quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Reação protetora

Terminei ontem de ler "É claro que você sabe do que estou falando", de Miranda July. Alguns contos impressionam, doces, delicados e perversos. Me interessou principalmente seu jeito de narrar.

O ritmo da prosa é sempre parecido. Lendo antes de dormir, algumas vezes adormeci com a cadência soando na lembrança.

As personagens parecem falar com elas mesmas, como se fizessem um relatório das próprias ações sem tentar explicar a uma outra pessoa (o leitor). Passagens elípticas, o tempo passa (dias, anos) e nada é explicado na ordem linear. Eu demorava a perceber. Tinha a sensação de estar realmente na intimidade de alguém, recebendo o que o personagem reserva para si.

Voltar ao romance que está esperando na gaveta desde o ano passado. É talvez o oposto da narrativa de M. July: embora escrito em primeira pessoa, a personagem está claramente descrevendo as situações. O texto expõe a cena, não é uma questão privada.

Talvez eu possa mudar isso. Gostei desse outro modo de narrar.

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Não sei se já postei algum trecho no blog:


"Sua voz frágil atingia com força meu instinto de piedade, mas desde sua última crise eu havia me convencido que uma reação protetora e maternal não o ajudava a melhorar. O resultado era justamente o contrário: ele parecia se acomodar à atenção dobrada que eu lhe dava, e sua passividade se prolongava na proporção em que eu permanecia disponível ao seu lado. A dedicação só aumentava meu cansaço, e eu havia prometido a mim mesma que não iria mais ceder àquele olhar. Repeti que ele deveria tomar o remédio. Mesmo querendo ser firme, demorei quase duas horas para convencê-lo. Ele falou com dificuldade, durante esse tempo, de seus pensamentos recorrentes, de como se encolhia em si mesmo, e perdia o contato com as coisas. Ele apontava a porta, e dizia que não via sentido naquilo - por que havia um pedaço de madeira separando as paredes? Nada ao redor dele tinha significado, e nem tocando os objetos ele se convencia de que estava vivo."

5 comentários:

John disse...

Esse livro é fantástico! Eu corri atrás logo no lançamento, já tinha me encantado com o filme da July.

Achei fantástico o conto sobre a guria lésbica que sai de casa com a namorada.

Achei que no geral é um baita livro mesmo.

Acho que só teve um ou outro conto que não manteve o alto padráo.

Um beijo moça.

Anônimo disse...

Este texto é seu ou da M. July?

poeta sórdido disse...

pelo o que vc diz deve sugeir o clima do filme. Aliás, parece ser a maior característica - ou qualidade - dela, esse padrão "M. July".

sabina anzuategui disse...

O texto entre aspas é meu.

Rachel Souza disse...

Seu texto tá ótimo!! Adorei.
Quanto à miranda, a acho sensacional!!