Hoje no Estado saiu uma entrevista com Alcione Araújo sobre seu novo romance. Não o conheço nem tenho opinião sobre o que escreve. De todo modo, o trecho apresentado na matéria me fez pensar.
Esses "trechos" são parte do jornalismo moderno, Folha de SP anos 90. Em vez de citar frases dentro da matéria e obrigar o leitor a ler, cria-se um quadro destacado com a pequena transcrição. A que serve exatamente isso, para ajudar o leitor ou o livro? Quase nunca gosto desses trechos, então para mim os livros são prejudicados.
Entendo que é a seleção de um jornalista e às vezes penso que o livro pode ser bom, mas este escolheu uma passagem ruim. Por outro lado, em teoria, um livro bom é assim inclusive nos detalhes, e nesse caso poderia ser avaliado por um trecho aleatório.
Se não gosto de quase nada, é porque não gosto de nada mesmo ou a teoria dos detalhes está errada?
Ah... arrogância, não vou dizer minha opinião. De qualquer forma literatura é sempre uma pirâmide, as coisas boas precisam dessa larga base de porcarias.
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Voltando então ao Alcione Araújo. Este é o trecho que saiu no jornal:
"Depois da terceira ou quarta dose, Ralph põe o copo à direita do teclado e, meio ausente, dedilha acordes que parecem aleatórios, até que, atraído, se senta. Parece que, sentado ali, todas as suas histórias se encontram e, sem ganhar nitidez, vagam misturadas, criando emoções confusas que buscam formas para se expressar."
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Não vou comentar sobre as emoções confusas que buscam formas... silêncio sobre isso. Quanto ao personagem chamado "Ralph", espero que algum contexto justifique esse horror.
O que me parece realmente importante são as vírgulas. Para que tantas?
A primeira frase não poderia ser simplesmente assim: "Depois da terceira ou quarta dose, Ralph põe o copo à direita do teclado e dedilha meio ausente acordes que parecem aleatórios até que, atraído, se senta."
Três vírgulas a menos e um ritmo mais virtuoso.
A segunda frase: "Sentado ali parece que todas as suas histórias se encontram sem ganhar nitidez. Vagam misturadas, criando emoções confusas que buscam formas para se expressar."
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Ando invocada com a questão do ritmo. Perdi a paciência para escrita a marteladas. As pessoas precisar de mais fôlego.
4 comentários:
Sabina, nao sei se vc le em ingles, mas mando essa frase do Faulkner como contraponto ao trecho que vc transcreveu. Só para situar, temos aqui a voz de um funcionário público que basicamente detesta as pessoas que ele supostamente deveria ajudar [coisa muito comum]. Eu chamaria atenção para duas coisas: o sentido de ritmo maravilhoso de Faulkner, que transforma uma arenga raivosa de um sujeito rancoroso em uma quase-poesia, e a qualidade da dicção que evita a língua morta dos lugares comuns, ainda que expressando idéias razoavelmente simples [eles são vagabundos, não querem trabalhar, não seguem as regras, vivem trapaceando, etc]. Note também como Faulkner capta de modo muito sutil a contradição no pensamento do personagem que começa reclamando que "eles" querem trabalhar nas frentes de trabalho só para arrumar um dinheiro fácil e depois que não querem trabalhar só para receber ajuda alimentar [estamos aqui no meio da recessão americana no seu pior lugar o sul rural]:
These people who lie about and conceal the ownership of land and property in order to hold relief jobs which they have no intention of performing, standing on their constitutional rights against having to work, who jeopardize the job itself through petty and transparent subterfuge to acquire a free mattress which they intend to attempt to sell; who would relinquish even the job, if by so doing they could receive free food and a place, any rathole, in town to sleep in; who, as farmers, make false statements to get loans they will later misuse, and then react in loud vituperative outrage and astonishment when caught at it.
Adoro a prosa cravada de vírgulas de Guimarães Rosa, mas Rosa fazia as vírgulas trabalharem a favor do ritmo peculiar que ele queria imprimir a prosa dele. O pior desse trecho que apareceu no jornal são os lugares comuns e as imagens meio frouxas que aparecem - mas quem sabe se não é uma má escolha do jornalista?
Enxergo na fluidez da linguagem uma característica indispensável a qualquer processo de comunicação.
O ato de travar um texto com excesso de pontuações torna a leitura não só desinteressante, mas até repulsiva.
Todo bom texto deve guardar em si a capacidade de transportar o leitor para o "mundo" visado pelo autor, e convenhamos que ninguém irá gostar de fazer uma viagem na qual seja obrigado a parar a cada esquina apenas em razão do humor do motorista.
Todo caso também concordo que é impossível avaliar a obra citada no blog apenas pelo trecho extraído.
- oi, tudo bem?
- tudo, e voce?
- tudo
- lembra de mim?
- não. e você?
- também não
- que bom pois estava aqui no meu sofá sem fazer nada e não queria incomodar meus amigos
- que?
- isso mesmo não queria encher o saco deles com meus eternos problemas depressivos, por isso resolvi falar com um desconhecido
- ah! certo, mas e aí? eh, quer dizer não sei nem o que dizer
- meu anjo não precisas falar nada basta escutar...
(pronto acabamos de iniciar um livro, agora é só continuar puxando a linha... Taí gostei desse início vou continuar a história e fazer um conto) :)
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