem possa dizer "Veja, este fato é interessante", e isso vá resultar em algo.

Tenho vários amigos que me escutam, mas escutam na paciência que consegui merecer deles, com minha alegria eventual; escutam como respeitando minha personalidade e minha idiossincrasia.

Mas não é isso que eu quero.

Não sou idiossincrática.

As coisas que falo, mesmo que pareçam tolas, detalhadas exageradamente e irrefletidas, são mais pensadas do que parecem, e às vezes até minha verborragia inconseqüente é calculada.

Pois eu gostaria que se escrevesse melhor.

Eu gostaria que as pessoas fizessem coisas mais interessantes com suas vidas, e escrevessem e publicassem coisas mais interessantes.

(continua)

7 comentários:

Rachel Souza disse...

Gostei muito hein! Olha também gostaria que se escrevesse melhor, por isso tenho feito um esforço pessoal e estético em minhas esperimentações literárias.No fundo as coisas não passam disso,"experimentações" e é exatemente essa característica que as torna interessantes e válidas de atenção, ao menos da minha...rs
Isso de não conseguir um grupo, acho q talvez seja questão de postura e oportunidade onde as potências do fulano se juntam com as os cicrano e então eles saem do estado de imanência e entrem no de transcendência para algo.Mas sei lá,isso não é cálculo é magia.
Bjo.!

sabina anzuategui disse...

Escrevi essas coisas em 2001. Hoje, relendo essa frase ("eu gostaria que as pessoas fizessem coisas mais interessantes com suas vidas..."), entendo que a única solução possível seria "eu quero fazer algo mais interessante com a minha vida e conviver com pessoas que façam algo interessante com suas". Eu não teria energia para englobar toda a humanidade nesse pacote.

Denise disse...

pensei no 'desgaste' hoje de manhã:
desgaste das horas
escorregadias
dias
escorregados
regados
à maresia.
.
eu não queria que acabasse em maresia,
mas foi a única palavra que me veio em mente.

eu escrevi um 'manifesto líquido' quando eu queria um 'grupo'[ano passado]

mas os meus grupos sempre acabam em maresia, rs.

poeta sórdido disse...

a coleção "cantadas literárias" da Brasiliense devia ser relançada [de algum jeito], um jeito de apresentar um pouco disso pra quem nasce hoje.

sabina anzuategui disse...

Seria bacana se os grupos terminassem em Maresias, ;)

Auto Retrato disse...

Em 74 eu tinha 14 anos, minhas poesias nunca acabaram em maresia, aliás eu tinha um medo danado de tudo, nunca quis me afogar em nada , nem em marés e maresias. O era proíbido proibir ficava muito bonito na cantinga e nos poemas de pensamentos marginais. Éramos escritores, todos, fazendo suas cartases inconcebivéis a voz aberta. Chorávamos em palavras e liámos obras proscritas , em porões. Acho que éramos grupos com características comuns e em comum. Fico feliz em ver jovens assim, querendo resgatar esse espírito que existia,existe ainda em nós daquele tempo e em nossos filhos, mesmo que ainda não tenham a consciência disso. Sou de muitas palavras e gosto de quem o é. Parabéns, vc. é dez.

Flávio. disse...

("eu gostaria que as pessoas fizessem coisas mais interessantes com suas vidas...")
Essa é uma temática que vez ou outra aparece nos meus escritos, inclusive tem um conto sobre isso que acabei de postar no meu blog.